"Só o que tenho para você é uma palavra: Tenet. Vai abrir as portas certas; e algumas das erradas também. Use com cuidado"
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Christopher Nolan é cineasta consagrado de grandes ficções como Memento, A Origem, Interstellar, Batman - O cavaleiro das trevas, Dunkirk que não se cansa de tirar suas ideias da gaveta e surpreender. Alguns dirão que ele é egocêntrico, outros que ele "viaja" no sci-fi, na ação e no tempo, mais alguns que ele é obcecado por grandiosas ideias de complexa execução, outros mais dirão que não conseguem entender seus filmes. Apesar de todas as distintas opiniões, de fato, ele é um cineasta genial que, a cada trabalho, deseja trazer uma nova perspectiva sobre a relação tempo, espaço e gênero cinematográfico.
Tenet, lançado oficialmente no Brasil em 29 de Outubro, uma imperdível produção de Christophan Nolan, Emma Thomas (sua esposa) e o produtor executivo Thomas Hayslip
Em Tenet (2020), lançamento que combina ficção científica com thriller de ação internacional, o diretor avança em paixões que lhe são preciosas como o tempo, a ética acerca das motivações e escolhas dos personagens e o clássico filme de espionagem, desse modo, o roteiro tem como força motriz colocá-los em situações no qual, a depender do contexto e das decisões pessoais e em equipe, o tempo atua de forma ativa e dinâmica como janelas temporais que trazem desdobramentos, positivos ou negativos, para a humanidade.
Com essa física do tempo aplicada aos conflitos humanos e um suspense de ação com locações em 7 países, Christophan Nolan reúne um atrativo elenco, com uma visão de artista e de homem de negócios, assim, conciliando o Cinema Blockbuster e o Cinema de gênero em uma mesma produção. Com essa estratégia, ele alcança o equilíbrio de produzir um filme com sua competência investigativa sobre a temporalidade no Cinema, agregando o componente de atrair o público em massa. Lembrando que o Cinema, na sua natureza mais essencial, é esculpir o tempo e o espaço na narrativa.
No elenco, o protagonista é John David Washington, excelente ator negro que, aqui, tem a oportunidade de atuar como figura central da trama. É ele que orquestra ações e toma decisões relevantes. Analisa o jogo no thriller e a relação do tempo x ação, realiza as pontes comunicacionais com outros personagens importantes como o parceiro Neil (Robert Pattinson), a esposa do vilão, Kat (Elizabeth Debicki), e o antagonista, Sathor (Kenneth Branagh).
Nesse ponto, o cineasta escala um elenco com profissionais com os quais ele já trabalha como Michael Caine e Kenneth Branagh, e inclui outros já estabilizados ou emergentes que, certamente, podem ser apreciados pelo público como Pattinson e Washington. Lembrando que ter um ator negro em uma Hollywood tão racista, e um ator que começou com Crepúsculo e conseguiu crescer no cinema fora do mainstream são pontos favoráveis, visionários e inclusivos do diretor e equipe. Essas duas escolhas no elenco são uma das melhores coisas que podia ter acontecido ao filme.
"Ele é um contador de histórias dinâmico e cinematográfico na forma como ele combina todos esses conceitos elevados e constrói esses mundos únicos. Você é cativado pelo que vê, seja a ação, os elementos de thriller cerebral, a trilha sonora... Mas no centro estão as conexões humanas e a maneira como ele é capaz de explorar a condição humana, nossa necessidade de companheirismo e as diferentes emoções pelas quais passamos. São sempre os personagens que mais me cativam”, diz Washington.
No argumento, o cineasta traz todas as características de um filme de espionagem. Há o protagonista, a equipe, a mulher , o vilão, e a força militar ou de ação. Bombas e armas. Ética da guerra e do conflito. A humanidade pode ser exterminada. E qual é a diferença? A execução a la Nolan. E é esse aspecto que o cineasta, mais uma vez, foge do lugar comum, colocando a serviço do público, suas convicções, ideias, paixões pelo tempo e pela sua própria Cinefilia, que aprecia filmes 007 e ficção científica e nunca negou isso. Ele assume o risco novamente, inclusive o de ser criticado por criar uma narrativa fora da bolha, dessa vez, seguindo a lógica da inversão, recorrendo a alguns estudos da lei de entropia.
