Imperdíveis dicas Streaming
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.
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Documentário sobre Paralamas do Sucesso Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outu...
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Entre as bandas de Rock Brasileiras que construíram uma sólida e respeitável trajetória e fazem parte das histórias de milhões de Brasileiros destaca-se os Paralamas do Sucesso, formado pelos músicos Herbert Vianna , Bi Ribeiro e João Barone e o empresário Zé Fortes, todos amigos desde a juventude. Cada canção é uma memória espetacular de uma banda que conseguiu alcançar os afetos das classes A a E, com uma popularidade tremenda que vai da Brasilidade das periferias às festas dos jovens da elite. É exatamente essa competência de fazer boa música e criar um laço afetivo com um público amplo que os transformou em uma banda icônica do rock nacional.
O documentário "Os Quatro Paralamas" (2020) é sobre uma nostálgica jornada de amizade, música e superação da banda e, primordialmente, trata-se de um documentário de um fã confesso, o diretor Roberto Berliner, que trabalha com a co-direção de Paschoal Samora. Desde 1983, o documentarista já acompanhava as apresentações da banda no Circo Voador (RJ). Nessa produção, eles acessam arquivos de shows como os do Rock in Rio, a internacionalização da carreira, o acidente de Herbert Vianna e a permanência dos Paralamas em uma fase mais intimista e madura.
Na edição do material, buscou-se equilibrar os momentos musicais, como fragmentos de clips e shows da banda, entrecortados por apresentações musicais descontraídas e acústicas em casa e bate papos na sala de estar. Nesse ponto, embora o documentário apresenta uma estrutura mais tradicional como um produto audiovisual que se aproxima da TV, ele é bastante honesto e espontâneo na forma como reflete o bom humor, a amizade e o profissionalismo do grupo. Ele também homenageia pessoas que são importantes nessa trajetória como o ex-integrante Vital Dias, o tecladista João Fera e a ex-esposa de Herbert Vianna, Lucy Needham Vianna, que faleceu no acidente de ultraleve em 2001.
O maior prazer do documentário está em perceber que, após mais de 40 anos de carreira, Os Quatro Paralamas continuam com uma amizade inabalável e com uma simplicidade ímpar no jeito de ser. Isso é apaixonante e singular! Normalmente o meio artístico é uma seara competitiva e vaidosa partindo de várias dimensões para a manutenção do sucesso como egos, patrocínio, agenda de shows, direitos autorais, participação nos resultados, preferências e escolhas artísticas, entre outros, sendo assim, manter uma banda ativa e icônica não é para qualquer um. Com esse belo documentário, é visível o respeito mútuo entre eles, além do patrimônio que a banda representa para a cultura Brasileira.
Na dimensão da superação da banda, o acidente de Herbert Vianna na qual ele ficou tetraplégico e perdeu a grande companheira de sua vida reforça o profundo exercício de empatia, lealdade e amor desses grandes amigos e profissionais. Eles permaneceram unidos, e tentaram ao máximo transformar esse momento como uma forma de se renovar musical e artisticamente.
Registros incríveis que valem a sessão. (Foto: Reprodução)
É um documentário imperdível que integra a programação do Festival É tudo Verdade 2020 e tem nostálgicos registros, entre eles, uma belíssima sequência fotográfica bem estilo Boteco, com os músicos em um bar tomando cerveja. Sem dúvidas, um dos melhores momentos! É recomendado pela sua capacidade de mostrar que aquela banda de adolescentes não perdeu sua identidade, força e união; uma banda que alcançou o topo mas também soube lidar com as consequências naturais da maturidade na carreira, principalmente em um Brasil contemporâneo que, infelizmente, não tem valorizado à altura esses artistas excepcionais que ajudaram muito a construir o legado musical do país.
Assista ao filme on-line e gratuito no Festival hoje, 26/09/20 às 21 h e em 27/09/20 às 15 h, nesse link.
Fotos , uma cortesia da assessoria do festival. Divulgação permitida.
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière
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Cristiane Costa, MaDame Lumière
Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br Por Cri...
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Miguel Arroyo, sociólogo e educador Espanhol e um dos maiores especialistas na pesquisa sobre currículo escolar discorre em sua essencial obra "Currículo, território em disputa" sobre a importante constatação de que o currículo, como norteador, planejador e integrador de conhecimentos, experiências, processos e práticas educacionais é um território em disputa sob diferentes perspectivas que o constroem: social, curricular, político, metodológico, entre outras. Apesar da vastidão de subtemas envolvidos nessa definição, o currículo é todo esse conjunto de teorias e práticas construídas contextual, política e socialmente na escola em todo o processo de ensino-aprendizagem.
