Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema  MaDame Lumière  e Especialista em Comunicação   Podemos dizer que existe um...

A Corte (L'hermine, 2015), de Christian Vincent




Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação 





Podemos dizer que existe uma aura de glamour em torno dos filmes que ganham prêmios importantes em festivais consagrados. Por mais que as virtudes e o real valor de determinado longa-metragem sejam questionados, a maioria desses filmes se posicionam no spotlight dos lançamentos do Cinema  fora do circuito  blockbuster e alguns guardam um peculiar mistério que leva à seguinte pergunta: Por que ganharam o prêmio?    O que os torna efetivamente dignos de uma premiação em categorias fortes como melhor filme, direção , roteiro e fotografia? Essa pergunta surge em "A Corte" (L'hermine), de Christian Vincent, vencedor de melhor roteiro no Festival de Veneza 2015. O diretor tem background em realizar seus roteiros, como em "La discrète", ganhador do César. Em seu mais novo filme, ele combina uma história de amor com um drama de tribunal. O resultado provoca um certo estranhamento a depender do olhar crítico de cada pessoa.






Estrelado pelo grande ator Francês Fabrice Luchini (que tem um estilo muito pessoal de atuar e um humor peculiar que mistura a comédia e o drama), A Corte tem um roteiro arriscado para agradar de imediato. O público é levado a participar de um julgamento no qual Michel Racine (Luchini) é um juiz mal humorado, solitário e que a maioria das pessoas não suportam. Ele também aplica penas mais rígidas que ultrapassam os dois dígitos. Por um lance do destino, ele reencontra Ditte Lorensen-Coteret (Sidse Knudsen), que está como jurada. No passado, ele era apaixonado por ela. O reencontro reacenderá suas emoções e, pouco a pouco, ele dá sinais de interesse.


O julgamento  em si não é tão relevante. Não espere um drama de tribunal contundente, embora seja bem escrito. A questão central é o reencontro de Racine e Coteret. Sendo ele um juiz de personalidade introspectiva e duro de lidar, muito do êxito de Christian Vincent como roteirista foi sua habilidade de mostrar que o juiz tem um coração.  A formalidade do exercício jurídico existe, entretanto, ele é mais eficaz porque se contrapõe à descontração que vai tomando conta de Racine. É como ver um homem rígido na profissão e na vida pessoal a ser rendido por um amor do passado. Nesse aspecto, a narrativa leva o espectador a uma história de amor. 





Por outro lado, a Corte tem uma boa dose de apatia. Não há entusiasmo nessa relação, sendo que, mais ao fim, quando o filme se torna mais interessante, já é chegada a hora do desfecho. Como consequência, ainda que Luchini leva a atuação nas costas e com sua recorrente marca pessoal, o filme fica no limbo. Não é imponente como drama de tribunal e muito menos como história de amor. Dessa forma, ainda que o roteiro tenha vencido em Veneza, a execução e a própria ideia de incluir um juiz apaixonado por uma jurada força uma situação incomum ou não confortável para os amantes. É bem provável que uma parte do público não encontrará uma conexão emocional com o filme e ele cairá no esquecimento rapidamente. Ele não conquista fácil.

Surge, então, a pergunta do início dessa crítica: por que esse roteiro ganhou em Veneza? Um dos motivos é simplesmente a coragem de Christian Vincent em fazer algo diferente. Nesse ponto, os franceses são ótimos. Ao colocar um juiz arredio e calejado pela vida em seu próprio ambiente de trabalho, essa corte formal, e trazer um aspecto intimista, o de suas relações afetivas do passado, repentinamente, esse gatilho muda seu comportamento, ele encontrou uma forma de quebrar essa dicotomia profissional x pessoal, racionalidade x sensibilidade, figura de autoridade x um homem de fragilidades. Inevitalmente, essa escolha quebra o movimento "lugar comum" do Cinema Francês contemporâneo que, ou realiza mais comédias leves ou mais dramas de peso.  A Corte, como no Direito, equilibra  a balança.