"Todas as leis da física são simétricas — elas podem ir para frente ou para trás no tempo e serem as mesmas, exceto para a entropia”, explica Nolan. “A teoria é que se você pudesse inverter o fluxo de entropia para um objeto, você poderia reverter o fluxo de tempo para esse objeto, de modo que a história do filme é fundamentada nos conceitos da física."
E se a manipulação da narrativa com suas pessoas, ações e objetos é importante para compor os planos e todas as sequências baseados na lei da entropia, é exatamente o que o cineasta faz. Ele utiliza o gênero ação e thriller de espiões para utilizar a entropia materializada na inversão de fluxo de tempo no desenvolvimento da narrativa. Dessa maneira, armas de fogo, balas, lutas, entre outros, são influenciadas pelo tempo e pelas tomadas de decisão humanas.
Como se diz em inglês, realmente há uma sensação de "blow mind" na experiência com o longa, afinal, é difícil compreender essa lógica, porém, quando analisadas as relações entre tempo e interações entre sujeitos e o ambiente, ou seja, o que sentem, pensam, hesitam, fazem, fica mais fácil relacionar que, a todo o momento, não controlamos o tempo como queremos, que ele é muito mais poderoso do que imaginamos.
Pertencente a uma ultra secreta organização, Tenet, o espião Protagonista também tem essa arma Tenet. Uma metáfora, um conceito bélico, apenas uma palavra dona do seu tempo? Pode ser o que o espectador quiser. O sentido é múltiplo, as experiências, também. Como toda arma, há consequências. Desse modo, Tenet traz o estranhamento (e a instigante reflexão) de que, dependendo do que se faça no tempo-espaço, em algum outro ponto dessas variáveis, intervenções geram perdas ou ganhos. São escolhas que, a todo o momento, o sujeito precisa pensar a respeito, então porque não criar um fluxo reverso do tempo para ver no que vai dar? Como aponta o ator Washington, "O filme desafia nossas formas tradicionais de interpretar o tempo, o que percebemos como sendo real, os comportamentos que aprendemos. Há muito mais acontecendo".
No decorrer da narrativa, o Protagonista tem que evitar a destruição do mundo. Entretanto, esse é apenas um pano de fundo para Nolan expor a dinâmica dos conflitos e relações temporais e subjetivas dos personagens. O triângulo Kat - Protagonista e Sathor, embora seja dramaturgicamente o núcleo mais frágil e previsível e poderia ter sido melhor trabalhado, traz o elemento das paixões e desafetos humanos e bebe da fonte da tradição dos filmes de espionagem. Kat é a mulher presa em um relacionamento abusivo e que sofre chantagens e ameaças do marido; Protagonista traz a figura do heroísmo e do sacrifício; Sathor é o antagonista bastante egoico e perverso para o qual só existe a destruição e da guerra.
"A natureza em camadas da história é um quebra-cabeça preso dentro de um enigma que, do meu ponto de vista, é claro, começa com Sator. Ele é implacável, egocêntrico e tem também essa característica mais perigosa em um personagem como este: ele tem muita energia e é capaz de fazer o que for necessário, ou seja, é alguém que todos precisamos temer. Esse tipo de amoralidade é verdadeiramente aterrorizante em uma pessoa inteligente, capaz de tamanha imprudência, e é sua ousadia temerária que coloca todos os outros personagens e nosso mundo em risco”, diz Branagh."
Se Christopher Nolan optasse por um filme de espionagem comum, ele não seria Nolan. Era necessário, até como provocação do artista e do pesquisador por trás do diretor, uma motivação a mais: desafiar o tempo cronológico, subvertendo essa entediante linearidade. Se o tempo é um elemento cuja percepção muda de sujeito para sujeito, então ele é também subjetivo, baseado em caminhos e insights a seguir. Nesse sentido, Tenet se insere em um ambiente de guerra, cujas decisões são permeadas pelas subjetividades e também por um senso de coletivo. É nesse coletivo que opera O Protagonista, Neil e Kat. Na atuação, Washington e Pattinson realizam um excelente trabalho em equipe.
