Primeira animação do diretor Michel Hazanavicius narra conto sobre perda e sobrevivência durante o Holocausto
Lançamento de 17 de Abril. Distribuição #ParisFilmes
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Animações voltadas para um público adulto ainda são pouco vistos no circuito nacional de exibição de filmes tendo em vista que é um campo cinematográfico de natureza mais artística e independente que, normalmente, encontra espaço em salas menores e festivais de Cinema de Animação como Annecy (França), Cartoon Movie (Europa), Anima Mundi (Brasil), entre outros. A depender da visibilidade e influência do cineasta, o filme tem mais possibilidades de alcançar uma divulgação mais notória. É o caso de A mais preciosa das cargas (La Plus Précieuse des Marchandises, 2024), primeira animação de Michel Hazanavicius, diretor do premiado O Artista, vendedor do Oscar em 2012.
Adaptado do conto de Jean-Claude Grumberg e exibido no Festival de Cannes 2024, a animação narra a história de um humilde lenhador e sua esposa que lutam contra a pobreza durante a guerra. Desprovidos de qualquer conforto diante do horror e vivenciando a fome e a solidão em uma áspera floresta, nem a companhia um do outro é suportável e os conflitos surgem com rispidez. Certo dia, a mulher encontra uma bebê abandonada próxima aos trilhos de um trem e que foi friamente jogada de um dos vagões. Com gratidão e esperança, ela resolve adotá-la mas encontra no marido uma forte resistência. A partir daí, esse encontro é marcado por altos e baixos, da violência à resiliência, passando pelo amor, morte e superação.
O pano de fundo histórico utilizado nessa adaptação é o Holocausto com uma narrativa mais linear e melancólica que apresenta camadas emocionais de crueldade, aceitação, arrependimento e auto perdão, dessa forma, o diretor manipula algumas emoções para que o público sinta que essa é uma história dramática de encontros e desencontros, com um toque de fantasia que leva os personagens a cruzarem seus caminhos em algum momento. Como o campo é ficcional e literário, o tom sentimental da animação poderá ser percebida como genuína ou forçada, a depender do espectador, considerando as escolhas do cineasta.
Nessa experiência bem particular com uma animação inédita de um diretor que não é experiente nessa técnica, a recepção do longa enquanto Arte visual é positiva, levando em conta que há um estilo de desenho bem conectado aos horrores da guerra, sua beleza artística é notável. Personagens expressivamente tristes, raivosos, desconfiados e/ou amargurados expressam essa legitimidade do sofrimento e da dor. O cansaço físico e mental, o abandono, a desunião e o luto em uma guerra que não poupa nem uma criança é dilacerante, além do mais a melancolia do ambiente, do clima, das pessoas e dos acontecimentos cria um mundo sombrio e pessimista no qual os personagens não têm escapatória a não ser esperar por um futuro incerto.
Nesse contexto, o fator histórico pesa consideravelmente na abordagem da narrativa, assim como o elemento moral. O Holocausto deixou inúmeros órfãos e pais apartados de seus(suas) filhos(as) que, ou eram separados nos trens de deportação ou nas filas dos campos de concentração, assim, a animação oferece espaço para reflexão acerca da moralidade: abandonar uma criança na linha do trem poderia lhe trazer esperança de viver ou foi um ato de crueldade que anteciparia um triste fim? Pela escolha da direção, ainda muito apoiada e dependente do uso da trilha sonora de Alexandre Desplat, a necessidade de cavar emoções sobressaiu a reflexão moral em determinados planos.
Ainda assim, apesar do diretor ter optado por uma obra mais sentimental, o longa é uma bela animação com efeito dramático e denso que conecta passado, presente e futuro. Em seu desfecho, é impossível não pensar nas famílias afetadas pelo Holocausto. Permanece a memória daqueles que foram separados e tiveram uma continuidade da vida e daqueles que foram isolados e se encontraram com a perda ou a morte. Além dessa compaixão pela dor do outro, na essência, fica a reflexão de que a carga mais preciosa é o grande tesouro da obra. A carga simboliza essa resistência por amor à vida, liberdade e esperança. Ela traz a chance de um recomeço, de uma nova história com sobrevivente(s).
Imagens do filme para divulgação da crítica.
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