João H. Jardim: um dos melhores cineastas documentaristas do Brasil, e presença afetiva na direção de filmes que abordam Escola, Educação e juventudes
Essa definição assume uma importância muito maior para compreender e exercitar a reflexão crítica durante e após o documentário do cineasta Brasileiro João H. Jardim. Presente na Competição Brasileira de longas e médias-metragens do Festival É tudo verdade, "Atravessa a vida"(2020) aborda o cotidiano de alunos do 3º ano do Ensino médio da Escola Estadual Dr. Milton Dortas, localizada no município de Simão Dias no interior do Sergipe, diante da expectativa de prestar o ENEM e ingressar no ensino superior.
O filme expõe os depoimentos de alunos(as) sobre suas subjetividades e realidades locais como a relação com a família, a escolha de carreira, outros temas contexto atual do país como violência, suicídio, mercado de trabalho e outros mais, além da participação de professores e gestor em relatos e provocações em sala de aula.
Embora João H. Jardim desenvolva um longa bastante afetivo, sensível e dialógico , para o público em geral, como Brasileiros de uma nação que não tem investido na Educação da forma que é necessária, compreender o currículo como um território em constante disputa é uma questão de compromisso e luta social. Desde "Pro dia nascer feliz"(2005), um clássico documental que também traz a realidade do sistema escolar, o cineasta tem apresentado um profundo respeito e empatia para abordar o que os jovens pensam e como também são afetados por todo o espectro de problemas da Educação.
E como o currículo se manifesta na obra? Em tudo! Em cada depoimento de alunos, professores e gestor escolar. Em cada problemática da relação do jovem- escola-família que impacta no aprendizado e na formação do(a) educando(a). Em cada falta de estrutura e outras carências do ambiente escolar das populações mais pobres. Em cada dimensão das variadas desigualdades sociais que afetam o desenvolvimento do jovem.
"Atravessa a Vida" é um filme que, de certa forma, atualiza o "Pro dia nascer feliz" em um outro contexto e época. Apesar de cada um ter sua própria identidade e valor como obra única, ambos dialogam entre si. Se no premiado filme de 2005, o cineasta orquestrou um movimento de diálogo com jovens dos sistemas de ensino privado e público, no recente longa, ele opta por realizar um projeto específico em uma escola no Nordeste do país. É um microcosmo que reflete a realista macrovisão das escolas nas periferias.
Desta forma, atualiza-o no sentido de que ambos escutam adolescentes, suas opiniões, histórias e sentimentos sobre seus lugares e missões do mundo, em especial, as incertezas, as vulnerabilidades e as aspirações. Essa inquietação do jovem é um material legítimo e vivo, em uma constante tensão entre o potencial de realização e o medo de fracassar. Também, atualiza-o ao mostrar que a realidade das juventudes Brasileiras das escolas públicas ainda é desafiadora, levando à reflexão de que pouca coisa mudou. O Brasil continua tendo problemas básicos na Educação, tratado com descaso por diversos políticos na condução e melhorias dessa agenda.
Uma boa escolha da direção foi exatamente entrar no universo da sala de aula, corredores e demais espaços escolares. É um currículo em movimento e realista, tanto do ponto de vista físico como representativo, continuamente alimentado pelos depoimentos dos jovens. Sob a perspectiva da qualidade da direção, João H. Jardim acerta bastante ao adentrar sua câmera em algumas aulas práticas que discutiam História do Brasil e também a questão da identidade da juventude. Podemos ver como os jovens se colocam nas discussões, o que pensam, como reagem e sentem.
O documentário tem um excelente time que trabalhou muito bem junto, destacando a direção e a edição, duas questões que foram essenciais para esse atravessamento da vida do jovem. Para quem já trabalhou com adolescentes, deve saber bem que o jovem é autêntico no que fala. Ele(a) espera a confiança e o respeito do adulto, e nem sempre todas as pessoas têm esse perfil dialógico com o adolescente.
Extrair essa sensibilidade do jovem exige um exercício de empatia realmente autêntico e realista. Ao lado do cineasta, a pesquisadora e Assistente de direção Maria Carolina e a montadora Fernanda Rondon conseguiram extrair essa sensibilidade no resultado final, com alguns momentos bastante comoventes como o filho que se preocupa com o futuro da mãe, uma filha que tem um pai ausente e uma outra jovem que já tentou suicídio. Todas questões reais e contemporâneas nas vivências e experiências dos jovens que estão diretamente presentes no espaço escolar porque, afinal , a escola é o primeiro espaço de socialização, convivência e pertencimento do ser humano.
