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Midsommar - O mal não espera a noite (2019)

 



Imperdíveis dicas Streaming  

Terror | Horror 
por MaDame Lumière


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


O cineasta e roteirista Ari Aster, conhecido por seu primeiro longa-metragem Hereditário (Hereditary, 2008) apresenta um Cinema que, indiscutivelmente, tem muita consciência do fértil uso de representações para as narrativas de horror. Sob essa perspectiva simbólica e as variadas possibilidades da experimentação para representar dramas existenciais, o diretor alcança um triunfo: Midsommar - O mal não espera a noite (Midsommar, 2019) no qual, a partir de um encontro de pessoas e rituais pagãos em uma comuna na Suécia, ele se lança a narrar a superação de um relacionamento amoroso.



Com o protagonismo da Britânica Florence Pugh, que já havia realizado uma interpretação intensa no drama "Lady MacBeth" (2016), e destaca-se como uma das jovens atrizes mais qualificadas para personagens de densidade psicológica ou situações violentas e ambivalentes, Ari Aster entrega um excelente trabalho para o público, em especial, pela sua habilidade em extrair o mal em cenas que não precisamente seguem os clichês do gênero horror. Todo o mal está ao redor e pulsante e pode romper em ações e comportamentos estranhos e perversos.






Nessa narrativa perturbadora, a estudante de psicologia Dani (Florence Pugh) perdeu os pais e a irmã em uma tragédia na própria casa da família. Ao ser tomada por um abrupto luto e desamparo, ela tem por perto apenas seu namorado Christian (Jack Reynor) que já não está mais interessado em levar o relacionamento adiante, porém ele não tem muita coragem de por fim à relação. Ao combinar uma viagem ao interior da Suécia, em Hälsingland, o amigo de Christian, Pelle (Vilhelm Blomgren) também acolhe a ida de Dani. Com outros amigos, entre eles Josh (William Jackson Harper)  e Mark (Will Poulter), o casal parte para a comuna de Hårga.



Partindo de uma motivação clássica do gênero: um grupo de amigos que visitam um lugar estranho e poderão vir a correr risco de vida, o diretor reúne um desenvolvimento inovador e  autoral, reunindo essas duas pontas da tradição e contemporaneidade. Essa competência de revigorar o próprio horror à sua maneira com elementos universais como o luto, o medo, a dor, a separação, o pertencimento, o coletivo, entre tantos outros, já coloca Ari Aster como um diretor em crescimento que vale a pena ser visto.



A chegada à comuna Hårga apresenta a dimensão do estranhamento travestido de beleza, amor e pureza. Tudo é muito bonito: o lugar, as pessoas, a tradição, a educação e acolhimento. Todos parecem que se amam e se respeitam. É como um paraíso na terra, um local que o mal urbano e moderno não alcançou, a presença sublime do espírito do coletivo e dos afetos. Assim, a cinematografia trabalhada com precisão em uma diegese impecável apresenta um mundo ficcional ideal, ou próximo de potenciais vivências pacíficas e transformadoras. 






Dani, Christian e demais amigos tomam substâncias alucinógenas assim como são bem tratados por essa comunidade, entretanto, o que parecia ser algo muito mais metafórico, torna-se um verdadeiro pesadelo, misturando imagens idílicas com perversas, alinhando dois efeitos narrativos bem contraditórios e eficazes  no horror psicológico. Aos poucos, o diretor envolve o espectador em uma combinação de mistério, suspense e um contínuo mal estar, por trás de um microcosmo social de calmaria, bucolismo e amabilidade, um mal aterrorizante circula e abate o grupo de visitantes.



As férias se tornam um ritual pagão no qual os habitantes da comuna expressam seus valores, cultos e ações em momentos que, pouco a pouco, criam uma tensão entre eles e o grupo de jovens. É interessante perceber que o diretor não tem pressa nessa construção, pelo contrário, ele é meticuloso e cria um ritmo bem peculiar que joga a todos em um clima de insegurança e estranhamento ao longo de mais de duas horas de projeção. Ao mesmo tempo que os jovens começam a sentir-se mal com as situações bizarras, estar preso em uma comuna com tantos costumes e símbolos de coletividade e tradição, também os puxa para uma sensação de acolhimento, pertencimento e experimentação.






Nesse sentido, Midsommar é eficiente em elevar a protagonista Dani a um patamar de rainha da primavera  e colocá-la em um momento de decisão entre a permanência do ser amado ou sua exterminação. No papel de rainha, seu status é mais valorizado, ela é amada pelos habitantes da comuna e seus desejos são legítimos. 



Também trata-se de um ótimo filme visceral de como as seitas preenchem um vazio existencial que nem sempre é saudável e que testam limites, escolhas e emoções. No caso de Dani, o processo a leva a uma superação do drama amoroso, mas essa ressignificação tem um custo alto e violento para todos os outros visitantes e alguns voluntários.