Ficha técnica do filme ImDB A Corte





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MaDame Blockbuster: Cinema Pipoca e no stress Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema  MaDame Lumière  e E...

MaDame Blockbuster: Jason Bourne, de Paul Greengrass

MaDame Blockbuster:

Cinema Pipoca e no stress





Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação 




Existe uma competência natural do Cinema de grandes produções comerciais, os "Blockbusters",  que é fidelizar o espectador mesmo que seja entregando filmes aquém da qualidade e potencial esperados. Essa competência está integrada ao marketing, basta ver a quantidade de produtos que ganham versões sob o guarda-chuva de uma forte marca. É uma estratégia que prevê o investimento de milhões de dólares para manter essa marca no mercado, gerar receitas e lealdade do cliente. Essa manobra comercial e de marketing funciona bem, em termos de negócios, porque ela não corta o elo entre o espectador fã e a obra cinematográfica. É o que acontece com o lançamento de "Jason Bourne", o emblemático e imbatível agente da CIA personificado por Matt Damon.  Em mais uma parceria com o diretor Paul Greengrass (de "A Supremacia Bourne" e "O ultimato Bourne"), a Universal Pictures investe nessa fidelização que, a priori, tem sua força em apenas um elemento: Matt Damon.





Matt Damon é um cara legal e isso define muito de seu sucesso no Cinema. Se a América tivesse uma eleição a namoradinho do Cinema Americano, ele seria um forte candidato. É uma musa de calças! Boa imagem de ator competente e versátil atrelada ao seu carisma de bom moço, pai de família e cidadão que a maioria consegue dar um crédito quando ele dá voz à sua própria forma de pensar e trabalhar. Com toda essa  credibilidade, ter uma conexão leal e nostálgica com Matt Damon e o seu "Bourne" é uma natural consequência para o público que aprecia o ator.  Em sua interpretação, ele reúne três virtudes inegáveis para compor Jason Bourne: um homem comum e dedicado ao ofício, um homem solitário que sofre duas grandes perdas afetivas durante a franquia, um homem habilidoso, tanto no aspecto físico quanto no intelectual para ser um herói real.  Lamentavelmente, o novo filme não soube aproveitar essas três qualificações do personagem e muito menos Matt Damon.

Lançado em 27 de Julho nos Cinemas Brasileiros, o filme enfoca o icônico agente que está nas sombras e é desafiado a descobrir a verdade sobre o assassinato de seu pai , que teria sido morto por terroristas. Bourne, como um produto de um ambicioso  experimento militar e com intenso treinamento de elite, teve sua identidade excluída do mundo realista. É um homem perdido, com um espírito patriota e uma necessidade de pertencimento, ainda assim, não lhe é permitido viver na paz, na luz.  Embora tenha evoluído nos filmes anteriores, que enfocam na jornada do herói que se apaixona, perde a mulher que ama, descobre as intenções de seus patrocinadores e inimigos e se torna uma arma humana letal, nesse filme, ele já chega caído e sem muita motivação.  Falta paixão na história. É um personagem que não parou de atuar no auge de seu sucesso e deveria tê-lo feito.





O roteiro não investe no estratégico thriller de espionagem e ação e no desenvolvimento do conflito do personagem. Jason Bourne permanece como um homem nas sombras e, pela pobreza motivacional de seus antagonistas e das linhas desse roteiro, ele fica isolado em cena. Dessa forma, o roteiro reforça mais a ação que o suspense inteligente. Jason tem que lidar com desafetos como  o agente Asset (Vincent Cassel), está na mira de inescrupuloso diretor da CIA Robert Dewey (Tommy Lee Jones) e objeto de interesse de alpinistas estratégicos como a fingida agente Heather Lee (Alicia Vikander). Nem mesmo a amiga de Bourne, Nick Parsons (Julia Stiles) tem espaço no longa. Bourne está sozinho e tem que se defender a todo o  instante em uma intensa jornada de perseguição. Greengrass investe pesadamente em criar muitos estímulos visuais presentes em caóticas e destrutivas cenas com carros e motos e, principalmente, muita truculência  em brigas físicas regradas em porradas  que são reproduzidas com uma ênfase no som. Em resumo, resta ao público se entreter com esse caos que, aliás, não é muito eficiente na decupagem. Muito barulho e pouca qualidade no design e coreografia das cenas de ação.





