Quando o amanhã morre: um drama atemporal de Larry Kent
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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Um drama sobre uma mulher casada, exausta da vida doméstica e de um marido focado apenas na carreira, é um tema muito bem-vindo para a reflexão sobre as diferenças de gênero no cinema. É impressionante como, passados 60 anos de sua produção, Quando o Amanhã Morre (1965), de Larry Kent, permanece bastante contemporâneo, especialmente diante do peso dos diversos papéis sociais que uma mulher desempenha e da crise da instituição do casamento, cada vez mais abalada por inúmeros divórcios.
Interpretada com excelência pela atriz escocesa Patricia Gage, o drama gira em torno do cotidiano de Gwen James, mãe de duas filhas e casada com Doug James (Douglas Campbell). Com um pai doente em uma casa de repouso, Gwen é a expressão da mulher que abdicou dos estudos e do trabalho para se dedicar integralmente à família, dependente economicamente do marido. Comportamentalmente, ela se sente entediada e frustrada: as filhas pouco ajudam nos afazeres domésticos, o marido só pensa em produzir e ganhar dinheiro, e a vida sexual não se aproxima de carinhos autênticos.
Com um texto objetivo e de muita personalidade, Gwen vai se libertando, aos poucos, dessa "escravidão" domiciliar. Ela atinge o limite em que a vida familiar se torna um peso, por mais que ainda ame a prole e o marido. Mas será que é amor? Um casamento sobrevive à falta de conquista diária? Os rituais cotidianos se transformam em um fardo? Quando o Amanhã Morre é sobre a alma feminina no legítimo momento do tédio e da necessidade de libertação.
Nesse contexto, Gwen volta aos estudos e conhece o professor Patrick Trevelyan, interpretado por Neil Dainard. Um novo mundo se abre, altamente atrativo e sedutor, afinal, o conhecimento também é um afrodisíaco. Além de sua inteligência, ele é aquele mestre que, a princípio, parece inofensivo e um tanto desligado. No entanto, aos poucos, eles começam a desenvolver algo raro no casamento de Gwen: o diálogo.
Mulheres costumam gostar de homens que escutam e que as fazem rir. Quando essa combinação misteriosa de escuta ativa com bom humor acontece, elas se encantam, já que é muito raro um homem se comunicar adequadamente ao longo de décadas. Na modernidade das relações líquidas, o ato de conquista a cada flerte, como um ritual harmônico de atenção e descoberta, é algo incomum.
Assim, em plenos anos 60, a troca de olhares entre aluna e professor resgata Gwen desse dia a dia entediante com seu marido. Não é sobre um fetiche, mas sobre a liberdade de ser mulher e ser enxergada por um homem. O problema das relações é a invisibilidade do outro, principalmente em casamentos que se tornam fachadas ou entram em decadência.
O poder desse drama reside em sua capacidade de ser honesto com a solidão da mulher ignorada pelo marido e que tem filhos mimados e imaturos. Gwen está sozinha, como muitas outras mulheres no mundo. A diferença é que ela ousa ter um período de estudos e conhecer outro homem — não necessariamente uma "traição relâmpago", mas uma forma de exercer os desejos de seu feminino e a capacidade de se comunicar com outro sexo, com gentileza e sem uma sexualização urgente e lugar-comum.
A câmera de Larry Kent praticamente flerta com a beleza elegante de Patricia Gage e seu ímpeto em enfrentar a família, expressando tanto seu poder magnético de ser muito mais do que uma dona de casa, mas também uma mulher dona de si. Os close-ups demonstram o potencial emancipatório dessa mulher dos anos 60.
Essa década foi marcada por uma necessidade de desafiar os papéis sociais, com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho e maior participação ativa. Embora Gwen não trabalhe em uma empresa no longa, sua iniciativa de voltar à universidade é a base para uma possível alavancagem. No Canadá, considerando o contexto local das conquistas de gênero, as mulheres haviam obtido o direito ao voto e a abrir contas em bancos sem a assinatura de seus respectivos esposos, além do desenvolvimento de medidas contraceptivas e da busca por equidade pelo movimento feminista.
Com base nessa constatação histórica, o belíssimo filme de Larry Kent lança um olhar já disruptivo sobre a mulher canadense, que ressoa no mundo, considerando o ativismo social e político das mulheres e a busca por experiências mais participativas na sociedade. Ainda que o diretor foque nas relações interpessoais de Gwen com a família e seu professor, fica claro o tom libertador dessa mulher. Tanto que, no desfecho, como em um sonho premonitório, ela evolui consideravelmente ao recusar uma possível vida convencional. A partir desse final ambíguo e impactante, os espectadores podem refletir sobre o peso das prisões nas relações tradicionais que, na maioria das vezes, são hipócritas e só trazem a infelicidade disfarçada de status social.
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