Estando Dani em um momento de fragilidade com fortes episódios de ansiedade, seja por Christian não ser o companheiro que atende suas necessidades emocionas, seja por ela ter perdido tragicamente sua família, o filme conduz passagens de rito para essa mulher que a levam a uma situação absolutamente catártica. O espectador tem acesso à sua mente com imagens fragmentadas e a tensão dúbia entre o sentimento de deslocamento e de acolhimento.  Dessa forma, o roteiro deixa em aberto o que cada espectador sente com a situação. Alguns poderão achar libertador, outros, fatalmente aprisionante.



A personagem de Florence Pugh é fundamental para o êxito, principalmente pela força interpretativa da jovem atriz em um papel de uma mulher emocionalmente destruída. Vê-la em um processo de aceitação e superação da dor, ainda que em uma comuna estranha, é um elemento motivador. Tudo porque sua dor é negligenciada por Christian. Ele é um namorado distante e com nenhuma responsabilidade autêntica pela dor da namorada, desse modo, todos os acontecimentos que ocorrem com ele são verossímeis partindo da compreensão de que ele é um total babaca no campo das relações amorosas e também como perfil de personagem. Por diversas vezes em cena, Christian é ausente de empatia, em especial, quando ele também decide ganhar o crédito em uma pesquisa conduzida por Josh.



Cabe também um discernimento em  analisar quais rituais e discursos estão por trás das boas intenções e dos gentis gestos. Pelo menos, nessa narrativa,  os jovens demonstram certa ingenuidade e são levados pela experiência singular. São convidados a explorar as férias em um lugar diferente e atender a seus próprios interesses, seja pelas motivações afetivas e sexuais, seja pelas intelectuais e culturais. Só que nem tudo é confiável nesse ambiente.






Por outro lado, essa abertura ao novo possibilita um não preconceito, o que é positivo para o roteiro; ou seja, a partir do momento que estão em um local de rituais pagãos, eles se voltam a uma cultura diferente, podendo experienciar coisas nunca antes vividas. Todo o elenco realiza um trabalho bem integrado e excepcional, exatamente porque cada um deles traz características específicas de suas motivações para a visita e, em algum momento, batem de frente ou são engolidos por essa comunidade. Certamente, o que eles não imaginavam é que estavam em um pseudo lugar de paz.



Na sua diegese peculiar e ricamente simbólica, Midsommar possibilita sentir a experiência com a história de maneira ampla, aberta e perceptiva. Filmado durante o dia, indo a uma direção contrária ao horror noturno, ele é bastante sensorial. Tudo é visualmente visto às claras a ponto da luminosidade incomodar e provocar ainda mais estranhamento. Também o desenvolvimento narrativo é bem mais lento em virtude da direção perfeccionista de Ari Aster, permitindo uma melhor imersão em cada detalhe. 



Em uma análise da sua evolução narrativa, o filme perde um pouco mais no terceiro ato em comparação aos anteriores, ainda assim, no gênero horror, é de alto nível e capta essa sinestesia das relações humanas. Na constituição da narrativa, essa sensorialidade do outro também é sentida como uma máscara ou um fingimento já que nem todos os habitantes da comuna são confiáveis e nem todos os visitantes permanecem confortáveis. 






Vale dizer que uma das dimensões mais estranhas e incomodas é perceber como os habitantes de Hårga criam uma ética local e coletiva, e isso é influenciado pela cultura. O filme testa esses limites, tanto com os personagens como com o público. É como se os nativos tivessem sob o efeito de drogas, cegos por uma seita real e predatória. Ironicamente, é nessa seita que Dani encontra um pouco de amor e compreensão.



Independente da recepção de cada um com relação ao seu efeito perturbador, Midsommar é uma experiência diferenciada e recomendada, principalmente para os que precisam superar uma separação a partir de uma representação simbólica no Cinema. Midsommar é um lugar de catarse. 





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Saudações cinéfilas,

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  Documentário sobre Paralamas do Sucesso Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outu...

Os Quatro Paralamas (2020)

 



Documentário sobre Paralamas do Sucesso


Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020

23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Entre as bandas de Rock Brasileiras que construíram uma sólida e respeitável trajetória e fazem parte das histórias de milhões de Brasileiros destaca-se os Paralamas do Sucesso, formado pelos músicos Herbert Vianna , Bi Ribeiro e João Barone e o empresário Zé Fortes, todos amigos desde a juventude. Cada canção é uma memória espetacular de uma banda que conseguiu alcançar os afetos das classes A a E, com uma popularidade tremenda que vai da Brasilidade das periferias às festas dos jovens da elite. É exatamente essa competência de fazer boa música e criar um laço afetivo com um público amplo que os transformou em uma banda icônica do rock nacional.