Jason Bourne perde a chance de evoluir no conflito existencial do agente, que estava mais presente nos filmes anteriores.  Se a motivação do personagem é descobrir a verdade sobre a morte do pai e aliviar a angústia de tal segredo, oras, as motivações afetiva e familiar são preexistentes e ainda ganham, como bônus, um agente que persegue a manutenção de sua identidade e tem que lidar com o fato de ter sido uma cobaia de uma corrupta estrutura de poder. Boas razões para um melhor roteiro existiam e não foram aproveitadas. O personagem também tem um diferencial, que é a sua própria inteligência de combate, igualmente usada de forma precária na narrativa. Não há cérebro na narrativa e isso é imperdoável sob o ponto de vista dos fãs dessa franquia.





Com essa execução, Greengrass se preocupou com apenas uma questão: a ação. O filme é concebido para explorar ao máximo a correria, um jogo de gatos e ratos que se torna vazio e cansativo. Essa ação  não é entrecortada por um suspense habilidoso, o que é muito frustrante para quem é fã dos filmes anteriores que priorizavam o thriller robusto. Todo o elenco  está ligado no piloto automático, até mesmo a atual queridinha de Hollywood, Alicia Vikander, com um personagem travado e sem muita personalidade. Ela, Lee Jones e Cassel mimetizam personas previsíveis em uma perseguição da Cia e os flashbacks não geram uma ideia de continuidade e coesão que poderiam facilitar a tensão dos conflitos e os propósitos dos personagens.  

Com essas deficiências, principalmente o roteiro preguiçoso, se for para ver esse filme, vá pelo namoradinho da América Matt Damon! Vá pelo icônico Jason Bourne e nada mais! 




Ficha técnica do filme ImDB Jason Bourne




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Cristiane Costa, MaDame Lumière

      Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema  MaDame Lumière  e Especialista em Comunicação   No assustador ti...

MaDame Cult: Perversa Paixão (1971), de Clint Eastwood

 
 
 



Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação


 
No assustador time das personagens femininas obsessivas do Cinema,  Alex Forrest (Glenn Close em Atração Fatal) é a reencarnação de Evelyn (Jessica Walter em Perversa Paixão). Belas, sedutoras e inconformadas com a rejeição do homem que amam, atingem um nível severo de perturbação mental. Ignoram que os amantes são comprometidos com outras mulheres e não estão apaixonados por elas, mesmo após vários encontros sexuais casuais e situações constrangedoras.   Esse inconformismo as leva a uma conduta extrema, persecutória e assassina até chegar à família e outras pessoas de seus amantes. Com esse argumento, Clint Eastwood dirige o seu primeiro longa , "Perversa Paixão", um passional thriller sobre obsessão.


 
 
No auge da sua beleza e charme, Clint Eastwood atua como Dave, um DJ de rádio que tem uma programação noturna agradável com hits de jazz, soul e românticas, aderentes ao clima cool dos anos 70. Mora sozinho, próximo à exuberante paisagem marítima e dirige um carrão conversível. Com esse estilo, qual mulher resistiria aos seus encantos ? Seguro de si, ele está acostumado aos flertes ainda mais intensificados pelo seu tipo de profissão, um homem interessante por trás das ondas do rádio. Qual mulher resistiria a ouvir sua voz pessoalmente e no pé do ouvido?  Dave tem uma fã que ele nem imaginaria que seria tão louca por ele, Evelyn é seu nome. Ela gosta de pedir a canção "Play Misty for me", que dá o título original à obra.