A beleza desse documentário é sua autenticidade em dar voz e um espaço de subjetivação para os jovens. Eles são protagonistas reais, diretos e participativos. Indiretamente, o público pode observar que os problemas na Educação estão ali, bem claros em cena , mas outro grande acerto do diretor, um exímio e sensível entrevistador e muito apaixonado por esse tema, é voltar-se para a escuta do jovem. João H. Jardim escuta as juventudes, uma questão que nem sempre acontece pelo cidadão comum no Brasil.
Na maioria das vezes, há pessoas, de pais a mestres, de políticos a empresas, que não escutam verdadeiramente essas gerações futuras. Grande parte do tempo, essa é uma lacuna que começa na infância, com pessoas muito individualistas e ocupadas para dar atenção às crianças e jovens. Muitos adultos não têm paciência com os adolescentes e acham que, ou são ociosos (como uma " geração nem estuda e nem trabalha - popularmente dita como "Nem nem") ou que dramatizam demais sem necessidade. A questão que não deve perdida de vista é: Os jovens precisam ser escutados, ser reconhecidos como cidadãos com direitos e participar da vida coletiva.
A verdade é que todos fomos jovens um dia. É uma miscelânea de medos, anseios, paixões e potências, então, as juventudes precisam ser ouvidas e desenvolvidas em suas potencialidades, aprender junto com crianças e adultos, participar do exercício da cidadania, ter oportunidades para construir seus projetos e realizar seus sonhos. Nesse aspecto, o documentário tem muita honestidade ao mostrar que o jovem está em formação e transita entre as inquietações e a potência de transformação.
Através do bom exemplo e de uma incrível capacidade de dar e receber afetos, João H Jardim demonstra a importância de escutar o jovem e contribuir com sua formação. É um filme necessário não apenas para educadores e profissionais da Educação em geral, mas é um filme cheio de humanidade para o Brasileiro. É sobre histórias de vidas que podem ser transformadas com e pela Educação. É um filme belo, afetivo e potente.
Assista ao filme on-line e gratuito no Festival hoje, 25/09/20 às 21 h e em 26/09/20 às 15 h, nesse link.
Fotos do filme, uma cortesia da assessoria de imprensa do festival. Divulgação permitida.
Caro (a) leitor(a)
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Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière
Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br Por Crist...
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Um dos grandes prazeres da Cinefilia é conhecer um pouco mais a história de vida de cineastas que deixaram obras magníficas no legado do Cinema. Assistir a um documentário biográfico de uma personalidade do Cinema e ter o privilégio de acessar seus registros é uma forma de nos aproximarmos da humanidade dele(a), assim, podemos observar seus altos e baixos e, de forma positiva, humanizá-los. Sabemos bem que, apreciadores da linguagem cinematográfica tendem a endeusar seus (suas) diretores (as) preferidos (as) sem se dar conta de que esses ídolos também têm falhas, vulnerabilidades e dramas pessoais.
Depois de passar pelo Festival de Cannes 2019 e receber a indicação para o Olho de Ouro de melhor documentário, Forman vs Forman (2019) faz parte da programação do É tudo verdade, uma excelente oportunidade de perceber como o diretor tcheco de grandes clássicos como "Um estranho no ninho" (One flew over the cuckoo's Nest, 1976) e "Amadeus" (Amadeus, 1985) conseguiu estabelecer sua carreira nos Estados Unidos mesmo com o permanente sentimento de exílio, os fracassos comerciais de alguns filmes e a distância dos primeiros filhos gêmeos.
Realizado pelos documentaristas Helena Trestíková e Jakub Hejna, o longa apresenta preciosas imagens de arquivo do cineasta; desde sua difícil infância como órfão de guerra, passando pelas suas dificuldades financeiras para fazer Cinema de resistência, a separação da família e o retorno à Praga para filmar "Amadeus". Com significativos registros de suas falas, nas quais ele declara os impactos do Nazismo e Comunismo nas esferas pessoal e profissional de sua trajetória, a importância do clássico Tcheco "Os amores de uma loira" (1965) e as portas abertas para dirigir "O Estranho no Ninho" (1976) e "Hair"(1976), podemos considerar um doc. essencial para constatar que nunca foi fácil para ele, como um Europeu oriental e com uma infância marcada por perseguição nazista à sua família, ser um grande cineasta.