O documentário "Os Quatro Paralamas" (2020) é sobre uma nostálgica jornada de amizade, música e superação da banda e, primordialmente, trata-se de um documentário de um fã confesso, o diretor  Roberto Berliner, que trabalha com a co-direção de Paschoal Samora. Desde 1983, o documentarista já acompanhava as apresentações da banda no Circo Voador (RJ). Nessa produção, eles acessam arquivos de shows como os do Rock in Rio, a internacionalização da carreira, o acidente de Herbert Vianna e a permanência dos Paralamas em uma fase mais intimista e madura.




Roberto Berliner



Paschoal Samora


Na edição do material, buscou-se equilibrar os momentos musicais, como fragmentos de clips e shows da banda, entrecortados por apresentações musicais descontraídas e acústicas em casa e bate papos na sala de estar. Nesse ponto, embora o documentário apresenta uma estrutura mais tradicional como um produto audiovisual que se aproxima da TV,  ele é bastante honesto e espontâneo na forma como reflete o bom humor, a amizade e o profissionalismo do grupo. Ele também homenageia pessoas que são importantes nessa trajetória como o ex-integrante Vital Dias, o tecladista João Fera e a ex-esposa de Herbert Vianna, Lucy Needham Vianna, que faleceu no acidente de ultraleve em 2001.




O maior prazer do documentário está em perceber que, após mais de 40 anos de carreira, Os Quatro Paralamas continuam com uma amizade inabalável e com uma simplicidade ímpar no jeito de ser. Isso é apaixonante e singular! Normalmente o meio artístico é uma seara competitiva e vaidosa partindo de várias dimensões para a manutenção do sucesso como egos, patrocínio, agenda de shows, direitos autorais, participação nos resultados, preferências e escolhas artísticas, entre outros, sendo assim,  manter uma banda ativa e icônica não é para qualquer um. Com esse belo documentário, é visível o respeito mútuo entre eles, além do patrimônio que a banda representa para a cultura Brasileira.


Na dimensão da superação da banda, o acidente de Herbert Vianna na qual ele ficou tetraplégico e perdeu a grande companheira de sua vida reforça o profundo exercício de empatia, lealdade e amor desses grandes amigos e profissionais. Eles permaneceram unidos, e tentaram ao máximo transformar esse momento como uma forma de se renovar musical e artisticamente.


Registros incríveis que valem a sessão. (Foto: Reprodução)



É um documentário imperdível que integra a programação do Festival É tudo Verdade 2020 e tem nostálgicos registros, entre eles, uma belíssima sequência fotográfica bem estilo Boteco, com os músicos em um bar tomando cerveja. Sem dúvidas, um dos melhores momentos! É recomendado pela sua capacidade de mostrar que aquela banda de adolescentes não perdeu sua identidade, força e união; uma banda que alcançou o topo mas também soube lidar com as consequências naturais da maturidade na carreira, principalmente em um Brasil contemporâneo que, infelizmente, não tem valorizado à altura esses artistas excepcionais que ajudaram muito a construir o legado musical do país.





Assista ao filme on-line e gratuito no Festival hoje, 26/09/20 às 21 h e em 27/09/20 às 15 h, nesse link.


Fotos , uma cortesia da assessoria do festival. Divulgação permitida.

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HEBE - A estrela do Brasil (2019)

 



Imperdíveis dicas Streaming  

#CinemaBrasileiro por MaDame Lumière


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Hebe Camargo, saudosa e emblemática apresentadora Brasileira de TV foi uma mulher que enfrentou e desafiou variados padrões do patriarcado estruturalmente arraigados na nossa sociedade. Começando pelo fato de que, em sua trajetória, ela era uma artista polivalente com grande talento para a mídia e muito à frente de seu tempo: radialista, cantora e humorista. Teve como amigos artistas como Roberto Carlos,  Nair Bello, Lolita Rodrigues, Dercy Gonçalves, Chacrinha, entre tantos outros. Era muito querida e não tinha medo de se posicionar, mesmo tendo como superiores personalidades poderosas como Silvio Santos, além dos ex-maridos Décio Capuano e Lélio Ravagnani, retratados na sua biografia como homens que reproduziam o machismo da época.





Figurino, maquiagem e design de produção: referências da moda e estilo Hebe de ser
(Fotos: reprodução)



Criado e roteirizado por Carolina Kotscho e dirigido por Maurício Farias, o longa-metragem "Hebe - A estrela do Brasil" (2019) apresenta Andréa Beltrão como a protagonista, resultando em um trabalho bem delimitado e articulado para narrar um período específico da vida da apresentadora: a transição entre a Ditadura Militar e a Democracia, passando pelas fases nas quais ela apresentou o programa na Band (1979) e depois, contratada por Silvio Santos (Daniel Boaventura), consolidou sua carreira no SBT a partir da primeira metade da década de 80.


