Uma das melhores e mais agradáveis surpresas da Mostra é o segundo longa do cineasta Alemão Andreas Arnstedt, O Cuco e o Burro, que traz uma metalinguagem do Cinema. Conta a história de um roteirista judeu que sequestra o produtor alemão de uma emissora. Após anos de tentativas frustrantes para ter seu roteiro "O pomar das laranjas" transformado em filmes, o roteirista (Thilo Prothmann), seu pai (Joost Siedhoff) e sua irmã mantém o produtor (Jan Henrik Sthalberg) sob cárcere em um porão. Com um roteiro que transita entre o drama e a comédia de humor negro, o longa materializa uma situação limite que é desencadeada para mostrar as dificuldades de fazer Cinema na Alemanha e o conflito entre produtores e realizadores. Essa história fictícia pode ser aplicada em qualquer cenário do audiovisual e as constantes frustrações de cineastas e roteiristas para viabilizar seus trabalhos ao público.
A ideia é bem original, inusitada, contemporânea e divertida. Começando pelo título do filme que é parte da tradição da cultura Alemã. O Cuco e o Burro é uma canção para crianças e na literatura é baseada em uma briga entre eles sobre quem melhor cantava. Ao cada um cantar à sua maneira, não se entendiam e agiam com ironia. No filme, isso é aplicado na relação comunicativa entre roteirista e produtor. Ambos os atores começam a realizar a revisão do roteiro nos quais há momentos nos quais um age como o Cuco e outro como o Burro inclusive citando um dos trechos da canção: Das klang so schön und lieblich (isso soa tão bonito e apaixonante) em referência à história de amor do roteiro. Nesses diálogos não dá pra saber até que ponto o produtor está sendo honesto ou está somente interessado na sua liberdade.
Muitos profissionais se frustram em não ter seus roteiros lidos adequadamente e com os sérios transtornos para financiar um filme. Essas questões transformam o longa em uma excelente experiência cinematográfica ao perceber como o cineasta construiu o meta-filme em dramédia. Nada passa desapercebido nessa narrativa, o que é um grande acerto. O argumento é bem desenvolvido com diálogos nos quais é demonstrada a falta de comunicação e de confiança entre produtor e roteirista, a dependência de variadas aprovações para realizar um produto audiovisual, a necessidade de um roteiro agradar a audiência e se converter em lucro para a emissora e a crítica ao Cinema frio e desprovido de emoções genuínas. Também não fica de fora o cenário atual da Alemanha no qual a produção do Cinema depende de um vínculo próximo com a televisão estatal, o que acaba engessando o processo. Com a radical atitude de optar por um sequestro e uma família excêntrica disposta a qualquer coisa para ver o filme realizado, o longa tem cenas hilárias e também tristes.
Com destaque para o elenco, principalmente Jan Henrik Sthalberg que demonstra controle e evolução emocional no seu personagem. Mesmo na posição de refém, seu personagem foi criado para manter um clima harmônico com os sequestradores e participar de cenas dramáticas, o que é muito positivo (e divertido) para o desenrolar da história. Provavelmente muitos frustrados com o financiamento de seus filmes teriam vontade de ser o realizador desse longa e ver produtores sofrer por algumas horas na ficção.
Ficha técnica do filme ImDB O Cuco e o Burro
0 comentários:
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière