Por Cristiane Costa, Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação
Podemos dizer que existe uma aura de glamour em torno dos filmes que ganham prêmios importantes em festivais consagrados. Por mais que as virtudes e o real valor de determinado longa-metragem sejam questionados, a maioria desses filmes se posicionam no spotlight dos lançamentos do Cinema fora do circuito blockbuster e alguns guardam um peculiar mistério que leva à seguinte pergunta: Por que ganharam o prêmio? O que os torna efetivamente dignos de uma premiação em categorias fortes como melhor filme, direção , roteiro e fotografia? Essa pergunta surge em "A Corte" (L'hermine), de Christian Vincent, vencedor de melhor roteiro no Festival de Veneza 2015. O diretor tem background em realizar seus roteiros, como em "La discrète", ganhador do César. Em seu mais novo filme, ele combina uma história de amor com um drama de tribunal. O resultado provoca um certo estranhamento a depender do olhar crítico de cada pessoa.
Estrelado pelo grande ator Francês Fabrice Luchini (que tem um estilo muito pessoal de atuar e um humor peculiar que mistura a comédia e o drama), A Corte tem um roteiro arriscado para agradar de imediato. O público é levado a participar de um julgamento no qual Michel Racine (Luchini) é um juiz mal humorado, solitário e que a maioria das pessoas não suportam. Ele também aplica penas mais rígidas que ultrapassam os dois dígitos. Por um lance do destino, ele reencontra Ditte Lorensen-Coteret (Sidse Knudsen), que está como jurada. No passado, ele era apaixonado por ela. O reencontro reacenderá suas emoções e, pouco a pouco, ele dá sinais de interesse.
O julgamento em si não é tão relevante. Não espere um drama de tribunal contundente, embora seja bem escrito. A questão central é o reencontro de Racine e Coteret. Sendo ele um juiz de personalidade introspectiva e duro de lidar, muito do êxito de Christian Vincent como roteirista foi sua habilidade de mostrar que o juiz tem um coração. A formalidade do exercício jurídico existe, entretanto, ele é mais eficaz porque se contrapõe à descontração que vai tomando conta de Racine. É como ver um homem rígido na profissão e na vida pessoal a ser rendido por um amor do passado. Nesse aspecto, a narrativa leva o espectador a uma história de amor.
Por outro lado, a Corte tem uma boa dose de apatia. Não há entusiasmo nessa relação, sendo que, mais ao fim, quando o filme se torna mais interessante, já é chegada a hora do desfecho. Como consequência, ainda que Luchini leva a atuação nas costas e com sua recorrente marca pessoal, o filme fica no limbo. Não é imponente como drama de tribunal e muito menos como história de amor. Dessa forma, ainda que o roteiro tenha vencido em Veneza, a execução e a própria ideia de incluir um juiz apaixonado por uma jurada força uma situação incomum ou não confortável para os amantes. É bem provável que uma parte do público não encontrará uma conexão emocional com o filme e ele cairá no esquecimento rapidamente. Ele não conquista fácil.
Surge, então, a pergunta do início dessa crítica: por que esse roteiro ganhou em Veneza? Um dos motivos é simplesmente a coragem de Christian Vincent em fazer algo diferente. Nesse ponto, os franceses são ótimos. Ao colocar um juiz arredio e calejado pela vida em seu próprio ambiente de trabalho, essa corte formal, e trazer um aspecto intimista, o de suas relações afetivas do passado, repentinamente, esse gatilho muda seu comportamento, ele encontrou uma forma de quebrar essa dicotomia profissional x pessoal, racionalidade x sensibilidade, figura de autoridade x um homem de fragilidades. Inevitalmente, essa escolha quebra o movimento "lugar comum" do Cinema Francês contemporâneo que, ou realiza mais comédias leves ou mais dramas de peso. A Corte, como no Direito, equilibra a balança.
Ficha técnica do filme ImDB A Corte



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Cristiane Costa, MaDame Lumière