Esse recorte se estabeleceu como fundamental para que essa cinebiografia não se perdesse no meio do caminho, além de representar um desafio para os produtores, considerando que encontrar uma atriz à altura para atuar como Hebe faria toda a diferença no projeto. Andréa Beltrão é competente e bem humorada nesse papel, transmitindo a simplicidade de Hebe mas também sua capacidade de não temer os desafios do casamento, da carreira e de ser uma mulher.


Durante o desenvolvimento do longa, buscou-se não tornar Hebe tão caricata, ainda que, como uma mulher parte do show business, ela tinha uma forma brilhante de se vestir, de valorizar os cabelos loiros e de ser uma pessoa inclusiva e provocativa, chegando a valorizar pessoas que eram marginalizadas pela sociedade como LGBTQ+ (a modelo trans Roberta Close), Dercy Gonçalves (uma atriz idosa sem papas na língua) e o cabelereiro Carlucho (Ivo Müller) que faleceu de AIDS. Todos esses tabus eram comuns no contexto, principalmente levando em conta que o país ainda tinha profundos reflexos do período ditatorial na mentalidade e comportamento da população e dos bastidores da TV.




Com atrizes que representaram  Dercy Gonçalves e Roberta Close: não à censura!
(Foto: Reprodução)



Além das oscilações de carreira para ela se firmar com um programa ao vivo, ter salários pagos em dia e aumentos na remuneração e manter-se ativa na TV com liberdade de expressão, Hebe também vivenciava um casamento bastante contraditório como muitas mulheres vivenciam que, de fato, tinha características de casamento abusivo: ao mesmo tempo que o ex-marido Lélio Ravagnani (Marco Ricca) era insuportavelmente possessivo, ciumento e inseguro, ele também cuidou dela e ajudou a criar Marcelo Capuano (Caio Horowicz), filho de Hebe com Décio Capuano. O longa expõe alguns conflitos da relação, chegando a mostrar algumas cenas fortes e incomodas sobre violência psicológica e doméstica.


Esse recorte foi eficiente considerando que, para uma mulher firmar-se na TV após um longo período de Ditadura, não é algo fácil. Em variadas cenas, Hebe tem que lidar com a censura, levando em conta que ela, em sua natureza artística, é uma apresentadora para programas ao vivo. Essa herança que vem do próprio rádio, desde sua carreira na Rádio Tupi, era valiosa para ela. Hebe não gostava de programas gravados, editados e censurados. Ela gostava de ser uma boa anfitriã e fazer as pessoas se sentirem bem à vontade em seu sofá e palco. Ela lutou para ter a liberdade de expressão e o reconhecimento pela qualidade de seu trabalho.




Com Marco Ricca e Caio Horowicz, respectivamente o ex-marido Lélio e o filho Marcelo: os homens de sua vida. (Foto: Reprodução)




Nesse sentido, embora seja um filme sobre uma mulher, os papéis dos homens são relevantes para expor e denunciar a opressão do patriarcado, mas também os  amores da apresentadora. No início, a história mostra o agente Joesley Castro de Magalhães (Fernando Eiras) em conflito com Walter Clark (Danilo Grangheia), diretor-executivo da Band. Magalhães não queria que Hebe tivesse liberdade até mesmo no vocábulo, como por exemplo falar palavrões, levando Clark a pressioná-la e discutir com ela. Por outro lado, há cenas do carinho da apresentadora com Lélio, Marcelo, Carlucho e também, com o sobrinho Cláudio Pessutti, um dos seus produtores e interpretado por Danton Mello.



Grande parte do acerto é a atuação de Andréa Beltrão que se lançou com muito compromisso nesse trabalho.  Alguns criticaram a caricatura dela, os "tiques" , as cenas de conflitos conjugais e os copos de bebida na mão da personagem, mas o bem da verdade é que Beltrão foi corajosa pois Hebe foi e sempre será única, praticamente inimitável. A atriz foi tão profissional que recentemente foi indicada ao Emmy Internacional de melhor atriz por sua atuação na série de TV HEBE, um desdobramento desse filme. Em 23 de Novembro, o Emmy anunciará os vencedores em Nova York.




Andréa Beltrão: sensibilidade e bom humor para representar um ícone das mulheres
(Foto: Reprodução)



Essa cinebiografia autenticamente Brasileira é uma boa opção para rememorar e celebrar a vida de Hebe Camargo. O longa não tenta dar conta de toda a vida da icônica apresentadora, ele delimita seu campo de narração e essa decisão possibilitou uma melhor imersão nas fronteiras entre a censura e a liberdade.







Fotos: uma reprodução do filme, cortesia Warner Bros, para imprensa.