Miloš Forman foi um órfão de guerra. Esse motivo, por si só, já é bastante trágico. Seu pai foi perseguido pela polícia nazista, a Gestapo. A sua mãe morreu no campo de concentração em Auschwitz. O jovem Forman já soube o que era solidão e abandono desde criança. Ainda assim, ele venceu através do seu Cinema. Ele não se tornou o mais milionário dos milionários diretores, e nem era preciso, isso nunca foi sua meta. A simplicidade do diretor estava em usar seu Cinema como liberdade, uma liberdade que foi tirada de seus pais, uma liberdade que foi cerceada no início de sua formação como indivíduo único e livre.
Como aspecto expressivo, esse documentário é sobre a sobrevivência de Miloš Forman no meio cinematográfico. Com um Cinema influenciado pelo Neorrealismo Italiano, e posteriormente, com as oportunidades de dirigir filmes na década de 70, terreno fértil da realização cinematográfica em nome da liberdade, Miloš Forman se apresenta nesse doc. mais como um homem comum, de "carne e osso" do que um cineasta inacessível. Apenas essa razão já transforma o filme em um imperdível prazer. Desta maneira, é notável na exposição dos registros, o quanto o diretor lutou, muitas vezes, em meio à solidão e distante de familiares, para não se render ao autoritarismo de épocas brutais.
Quando um cineasta atua em busca dessa liberdade de criação e de ser uma voz emancipatória, até mesmo o sentimento de miséria existencial e a depressão surgem em cena. Ao ver as imagens de Miloš Forman , sozinho e ocioso, em um quarto, podemos nos dar conta de que mentes geniais realmente passam por várias provações entre altos e baixos, e tudo isso faz parte do processo de busca de criação e liberdade artísticas e do Cinema de luta política.
Basicamente, esse documentário é sobre Forman sob a perspectiva de Forman. Isto explica o título "Forman vs Forman". É como um espelho, um direito à palavra e à sua memória, uma permissão para compreendê-lo. Tal escolha dos realizadores têm alguns contras, considerando que espectador não terá acesso aos "demônios" do cineasta. Ao contrário de ótimos documentários biográficos como "Uma carta para Elia" (2010) sobre Elia Kazan e "Bergman: 100 anos" (2018) que mostram questões mais caóticas sobre os polêmicos cineastas, o doc. em referência não se compromete à uma intimidade profunda.
No desenvolvimento e montagem do documentário, optou-se pelas imagens e relatos cronológicos do diretor de tal forma que apenas o ponto de vista dele é escutado como um bom bate papo, assim, conhecemos parte dele mas não, necessariamente, opiniões mais profundas que poderiam vir a comprometer sua memória. Com isso, não se trata de um filme "livro aberto" e controverso.
Outro aspecto bem evidente é a crítica ao Nazismo e Comunismo de uma forma não tão exaustiva e detalhada; desta forma, é possível perceber que o posicionamento político do diretor está acima de menções a x ou y ideologia, sua visão política não o coloca em uma classificação ou nomenclatura tão aberta e expressa no doc. Ele buscou a liberdade em toda a sua carreira e lidar com os fracassos que surgiam no meio de sistemas opressores.
Toda a qualidade do trabalho de pesquisa manteve respeito e dignidade pelo cineasta, desenvolvendo um doc. mais convencional e espontâneo. Aliás, é exatamente essa leveza que faz o filme fluir de maneira agradável e reveladora.
Assista ao filme on-line e gratuito no Festival, previsto para 26/09/20 às 13 h, nesse link.
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Por força de um período brutal e obscuro na História do Chile, durante ditadura do governo Pinochet (1973-1990), o documentarista Chileno Patrício Guzmán teve que desistir de um sonho e viver em exílio. O distanciamento geográfico da pátria não o afastou dos afetos pelo país. Guzmán ama sua pátria e evoca a memória do Chile, apesar de ter uma madura consciência política, histórica e social que, da forma que a nação está, este não é o Chile que ele sonhou para si, seus compatriotas e o mundo.
Em "A Cordilheira dos sonhos" (La Cordillera de los Sueños | La Cordillère des Songes, 2019), uma co-produção Chile e França, ele avança na trilogia composta por outros dois filmes excepcionais "Nostalgia da luz" e "O Botão de Pérola", desta vez, o cineasta relaciona a natureza da Cordilheira dos Andes, a memória e o Chile contemporâneo.
