A partir dessa interrogação, o protagonista e a narrativa são bem desenvolvidos para demonstrar que o palhaço está em crise, que há mais tristeza cômica que alegria exacerbada, muito mais perguntas do que respostas, que depois dos gracejos e trejeitos no palco, Pangaré nem mesmo tem certeza se aquele é o seu lugar. O silêncio, a introspecção e a voz entoada para “dentro” na excelente atuação de Selton Mello caracterizam este palhaço que perde o viço e a vontade de entreter o público, fato que é fundamental para tornar o personagem uma incógnita dele mesmo, que sensibiliza e cria um processo de identificação com a platéia, afinal, pelo menos uma vez na vida, alguém teve vontade de viajar mundo afora e encontrar a si mesmo, ou riu com vontade de chorar, na mais verdadeira e humana das emoções. Com essa temática, o filme tem um clima e ritmo mais lentos, uma atmosfera de fábula com uma dose de realidade, que estabelecem uma comunicação com o público de que a jornada é mais dramática do que cômica, mais introspectiva do que extrovertida.
De maneira geral, o filme é muito bom porque o palhaço vem para contestar a ordem de sua própria existência e nos levar à reflexão, logo não é mais um filme de simples entretenimento, mas uma jornada de autodescoberta facilmente aplicada a cada um de nós. Em sua harmonia de roteiro, fotografia, direção e atuação, a força do filme está em se comunicar com o público, que é o desejo de Selton Mello. Ele queria um filme para emocionar e está conseguindo os resultados de suas expectativas, tanto que a recepção do mesmo no Festival de Paulínia foi muito positiva, ganhando os prêmios de melhor ator coadjuvante, direção, roteiro e figurino. Certamente as emoções afloram quando o Cinema é espelho de nossas próprias problemáticas. O Palhaço acerta ao criar uma beleza refinada e ao mesmo tempo capaz de se comunicar com a massa através de um assunto tão mágico como o circo e tão universal como a melancolia que abate o ser humano em variados ciclos de sua vida. Guiado por seu instinto e psicologicamente dividido por duas forças que o impulsionaram para baixo e para cima, o palhaço é uma figura de contestação e de reflexão, aqui não é diferente, como já dizia Fellini. Pangaré tem carisma assim como tinha a Gelsomina (a atriz-palhaço Giulietta Masina) em Estrada da Vida. Ambos têm a singularidade de encantar pessoas com simplicidade, com um estilo caricato tão único em um palhaço, capaz de mimetizar a alegria, a tristeza, o cômico, o trágico que é intrínseco ao ser humano e expressar aquele sentimento em suspenso, com dúvidas e questionamentos, com uma inadaptabilidade a algumas circunstâncias. O Clowning, a Arte de performar, viver e ser um palhaço, tem como excelência o riso como reflexão de outras dores da existência. O Clowning de O Palhaço provê uma reflexão ativa, uma mensagem tocante e de potencial transformação.
O Palhaço é um drama cômico genuinamente sincero e leve, uma homenagem ao circo e a seus artistas; nisso reside o seu real valor: o de ser um filme de coração e alma que tem o tom autoral de Selton Mello, o bom humor Brasileiro, o reconhecimento da Arte Circense do país de tantos palhaços como Benjamin de Oliveira e Valdemar Seyssel “o Arrelia” e ser comercialmente atrativo para o Cinema Nacional. Ele é recomendado por não ter exageros sentimentalistas e, ainda assim, ser cativante, emocionante. Com ele, Selton Mello transformou 90 minutos de projeção em um filme mímesis do palhaço que traz riso e esperança e, como dizia o cineasta Italiano Fellini, também faz bem à saúde.
Filme: O Palhaço País/ Ano: Brasil (2011)
Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello e Marcelo Vindicatto / Produção: Vânia Catani
Elenco: Selton Mello, Paulo José, Larissa Manoel, Gisele Motta, Teuda Bara, Álamo Facó, Cadu Fávero, Erom Cordeiro, Moacyr Franco, Tonico Pereira, Ferrugem, Jorge Loredo, etc.
3 comentários:
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