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Atravessa a Vida (2020)

 




Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020

23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Miguel Arroyo, sociólogo e educador Espanhol e um dos maiores especialistas na pesquisa sobre currículo escolar discorre em sua essencial obra "Currículo, território em disputa" sobre a importante constatação de que o currículo, como norteador, planejador e integrador de conhecimentos, experiências, processos e práticas educacionais é um território em disputa sob diferentes perspectivas que o constroem: social, curricular, político, metodológico, entre outras. Apesar da vastidão de subtemas envolvidos nessa definição, o currículo é todo esse conjunto de teorias e práticas construídas contextual, política e socialmente na escola em todo o processo de ensino-aprendizagem. 



João H. Jardim: um dos melhores cineastas documentaristas do Brasil, e  presença afetiva na direção de filmes que abordam Escola, Educação e juventudes



Essa definição assume uma importância muito maior para compreender e exercitar a reflexão crítica durante e após o documentário do cineasta Brasileiro João H. Jardim. Presente na Competição Brasileira de longas e médias-metragens do Festival É tudo verdade, "Atravessa a vida"(2020) aborda o cotidiano de alunos do 3º ano do Ensino médio da Escola Estadual Dr. Milton Dortas, localizada no município de Simão Dias no interior do Sergipe, diante da expectativa de prestar o ENEM e ingressar no ensino superior. 


O filme expõe os depoimentos de alunos(as) sobre suas subjetividades e realidades locais como a relação com a família, a escolha de carreira, outros temas contexto atual do país como violência, suicídio, mercado de trabalho e outros mais, além da participação de professores e gestor em relatos e provocações em sala de aula. 


Embora João H. Jardim desenvolva um longa bastante afetivo, sensível e dialógico , para o público em geral, como Brasileiros de uma nação que não tem investido na Educação da forma que é necessária, compreender o currículo como um território em constante disputa é uma questão de compromisso e luta social. Desde "Pro dia nascer feliz"(2005), um clássico documental que também traz a realidade do sistema escolar, o cineasta tem apresentado um profundo respeito e empatia para abordar o que os jovens pensam e como também são afetados por todo o espectro de problemas da Educação.





E como o currículo se manifesta na obra? Em tudo! Em cada depoimento de alunos, professores e gestor escolar. Em cada problemática da relação do jovem- escola-família que impacta no aprendizado e na formação do(a) educando(a). Em cada falta de estrutura e outras carências do ambiente escolar das populações mais pobres. Em cada dimensão das variadas desigualdades sociais que afetam o desenvolvimento do jovem.


"Atravessa a Vida" é um filme que, de certa forma, atualiza o "Pro dia nascer feliz" em um outro contexto e época. Apesar de cada um ter sua própria identidade e valor como obra única, ambos dialogam entre si. Se no premiado filme de 2005, o cineasta orquestrou um movimento de diálogo com jovens dos sistemas de ensino privado e público, no recente longa, ele opta por realizar um projeto específico em uma escola no Nordeste do país. É um microcosmo que reflete a realista macrovisão das escolas nas periferias.


Desta forma, atualiza-o no sentido de que ambos escutam adolescentes, suas opiniões, histórias e sentimentos sobre seus lugares e missões do mundo, em especial, as incertezas, as vulnerabilidades e as aspirações. Essa inquietação do jovem é um material legítimo e vivo, em uma constante tensão entre o potencial de realização e o medo de fracassar. Também, atualiza-o ao mostrar que a realidade das juventudes Brasileiras das escolas públicas ainda é desafiadora, levando à reflexão de que pouca coisa mudou. O Brasil continua tendo problemas básicos na Educação, tratado com descaso por diversos políticos na condução e melhorias dessa agenda. 





Uma boa escolha da direção foi exatamente entrar no universo da sala de aula, corredores e demais espaços escolares. É um currículo em movimento e realista, tanto do ponto de vista físico como representativo, continuamente alimentado pelos depoimentos dos jovens.  Sob a perspectiva da qualidade da direção, João H. Jardim acerta bastante ao adentrar sua câmera em algumas aulas práticas  que discutiam História do Brasil e também a questão da identidade da juventude. Podemos ver como os jovens se colocam nas discussões, o que pensam, como reagem e sentem.


O documentário tem um excelente time que trabalhou muito bem junto, destacando a direção e a edição, duas questões que foram essenciais para esse atravessamento da vida do jovem. Para quem já trabalhou com adolescentes, deve saber bem que o jovem é autêntico no que fala. Ele(a) espera a confiança e o respeito do adulto, e nem sempre todas as pessoas têm esse perfil dialógico com o adolescente. 


Extrair essa sensibilidade do jovem exige um exercício de empatia realmente autêntico e realista. Ao lado do cineasta, a pesquisadora e Assistente de direção Maria Carolina e a montadora Fernanda Rondon conseguiram extrair essa sensibilidade no resultado final, com alguns momentos bastante comoventes como o filho que se preocupa com o futuro da mãe, uma filha que tem um pai ausente e uma outra jovem que já tentou suicídio. Todas questões reais e contemporâneas nas vivências e experiências dos jovens  que estão diretamente presentes no espaço escolar porque, afinal , a escola é o primeiro espaço de socialização, convivência e pertencimento do ser humano.