As imagens iniciais enfocadas na sublime beleza da Cordilheira, e intercaladas com depoimentos de especialistas em Artes e Arqueologia, entre eles, os escultores Francisco Gazitúa e Vicente Gajardo, apresentam a grandiosidade dessa geografia e as expressões poéticas e realistas que ela desperta. Uma Cordilheira que, ao mesmo tempo, isola e acolhe o país, mas também continua testemunhando a violência e os reflexos do passado Chileno e o atual contexto que atende aos interesses neoliberais e de um grupo limitado de ricos privilegiados.
O espectador é apresentado à memória afetiva que a Cordilheira dos sonhos representa para os Chilenos; o pertencimento à essa paisagem materna e que, encontra-se abandonada e apropriada por milionários com áreas privadas. Essa memória é evocativa da relação natureza e sociedade, assim como bastante dolorosa em virtude do autoritarismo estabelecido na nação e praticado ao longo dos anos.
É impossível não se emocionar com certa "quebra" visual na narrativa: o belo e o feio. A Cordilheira mãe e o opressor. A liberdade e a ditadura. Diferente de "O botão de pérola" que apresentava uma narrativa visual mais poética embalada pelo elemento água e registros históricos menos brutais, em "A Cordilheira dos Sonhos", logo mais, a não ficção cede espaço para imagens da repressão dos ditadores. Por mais que Patrício Guzmán, com sua voz calma e sincera, traga intimismo e cumplicidade à narrativa, não é fácil passar da beleza da Cordilheira para os registros de violência militar e miséria social.
Em comparação ao documentário antecessor, o doc. perde bastante na expressão poética imagética e desenvolve mais sua faceta de filme-denúncia sobre os horrores da ditadura de Pinochet. Isso se dá em função como Patrício Guzmán roteirizou e orquestrou sua narrativa com o material documental de Pablo Salas.
Pode-se dizer que o doc. é mais cruel nas imagens realistas estabelecendo-se como uma construção cinematográfica híbrida entre o passado e o presente, a história violenta e a imagem "sofisticada" de prédios comerciais e prosperidade para poucos, o silenciamento de vozes na ditadura e o sentimento de abandono e desesperança, a feiúra do ato humano brutal e a magnífica beleza da Cordilheira. São essas nuances narrativas antitéticas que possibilitam refletir sobre como Patrício Guzmán ama o Chile, preocupa-se com sua terra e não perdeu a fé, mas também revive o exílio ao ver que, mesmo quando retorna ao país, a opressão continua.
A montagem do documentário mescla narração de voz do próprio diretor, estabelecendo essa intimidade dele com o país e a observação dessa história, além de imagens muito exclusivas da violência e totalitarismo durante o governo Pinochet. A contribuição dos registros do cineasta Pablo Salas, e do depoimento do escritor Jorge Baradit são essenciais e agregam bastante informação e reflexão crítica ao longa em virtude dos desdobramentos da ditadura para o país. As vozes deles podem ser as vozes de outros Chilenos, então, a relevante dimensão de ouvir todos esses relatos com atenção.
Salas é o cineasta documentarista que tem muitos registros da violência ditatorial e os guarda como um museu de resistência e luta. Sua participação tem algo de fundamental e de trágico, pois ele não deseja sair do Chile e transmite o sentimento do artista que foi abandonado pelo próprio governo. Salas é o reflexo do abandono da cultura do país, algo semelhante ao que está acontecendo no Brasil. Já Baradit é um estudioso da história e da ficção e estabelece uma leitura crítica de como os Chilenos se sentem. Ainda que a opinião dele não seja a de todos, ele representa muitos dos sentimentos e opiniões da esquerda.
De certa forma, não é fácil acompanhar o longa depois de algum avanço da projeção considerando que, sob a perspectiva de uma análise racional da História dos países latino americanos que vivenciaram ditaduras, infelizmente, a sociedade não evoluiu como deveria. Há um retrocesso atual nas lideranças políticas, colocando a democracia da América Latina em risco.
Assim, a História de opressão, autoritarismo e interesse econômicos de um grupo específico de poderosos permanece, e muitos sonhos de cidadãos são frustrados como se a Cordilheira dos sonhos tivesse sido abandonada junto com eles, inclusive, aquela sensação de exílio mesmo morando no próprio país. Entretanto, para o bem, Patrício Guzmán recupera a memória do Chile e as forças através da Cordilheira. Ela é realmente a metáfora de que nem tudo está perdido. É preciso abraçar a esperança.
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