O movimento da câmera em panorâmica apresenta ao público esse paradisíaco lugar onde Dave mora. Belíssimo! Paraíso apropriado para levar as amantes a ouvir o som do mar após uma inesquecível noite de sexo. Dave é o cara, mas ele vai se dar mal, nem que seja alguns sustos. Essa introdução antecipa o desdobramento da história, é como dizer: "caro espectador, preste atenção ao local pois na casa de Dave e proximidades acontecerá todo o clímax". Do romance de Dave com sua (ex) Tobie (Donna Mills) à contínua perseguição de Evelyn ,  o galã vivencia  o retorno do amor e um elemento de desestruturação que pode colocar tudo a perder e tirar-lhe a paz.





Como em Atração Fatal de Adrian Lyne no qual Glenn Close reina absoluta e muito louca,  em Perversa Paixão, o spotlight é Jessica Walter, totalmente imersa em um personalidade instável, incapaz de levar um relacionamento naturalmente sadio e aceitar um não. Quando deseja agradar a Dave com comprinhas e demais afetos,  ainda que o maior ímpeto seja romper o clima romântico e sedutor  com um tom bruto na voz  frente à desconfiança e mal estar dele, ela tenta o controle, o dela e o de Dave. Tal característica na atuação ganha uma dimensão aterrorizante, como um monstro a perseguir um homem, comum em personagens como Alex Forrest e Annie Wilkes (Kathy Bates, em Louca Obsessão). A diferença é que Evelyn não é tão inteligente e brilhante como as demais. Sua obsessão é bastante impulsiva, sem tréguas e constantemente urgente em acompanhar todos os passos de Dave. Diferente de Forrest, que sabia seduzir o espectador, Evelyn é uma vítima de si mesma, uma amante cansativa que faria qualquer homem se afastar o mais rápido possível.






Ainda que o roteiro não seja tão expressivo no desenvolvimento, Eastwood alcança uma boa direção levando seu primeiro longa a um status de cult movie, usando referências comuns do thriller e horror, de sangue gore a cenas de paranoia. O uso desses recursos na mise en scène dependem mais da atuação de Jessica Walter que chega a ter momentos fantasmagóricos de ação. Nesse sentido, Eastwood realiza algumas intervenções precisas na direção como o close detalhe, close nos olhos, iluminação noir e movimentos de câmera abruptos que marcam a presença obsessiva de Evelyn, a acompanhar Dave do lado de fora de um bar ou quando ele está na companhia da namorada.  Com a chegada de Tobie, a narrativa  se desenrola a um momento de paz  para Dave, quando curtem um festival de jazz/soul, que marca bem a época  e as músicas do filme, e  fazem amor ao som da clássica "The first time ever I saw your face", de Roberta Flack, momento íntimo que funciona como uma eficiente passagem para o último ato, muito mais perturbador. A presença de Tobie provoca intensos ciúmes em Evelyn, que rompe totalmente com qualquer possibilidade de recuperação no tratamento psiquiátrico.




Em um inesperado ataque de Evelyn , munida de uma faca, o sangue grosseiramente vermelho e consistente jorra pela casa. Os olhos esbugalhados de Jessica Walter, seu desespero e insanidade fazem um ótimo contraponto com as feições suaves e a indignação latente no rosto de Dave que, durante boa parte da projeção, mantem a racionalidade e não está muito preocupado se ela vai mata-lo ou não. Essa aparente tranquilidade de Dave causa um estranhamento e a loucura de Evelyn se torna mais ficcional e absurda.  Diante  disso, Perversão Paixão tem estilo cult  que mescla um toque de terrir (horror + risadas), conduz ao típico riso nervoso, além do suspense inspirado em Hitchcock. É como ser incomodado pela pergunta recorrente: Por que Evelyn está fazendo isso? Que tal ter um pouco de autoestima? Nenhum homem vale tanta destruição. Nem Dave está tão preocupado. 


 
 
Ficha técnica do Imdb Perversa Paixão
 

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Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema  MaDame Lumière  e Especialista em Comunicação Por tradição, o Cinema Ameri...