A beleza desse documentário é sua autenticidade em dar voz e um espaço de subjetivação para os jovens.  Eles são protagonistas reais, diretos e participativos.  Indiretamente, o público pode observar que os problemas na Educação estão ali, bem claros em cena , mas outro grande acerto do diretor, um exímio e sensível entrevistador e muito apaixonado por esse tema, é voltar-se para a escuta do jovem. João H. Jardim escuta  as juventudes, uma questão que nem sempre acontece pelo cidadão comum no Brasil. 




Na maioria das vezes, há pessoas, de pais a mestres, de políticos a empresas, que não escutam verdadeiramente essas gerações futuras. Grande parte do tempo, essa é uma lacuna que começa na infância, com pessoas muito individualistas e ocupadas para dar atenção às crianças e jovens. Muitos adultos não têm paciência com os adolescentes e acham que, ou são ociosos (como uma " geração nem estuda e nem trabalha - popularmente dita como "Nem nem") ou que dramatizam demais sem necessidade. A questão que não deve perdida de vista é: Os jovens precisam ser escutados, ser reconhecidos como cidadãos com direitos e participar da vida coletiva.


A verdade é que todos fomos jovens um dia. É uma miscelânea de medos, anseios, paixões e potências, então, as juventudes precisam ser ouvidas e desenvolvidas em suas potencialidades, aprender junto com crianças e adultos, participar do exercício da cidadania, ter oportunidades para construir seus projetos e realizar seus sonhos. Nesse aspecto, o documentário tem muita honestidade ao mostrar que o jovem está em formação e transita entre as inquietações e a potência de transformação.


Através do bom exemplo e de uma incrível capacidade de dar e receber afetos, João H Jardim demonstra a importância de escutar o jovem e contribuir com sua formação. É um filme necessário não apenas para educadores e profissionais da Educação em geral, mas é um filme cheio de humanidade para o Brasileiro. É sobre histórias de vidas que podem ser transformadas com e pela Educação. É um filme belo, afetivo e potente.


Assista ao filme on-line e gratuito no Festival hoje, 25/09/20 às 21 h e em 26/09/20 às 15 h, nesse link.





Fotos do filme, uma cortesia da assessoria de imprensa do festival. Divulgação permitida.

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Forman vs. Forman (2019)




Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020

23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação





Um dos grandes prazeres da Cinefilia é conhecer um pouco mais a história de vida de cineastas que deixaram obras magníficas no legado do Cinema. Assistir a um documentário biográfico de uma personalidade do Cinema e ter o privilégio de acessar seus registros é uma forma de nos aproximarmos da humanidade dele(a), assim, podemos observar seus altos e baixos e, de forma positiva, humanizá-los. Sabemos bem que, apreciadores da linguagem cinematográfica tendem a endeusar seus (suas) diretores (as) preferidos (as) sem se dar conta de que esses ídolos também têm falhas, vulnerabilidades e dramas pessoais.


Depois de passar pelo Festival de Cannes 2019 e receber a indicação para o Olho de Ouro de melhor documentário, Forman vs Forman  (2019) faz parte da programação do É tudo verdade, uma excelente oportunidade de perceber como o  diretor tcheco de grandes clássicos como  "Um estranho no ninho" (One flew over the cuckoo's Nest, 1976) e "Amadeus" (Amadeus, 1985) conseguiu estabelecer sua carreira nos Estados Unidos mesmo com o permanente sentimento de exílio, os fracassos comerciais de alguns filmes e a distância dos primeiros filhos gêmeos.


Realizado pelos documentaristas Helena Trestíková e Jakub Hejna, o longa apresenta preciosas imagens de arquivo do cineasta; desde sua difícil infância como órfão de guerra, passando pelas suas dificuldades financeiras para fazer Cinema de resistência, a separação da família e o retorno à Praga para filmar "Amadeus". Com significativos registros de suas falas, nas quais ele declara os impactos do Nazismo e Comunismo nas esferas pessoal e profissional de sua trajetória, a importância do clássico Tcheco "Os amores de uma loira" (1965) e as portas abertas para dirigir "O Estranho no Ninho" (1976) e "Hair"(1976), podemos considerar um doc. essencial para constatar que nunca foi fácil para ele, como um Europeu oriental e com uma infância marcada por perseguição nazista à sua família, ser um grande cineasta.




Miloš Forman, ao lado de Danny DeVito e Jack Nicholson (Reprodução)


Miloš Forman foi um órfão de guerra. Esse motivo, por si só, já é bastante trágico. Seu pai foi perseguido pela polícia nazista, a Gestapo. A sua mãe morreu no campo de concentração em Auschwitz. O jovem Forman já soube o que era solidão e abandono desde criança. Ainda assim, ele venceu através do seu Cinema. Ele não se tornou o mais milionário dos milionários diretores, e nem era preciso, isso nunca foi sua meta. A simplicidade do diretor estava em usar seu Cinema como liberdade, uma liberdade que foi tirada de seus pais, uma liberdade que foi cerceada no início de sua formação como indivíduo único e livre.