"Eu imediatamente me interessei pela relação de Neil com o personagem de John David”. Ele é um amigo ou inimigo? Como você decide quando confiar em alguém e quando ser cético? Como sabe se seus instintos são confiáveis? São assuntos complicados no mundo como o conhecemos, mas gostei de ver o quão exponencialmente mais complicadas essas questões podem se tornar quando as regras da realidade conhecida são alteradas e invertidas. Como o lado humano das coisas é transformado ou fortalecido quando o que se sabe de certos personagens é apagado? Neil opera com uma combinação de especialização, experiência e instinto." relata Pattinson.
Christopher Nolan, reconhecido por usar muito bem o desenho e edição de som e optar por trilhas sonoras que se fundem ao êxtase imagético, consegue mostrar aqui que, realmente na sua complexidade discursiva, o filme depende integralmente de uma competência técnica que ele já tem com ótimos profissionais, em especial, no roteiro, direção, fotografia (Hoyte Van Hoytema), montagem (Jennifer Lame) e trilha sonora (Ludwig Göransson). As cenas de ações, que exigiram um excepcional esforço de atores, dublês e movimentação de carros e objetos, são de tirar o fôlego, com uma qualidade acima da média que garante uma imersão na obra em IMAX e 70 mm.
“Trabalho com o formato IMAX há anos, que tem esse poder extraordinário em termos de quão profundamente é capaz de levar o público a entrar na história. Com uma história tão espetacular e divertida como esta tenta ser, nós realmente sentimos que queríamos envolver o público e levá-los para uma viagem”, declara Nolan.
Como a maioria dos filmes do Nolan, Tenet tem camadas subjetivas muito próprias do diretor, vazada na técnica. Ele não precisa ser muito emocional para mostrar a importância do propósito que move o personagem Protagonista, e também, o excelente papel de Neil. Nas cenas mais finais, em um campo de batalha, é perceptível notar que o coletivo depende de como nossas subjetividades e escolhas definem o rumo das ações na dinâmica do tempo. O dia que a humanidade perder a consciência coletiva e o altruísmo, ela estará fracassada por inteiro.
Por fim, há tanto o que dizer sobre Tenet, pois é um filme que permite leituras e releituras a cada sessão, mas cabe aqui dizer que é o tipo de produção que só se faz no Cinema, levando em conta que a ideia de inversão é imageticamente poderosa e intrigante e depende de um articulado trabalho de direção, fotografia e edição. A delícia é desvendar cada detalhe e tirar suas próprias impressões, sem se importar com o que os outros acham. A capacidade de ser surpreendido com reações genuínas, indo de um lado ao outro, da razão à emoção, é a maravilhosa potência ficcional de explorar o Cinema de Nolan.
"Com Tenet, o que espero é dar ao público uma razão para renovar e reviver o cinema de ação, e o gênero de filmes de espionagem em particular. Eu quero proporcionar-lhes uma maneira diferente de olhar para o gênero, para que eles sintam um pouco do encantamento que eu sentia, quando criança, ao assistir filmes de espião. Estamos tentando dar ao público uma nova experiência para (re)injetar essa sensação do desconhecido em sequências de filmes de ação. Nós realmente queremos oferecer ao público uma viagem e uma aventura diferente de tudo o que eles já viram ou sentiram", confessa Nolan.
Tenet não é o filme mais espetacular de Nolan, vale dizer, mas, ainda assim, é muito bom, inovador e contemporâneo, trazendo um vigor constantemente preciso em sua filmografia, unindo as pontas do universo pessoal e coletivo em um instigante híbrido de suspense, ação e ficção científica. É um daqueles filmes que, por trás de um diferenciado trabalho de técnica cinematográfica, há muito mais humanidade do que muita gente imagina.
Fotos, uma cortesia Reprodução do filme e citações dos diretor e atores, uma cortesia Tenet press book para veículos de cinema credenciados Warner Bros Pictures.
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