Serenata Prateada (1941), de George Stevens






Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação




Por tradição, o Cinema Americano da Era de Ouro era previsível no que concerne à gramática fílmica de muitos clássicos que acompanhava o funcionamento dos grandes estúdios de Hollywood, notoriamente quando os gêneros eram romance e comédia como as de Frank Capra, Billy Wilder, George Cukor,  entre outros exímios contadores de histórias.  Nesses filmes,  era comum esperar a influência do romance, do melodrama, do screwball,  de personagens femininas  inteligentes, cômicas e fortes, além da delicada e sedutora beleza das musas do Cinema, de histórias otimistas que celebravam os anos dourados da América e o surgimento de personagens e temas em referência ao jornalismo e imprensa.  Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a necessidade de escapismo e  superação,  entre as décadas de 40 e 50, essa indústria sofreu uma transição para musicais, e posteriormente, para dramas, melodramas e cinema expressionista Americano (o Noir).  Esse período posiciona Serenata Prateada (Penny Serenade, 1941) como um drama romântico e corrobora  o porquê  é um excelente filme de transição do que viria a ser as próximas produções do diretor George Stevens.
 
 
 
 
 
A história é bem resumida pelo slogan "Unidos pelo amor, testados pela tragédia" . Em sua superfície, parece um romance mas não  é na essência. É um comovente drama de um casal que enfrenta  perdas e são confrontados pela fragilidade do casamento, apesar do amor que não sabem  demonstrar inteiramente em atitudes. Roger Adams (Cary Grant) é um editor de jornal que sonha alto, em ter seu próprio negócio e proporcionar o melhor à família. Sua esposa, Julie (Irene Dunne), é do lar e sonha em ser mãe. Após uma tragédia em Tóquio, local onde Roger recebeu uma oportunidade de trabalho, eles retornam aos Estados Unidos e decidem adotar uma criança (Trina).
 
 
 
 
 
 
 
 
Independente do menor ou maior sucesso de Serenata Prateada, o longa  tem uma virtude expressiva  por trás de sua frágil aparência: o roteiro , adaptado da obra da novelista Martha Cheavens. É uma história melodramática  realizada por um excepcional cineasta clássico que, mais tarde, seria um dos mais competentes na execução de dramas ou romances dramáticos como "Um lugar ao sol", "O diário de Anne Frank" e "Assim Caminha a Humanidade" .  Muito habilidoso na mise em scène que valoriza a simplicidade das atitudes em cena e dá espaço para o espectador analisar o que está por trás de determinadas escolhas da direção, ele  reúne vários elementos que dialogam com os anos anteriores, como trabalhar com um brilhante casal de atores como Irene Dunne e Cary Grant (que realizaram "Minha esposa favorita" e "Cupido é  moleque teimoso" juntos),  nuances  da comédia suave e terna  balanceadas com cenas dramáticas, um relacionamento conjugal com altos e baixos, um ligeiro screwball "Carygrantiano",  elementos sociais como o desemprego e as dificuldades profissionais de jornalistas e a falta de dinheiro. Em paralelo, a história acrescenta o drama familiar, o casamento testado pela tragédia e pelo distanciamento do casal, pelo romance que tem um fio de esperança e pode superar as adversidades.
 
 
 
 
 
Irene Dunne, uma das melhores atrizes da época, tem uma beleza impactante em cena  pela força feminina que nasce da fragilidade. Por diversos momentos, Julie demonstra insegurança como esposa, mulher e mãe. A atriz equilibra bem o drama passado com a necessidade de acreditar em uma melhor vida familiar e fazer acontecer.  A câmera em close também realça a doçura de seu rosto e cria uma conexão com o drama feminino.  Cary Grant atua com mais tons interpretativos entre o drama e a comédia. Em determinadas cenas, ele expressa um coração mais duro, uma leve insensibilidade e  insegurança na interação com Julie e o peso da responsabilidade como provedor, logo mais, isso é quebrado pela sua habilidade de fazer graça com boas tiradas cômicas e a doce sedução do seu carisma.
 