Como aspecto expressivo, esse documentário é sobre a sobrevivência de Miloš Forman no meio cinematográfico. Com um Cinema influenciado pelo Neorrealismo Italiano, e posteriormente, com as oportunidades de dirigir filmes na década de 70, terreno fértil da realização cinematográfica em nome da liberdade, Miloš Forman se apresenta nesse doc. mais como um homem comum, de "carne e osso" do que um cineasta inacessível. Apenas essa razão já transforma o filme em um imperdível prazer. Desta maneira, é notável na exposição dos registros, o quanto o diretor lutou, muitas vezes, em meio à solidão e distante de familiares, para não se render ao autoritarismo de épocas brutais.





Quando um cineasta atua em busca dessa liberdade de criação e de ser uma voz emancipatória, até mesmo o sentimento de miséria existencial e a depressão surgem em cena. Ao ver as imagens de Miloš Forman , sozinho e ocioso, em um quarto, podemos nos dar conta de que mentes geniais realmente passam por várias provações entre altos e baixos, e tudo isso faz parte do processo de busca de criação  e liberdade artísticas e do Cinema de luta política.


Basicamente, esse documentário é sobre Forman sob a perspectiva de Forman.  Isto explica o título "Forman vs Forman". É como um espelho, um direito à palavra e à sua memória, uma permissão para compreendê-lo. Tal escolha dos realizadores têm alguns contras, considerando que espectador não terá acesso aos "demônios" do cineasta. Ao contrário de ótimos documentários biográficos como "Uma carta para Elia" (2010) sobre Elia Kazan e "Bergman: 100 anos" (2018)  que mostram questões mais caóticas sobre os polêmicos cineastas, o doc. em referência não se compromete à uma intimidade profunda.





No desenvolvimento e montagem do documentário, optou-se pelas imagens e relatos cronológicos do diretor de tal forma que apenas o ponto de vista dele é escutado como um bom bate papo, assim, conhecemos parte dele mas não, necessariamente, opiniões mais profundas que poderiam vir a comprometer sua memória. Com isso, não se trata de um filme "livro aberto" e controverso.


Outro aspecto bem evidente é a crítica ao Nazismo e Comunismo de uma forma não tão exaustiva e detalhada; desta forma, é possível perceber que o posicionamento político do diretor está acima de menções a x ou y ideologia, sua visão política não o coloca em uma classificação ou nomenclatura tão aberta e expressa  no doc. Ele  buscou a liberdade em toda a sua carreira e lidar com os fracassos que surgiam no meio de sistemas opressores.


Toda a qualidade do trabalho de pesquisa manteve respeito e dignidade pelo cineasta, desenvolvendo um doc. mais convencional e espontâneo. Aliás, é exatamente essa leveza que faz o filme fluir de maneira agradável e reveladora.


Assista ao filme on-line e gratuito no Festival, previsto para 26/09/20 às 13 h, nesse link.





Fotos do diretor e filme, uma cortesia da assessoria do Festival. Divulgação permitida.

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Saudações cinéfilas,

Cristiane Costa, MaDame Lumière

Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outubro -  www.etudoverdade.com.br  Por  Crist...

A Cordilheira dos Sonhos (La Cordillera de los Sueños | La Cordillère des Songes, 2019)




Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020

23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Por força de um período brutal e obscuro na História do Chile, durante ditadura do governo Pinochet (1973-1990), o documentarista Chileno Patrício Guzmán teve que desistir de um sonho e viver em exílio. O distanciamento geográfico da pátria não o afastou dos afetos pelo país. Guzmán ama sua pátria e evoca a memória do Chile, apesar de ter uma madura consciência política, histórica e social que, da forma que a nação está, este não é o Chile que ele sonhou para si, seus compatriotas e o mundo.




Em "A Cordilheira dos sonhos" (La Cordillera de los Sueños | La Cordillère des Songes, 2019), uma co-produção Chile e França, ele avança na trilogia composta por outros dois filmes excepcionais "Nostalgia da luz" e "O Botão de Pérola", desta vez, o cineasta relaciona a natureza da Cordilheira dos Andes, a memória e o Chile contemporâneo.


As imagens iniciais enfocadas na sublime beleza da Cordilheira, e intercaladas com depoimentos de especialistas em Artes e Arqueologia, entre eles, os escultores Francisco Gazitúa e Vicente Gajardo, apresentam a grandiosidade dessa geografia e as expressões poéticas e realistas que ela desperta. Uma Cordilheira que, ao  mesmo tempo, isola e acolhe o país, mas também continua testemunhando a violência e os reflexos do passado Chileno e o atual contexto que atende aos interesses neoliberais e de um grupo limitado de ricos privilegiados.



