Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Na seara dos filmes que abordam os relacionamentos conjugais, mais especificamente temas como casamento em crise e adultério, o longa russo Fidelidade (Vernost, 2019) com direção de Nigina Sayfullaeva tem virtudes bem sutis na discussão sob a perspectiva de gênero. Ainda se impõe como uma narrativa com considerável influência das diferenças afetivas entre homens e mulheres, o que acaba por reforçar a dependência emocional da mulher em uma relação heterossexual dentro da instituição casamento.
Embora seja muito bem interpretado pela protagonista Evgeniya Gromova no papel de Lena, uma mulher de 30 anos que começa a ter encontros casuais após seu marido ignorá-la sexualmente, o longa busca situações comuns e realistas, como clichês necessários. Então surgem momentos nos quais há a desconfiança e insegurança da esposa, a frieza, o egoísmo e a rejeição do marido, a traição do homem casado, brigas entre mulheres com o homem como motivo, fetiches, entre outras, para a partir dessas questões levar o público para a entendiante relação entre Lena e Sergei (Aleksandr Pal). O resultado se torna mediano replicando o vazio das relações modernas, o que não deixa de ser um reflexo das experiências de muitos casais.
É sabido que essas narrativas tendem a cair, ou no lugar-comum, ou dão pistas para que o espectador possa refletir sobre o ego e o sexo na relação. Esses dois elementos ainda impactam bastante a convivência e o nível de maturidade da relação. Aqui começando pela postura de Sergei que não deseja transar com a esposa e muito menos conversar direito com ela. Dificilmente um homem deixa de comparecer à cama da mulher, a não ser que ele esteja tendo outras relações extraconjugais ou realmente quer "novidades" para apimentar o sexo. Ainda assim, tanto o homem como a mulher tem o direito ao não.
O problema não é apenas a falta de desejo, mas a quase inexistente comunicação entre eles. Não há muitos diálogos e, quando eles acontecem, não chegam a lugar algum. O pior é que a maioria das discussões são humilhantes para Lena. Essas evidências são honestas por parte do roteirista pois o silêncio e as lacunas nas conversas acontecem nos casamentos e em tantos outros tipos de relacionamentos. Diante dessa barreira comunicacional entre o casal, Lena começará a trair, porém seu mal estar e desmotivação são tão evidentes que essas relações se tornam mais vazias e piores do que suportar o descaso do marido.
A partir disso, o interessante é perceber que a representação da mulher na narrativa ainda é acompanhada de muita culpa, infelicidade e humilhação. Por diversas vezes, a vontade como observador é tirar Lena dessa situação e dizer "Saia dessa cilada pois seu marido não te respeita!". Além do mais, ela trai e sabe o que está fazendo ao flertar com outros homens, mas também todas as cenas de sexo fora da relação são totalmente frustrantes. Assim, Evgeniya Gromova apresenta boas nuances comportamentais na interpretação que não foge às contradições das emoções de Lena. Certamente, a protagonista estava aberta a novidades porque decidiu buscá-las movida pela necessidade sexual e afetiva, entretanto, se Sergei lhe desse a devida atenção, ela não teria essas relações tão medíocres, nada prazerosas.
A verdade é que Lena ama o seu marido e tem muito desejo por ele. Ela está nas mãos de Sergei em todos os sentidos, logo, o filme diz respeito mais a ser leal que a trair. O título combina bastante com a personagem porque ela é dependente desse homem que, por sinal, não a respeita. Com isso, a grande sacada da história é mostrar que, não importa o que ela faça, ele dá o norte do desejo e ela decide se terá uma vida dupla ou não. As cenas no banheiro do casal e do desfecho mostram que, lamentavelmente, ela está nas mãos dele.
O longa tem seus altos e baixos e se perde bastante do meio para o fim, apressando o terceiro ato; ainda assim, a ótima atuação de Gromova ajuda a compreender as emoções e dilemas dessa mulher. São escolhas difíceis que muitas mulheres têm que fazer para sobreviver na relação. No mais, o roteiro evidencia que o desejo do homem sobre o corpo feminino pode tentá-la e/ou levá-la a seguir determinados fetiches apenas para a satisfação masculina.
Se o casal gosta de um fetiche, é de comum acordo, porém, renunciar a si mesma(o) para satisfazer unicamente o desejo do outro é dependência afetiva, é como ser desleal consigo mesma (o).
Acabei de ver esse filme. Acho sua análise muito acertada, muito diferente da maioria que li, mesmo as do exterior.
ResponderExcluirO marido parece ter se esforçado para convencê-la de que aquilo tudo o que aconteceu foi "natural" (ele usa exatamente esse termo). É como se ela devesse aceitar essa condição. Mas como fica o final então? Lena teria seguido sua vida dupla, agora com o consentimento do marido?