 
George Stevens era tão perspicaz na seleção de seus projetos relacionados a filmes dramáticos que,  ao trabalhar com uma história que  aborda uma questão de adoção, ele pôde incluir questões sociais, institucionais e humanistas em cena. Um dos melhores exemplos é a burocracia da adoção que passa da negociação do casal ( vamos adotar ou não? Menino ou menina?), pela necessidade de comprovação da renda familiar ao sistema legal, a expectativa e as preocupações até a concessão da adoção em definitivo e a realidade prática de pais de "primeira viagem". Esse desenvolvimento da história, em um nível consideravelmente leve a cada plano e corte, porém eficiente, transforma Serenata Prateada em uma obra com viés  contemporâneo, já antecipando, naquela época, dramas mais realistas da década de 40 e 50, principalmente os melodramas  com pano de fundo romântico. Cinco anos mais tarde, Frank Capra realizaria "Felicidade não se compra", um clássico de que "a esperança é a última que morre", uma esperança que também está presente aqui.
 
 
 
 
 
 
A aparente casca romântica dessa preciosidade cinematográfica é uma estratégia inteligente. Nos primeiros planos, Roger e Julie se conhecem em uma loja de discos. Em flashback, quando Julie ouve cada disco, ela se lembra da história de amor, da lua de mel meteórica, da tragédia em Tóquio, das diferentes perdas no transcorrer do tempo. É uma bela introdução e constância das memórias revividas através da música, daquela caixa de discos que fez parte do primeiro encontro do casal, das canções que funcionam como pontes para relembrar os afetos e as tristezas. Como o Cinema  clássico é uma agradável caixinha de surpresas, em determinado ponto da narrativa, a história toma um rumo totalmente diferente  do romance  mais enviesado da comédia romântica. Essa generosa competência do roteiro em levar o público do romance ao drama é o grande diferencial, é o presente ao espectador com uma atemporal história familiar sobre perdas e ganhos. Comovente e inesquecível!
 
 
 
 
 
Ficha técnica do filme ImDB
 
 

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"E u não penso que exista algo de natural na morte" (La vanité) Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema  Ma...

La Vanité (2015), de Lionel Baier




"Eu não penso que exista algo de natural na morte" (La vanité)



Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação


Na gênese do Cinema está sua capacidade de reproduzir a realidade da forma que melhor pareça ao diretor, inclusive com uma boa dose de irrealidade cujo artificialismo em cena combina bem com temáticas que ainda são absurdas para a sociedade tradicional.  Com essa abordagem, "La Vanité", mais recente longa de ficção de Lioner Baier (Longwave) apresenta uma melancólica e bem humorada comédia dramática sobre o suicídio assistido. 





"Eu acredito que para ser bem sincero em um filme, sobre as emoções e objetivos dos personagens, você não deve hesitar em entrar em uma irrealidade bastante ampla, pois, surpreendentemente, essa é a melhor maneira de compreender a realidade." (Lionel Baier)



David Miller (Patrick Lapp) é um solitário homem idoso que, após longa dedicação ao seu negócio, optou pela morte assistida. Imerso em memórias cujos planos são alternados entre o presente e flasbacks desse passado, em um quarto de hotel e distante de qualquer distração familiar, ele dá continuidade ao plano metódico de morrer como uma escolha consciente de livre - arbítrio.  Nesse ambiente isolado e privado, ele conta com a ajuda de dois estranhos: Esperanza (Carmen Maura), membro de uma sociedade de suicídio assistido e Treplev (Ivan Georgiev), um garoto de programa russo que entra por engano na história e se transforma em uma personagem cômica indispensável para esse sucinto roteiro.






Com boa aceitação na Suiça, na qual ganhou o Swiss Film Prize de melhor ator (Patrick Lapp) e melhor ator coadjuvante (Ivan Georgiev), o diretor buscou referências contemporâneas e históricas na própria realidade desse país, uma nação democrática e evoluída em legislação que regulamentou o direito à morte.  O propósito do filme não é utilizar uma polêmica crua na claustrofóbica mise en scène. A narrativa é estruturada como uma fábula, com picos de drama absurdo com tons lúdicos e surreais. Para o bel prazer do público de Cinema mais independente, embora o cineasta não teve o intuito de ser tão consistente e profundo no desenvolvimento sobre a eutanásia, seu  recorte narrativo é muito eficiente, pois ele  usa de uma atmosfera irrealista para contar ao público um assunto sério e universal, a morte, da qual ninguém escapa.