"O filme lida com o duelo entre homens, cosmos e natureza. Mas esta gigante montanha, que é o coração do projeto, tem se tornado para mim a metáfora do imutável, do que nós deixamos, o que permanece entre nós, quando nós pensamentos que tudo foi perdido. Mergulhar na Cordilheira  me faz mergulhar nas minhas memórias (...), eu começo uma viagem introspectiva que pode revelar parcialmente  os segredos da minha alma Chilena." (Patrício Guzmán, pressbook, reprodução
)


O espectador é apresentado à memória afetiva que a Cordilheira dos sonhos representa para os Chilenos; o pertencimento à essa paisagem materna e que, encontra-se abandonada e apropriada por milionários com áreas privadas. Essa memória é evocativa da relação natureza e sociedade, assim como bastante dolorosa em virtude do autoritarismo estabelecido na nação e praticado ao longo dos anos.


É impossível não se emocionar com certa "quebra" visual na narrativa: o belo e o feio. A Cordilheira mãe e o opressor.  A liberdade e a ditadura. Diferente de "O botão de pérola" que apresentava uma narrativa visual mais poética embalada pelo elemento água e registros históricos menos brutais, em "A Cordilheira dos Sonhos", logo mais, a não ficção cede espaço para imagens da repressão dos ditadores. Por mais  que Patrício Guzmán, com sua voz calma e sincera, traga intimismo e cumplicidade à narrativa, não é fácil passar da beleza da Cordilheira para os registros de violência militar e miséria social.


Em comparação ao documentário antecessor, o doc. perde bastante na expressão poética imagética e desenvolve mais sua faceta de filme-denúncia sobre os horrores da ditadura de Pinochet. Isso se dá em função como Patrício Guzmán roteirizou e orquestrou sua narrativa com o material documental de Pablo Salas


Pode-se dizer que o doc. é mais cruel nas imagens realistas estabelecendo-se como  uma construção cinematográfica híbrida entre o passado e  o presente, a história violenta e a imagem "sofisticada" de prédios comerciais e prosperidade para poucos,  o silenciamento de vozes na ditadura e o sentimento de abandono e desesperança, a feiúra do ato humano brutal e a magnífica beleza da Cordilheira. São essas nuances narrativas antitéticas que possibilitam refletir sobre como Patrício Guzmán ama o Chile, preocupa-se com sua terra e não perdeu a fé, mas também revive o exílio ao ver que, mesmo quando retorna ao país, a opressão continua.



Parafraseando Pablo Salas, cineasta Chileno: "aqui é meu país, não posso abandoná-lo".


A montagem do documentário mescla narração de voz do próprio diretor, estabelecendo essa intimidade dele com o país e a observação dessa história, além de imagens muito exclusivas da violência e totalitarismo durante o governo Pinochet. A contribuição dos registros do cineasta Pablo Salas, e do depoimento do escritor Jorge Baradit são essenciais e agregam bastante informação e reflexão crítica ao longa em virtude dos desdobramentos da ditadura para o país. As vozes deles podem ser as vozes de outros Chilenos, então, a relevante dimensão de ouvir todos esses relatos com atenção.


Salas é o cineasta documentarista que tem muitos registros da violência ditatorial e os guarda como um museu de resistência e luta. Sua participação tem algo de fundamental e de trágico, pois ele não deseja sair do Chile e transmite  o sentimento do artista que foi abandonado pelo próprio governo. Salas é o reflexo do abandono da cultura do país, algo semelhante ao que está acontecendo no Brasil. Já Baradit é um estudioso da história e da ficção e estabelece uma leitura crítica de como os Chilenos se sentem. Ainda que a opinião dele não seja a de todos, ele representa muitos dos sentimentos e opiniões da esquerda.




De certa forma, não é fácil acompanhar o longa depois de algum avanço da projeção considerando que, sob a perspectiva de uma análise racional da História dos países latino americanos que vivenciaram ditaduras, infelizmente, a sociedade não evoluiu como deveria. Há um retrocesso atual nas lideranças políticas, colocando a democracia da América Latina em risco.


Assim,  a História de opressão, autoritarismo  e interesse econômicos de um grupo específico de poderosos permanece, e muitos sonhos de cidadãos são frustrados como se a Cordilheira dos sonhos tivesse sido abandonada junto com eles, inclusive, aquela sensação de exílio mesmo morando no próprio país. Entretanto, para o bem, Patrício Guzmán recupera a memória do Chile e as forças através da Cordilheira. Ela é realmente a metáfora de que nem tudo está perdido. É preciso abraçar a esperança.





Fotos e citação do diretor, uma cortesia da assessoria do Festival para imprensa. Divulgação permitida.

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