A  direção de arte com uma cenografia colorida retrô e excêntrica com tomadas em um studio bem fechado cria uma sensação mais amistosa de claustrofobia ao esperar gradativamente pelo suicídio. Essa pressão pelo momento é suavizado pelo recurso do senso de humor, principalmente o do jovem ator Ivan Georgiev que tem um talento nato para a comédia de humor negro. Ao observar esse enxuto elenco em uma situação intimista que, em teoria, exigiria empatia, confiança e companheirismo entre as personagens, o estranhamento é evidente porém intrigante. Alguém optaria por morrer ao lado de estranhos em um hotel barato? É mais provável que não. Nesse artifício valorizado pelo diretor está um traço de antinaturalidade do ato de morrer nessas condições. Tal escolha foi bastante inteligente para corroborar os efeitos lúdicos da história na experiência com o filme.

                              



Nesse sentido, o trio de personagens não sabem lidar com esse suicídio assistido e tem diferentes reações, a maioria são cômicas. Por vários momentos, não é possível levá-los a sério, principalmente quando o plano da morte não funciona como um plano de ação estruturado. Em contrapartida, a sinergia entre as atuações mantém o espírito vivo onde o lado obscuro da morte cria tensão e expectativas.  Patrick Lapp é um experiente ator e já havia trabalhado com Baier em "Longwave". Ele incorpora bem o lado soturno e depressivo, pesado pelas culpas e ausências.  Carmem Maura , como nos filmes de Almodovar, dá ao público a experiência das excentricidades e da ligeira dose de insanidade daqueles que concordam com questões que nem todos concordariam. É possível compreender as motivações de seu personagem e um humanizada atitude. A grande revelação é  Ivan Georgiev,  carismático, divertido e com um jeito dócil e inocente que funciona bem na figura de um prostituto que topa tudo, mas chora ao ver sangue.






Na linha dramática, nas quatro paredes desse quarto de hotel é  como se a vida fosse uma prisão para Lapp. A ansiedade pelo golpe final do suicidio é o que ele deseja, em desconforto com esse ambiente fechado ao lado de estranhos e com memórias que ele não consegue suportar, dividido entre a nostalgia, a culpa e a redenção. Talvez, para muitos, viver seja isso: à espera da morte, estar ao lado de estranhos ou de pessoas conhecidas que não conhecem bem e que são como estrangeiros. À medida que a maturidade chega com algumas rugas  a mais, estar amargurado e nitidamente melancólico com um sentimento de frustração e de ter perdido tanto tempo na vida.  No final das contas, os estranhos podem ser mais humanos e surpreendentemente afetivos do que a própria família e os amigos, e a vida não é tão cruel e vilã como muitos pensam.



Em um tempo relativamente curto e bem utilizado de 75 minutos,  La Vanité é um belo conto de fadas moderno sobre a escolha pela vida e pela morte e o que está no meio de ambas. Todos os espaços vazios do roteiro, com destaque para o desfecho, são deixados ao público como lacunas a serem preenchidas. Ele faz pensar sobre esses últimos minutos de vida que passam tão rápido como uma retrospectiva que tenta recuperar erros e acertos de toda uma jornada. A proximidade com a morte não é uma experiência natural e acolhedora, por mais que ela seja parte do ciclo da vida. Mas, uma constatação é  relevante: temos várias mortes em vida e elas ajudam a trazer sabedoria, compaixão e redenção.







Ficha técnica no Imdb La Vanité 
Estreia no Brasil: 14 de Julho.
Distribuição Supo Mungam Films
Fotos e trechos da entrevista com diretor , uma cortesia  Supo Mungam films


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