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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Mente Perversa , tradução livre adotad...

Mente Perversa (Kopfplatzen / Head Burst, 2019)




Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Mente Perversa, tradução livre adotada no recente longa-metragem com o ator Max Riemelt como protagonista, é melhor compreendido através de seu título original "Kopfplatzen", que significa "explosão da cabeça" em alemão. Ao observar como a pedofilia, controverso tema do filme, é desenvolvido pelo roteirista e diretor Savas Ceviz, o espectador tem diante de si um material pesado e realista que provoca um mal estar incontrolável: o pedófilo está com a mente no limite da explosão, ou seja, a qualquer momento ele pode cometer o crime de abuso sexual de crianças. 


Este mal estar é contínuo ao longo da narrativa, colocando o público a acompanhar a repulsa, o desejo, a culpa e o sofrimento do protagonista. Como consequência, o espectador presencia outra dimensão do "Kopfplatzen", o do medo e da tensão de ter que testemunhar o pedófilo em ação.





É um filme difícil de assistir e que exige um distanciamento do espectador com relação ao protagonista que, em outro contexto cinematográfico, teria de tudo para seduzir a plateia.  O diretor escolheu muito bem Max Riemelt, um ator experiente em obras e/ou papéis provocativos (Sense8, Queda livre, A Síndrome de Berlim, A Onda). Ele tem uma beleza física generosa, jovem, corpo atlético, sedutor. Sua aparência mistura dois elementos interessantes: uma combinação de jovem garoto de família Alemã com um homem misterioso, bonito e esteticamente impecável no estilo, principalmente neste papel no qual ele desempenha um arquiteto bem sucedido, que mora em um apartamento moderno e gosta de frequentar a academia. 



Este desenvolvimento do personagem é totalmente proposital no roteiro de Savas Ceviz. Embora a narrativa toma um caminho diferente ao colocar um ator tão boa pinta como pedófilo, na verdade, isso faz todo o sentido e implica dizer muito mais ao público: a de que a pedofilia está no cotidiano e em diferentes classes sociais, tipos de famílias e pessoas; ela não escolhe raça, religião, status etc



A escolha por este tipo de personagem oferece uma outra leitura ao público, pois vivemos em uma sociedade de aparências que, por tradição, cultura e comportamento padrão, carrega uma carga forte de preconceitos de variadas naturezas. Neste sentido, no imaginário coletivo, é bem provável que aquele homem loiro, bonito, endinheirado e bem sucedido como Max Riemelt não seja um pedófilo, mas ele pode enganar a muitos e ser um,  assim como qualquer pessoa que pareça "do bem" ou "improvável". Assim, é preciso que o espectador esteja ciente de que os frequentes casos de crime sexual, homicídio e violência doméstica contra crianças são cometidos por familiares e/ou pessoas próximas da família; são cometidos por pessoas que não pareciam ser um risco às crianças, inclusive que deveriam protegê-las.





O drama da pedofilia é apresentado logo de início e provoca bastante desconforto. Markus (Max Riemelt) aparece se masturbando com imagens de crianças, com isso, olhá-lo causa repugnância mas também um forte choque de realidade com o ambiente organizado plano a plano : como este homem gosta de crianças de forma a desejá-las? Como um homem que poderia ter um(a) namorado (a) adulta (o), desejá-lo (a) e amá-lo (a) está sozinho em casa, olhando imagens de menores, sentindo prazer e culpa? Como este homem adotou uma rotina e rituais próprios de forma a ter o seu "momento sexual" com imagens de crianças?  Resta ao espectador sentir nojo deste personagem, rejeitá-lo muito instantaneamente a cada vez que ele se aproxima de alguma criança ou adota hábitos caseiros estranhos com relação a este desejo.



À medida que o roteiro tem seus desdobramentos, percebe-se que o diretor não tem muito o que alterar nos fatos, apenas mostrar toda a complexidade de um transtorno incurável. Continuamente ele mostra o dia a dia de Markus e a tensão de que o crime poderá acontecer de uma hora para outra. O espectador não tem como saber, apenas acompanha. É praticamente uma tortura psicológica filmada com uma estética impecável sob o ponto de vista da organização do ambiente e do cotidiano deste personagem. Markus tem uma rotina: gosta de manter a boa forma, tem um isolamento corriqueiro em seu apartamento limpo e de decoração minimalista,  recusa convites para sair e evita relacionamento com mulheres.



Mais adiante, a narrativa ganha um corpo mais incomodo  e intensifica o drama, aproximando o pedófilo do dia a dia de uma criança em específico, como uma potencial vítima. É uma escolha crível sob a perspectiva de roteiro,  considerando que os pedófilos não conseguem se controlar e, em algum momento, vão manter uma relação próxima a uma criança, normalmente alguém que ele tem convívio social ou lhe agrada à distância. Para expressar os riscos de um abuso de menor, o roteiro evolui ao compor um núcleo familiar que interage com Markus. Ele conhece a vizinha, interpretada por Isabell Gerschke, mãe solteira que vive com o filho Arthur (Oskar Netzel).  Markus desenvolve afetos pelo menino, além de namorar a mãe do garoto. Eles admiram Markus como uma figura paterna que lhes dá segurança, entretanto, ele representa um risco que ninguém conseguiria mitigar.


Esta aproximação de Markus deixa a família em potencial vulnerabilidade, mas só o espectador e Markus sabem, com isso, a narrativa confronta as dimensões de confiança e afeto x risco de abuso. Várias cenas são perturbadoras através de sutilezas, como por exemplo:  a namorada estranha a dificuldade de Markus  em continuar a transa com ela e  atingir o gozo;  Arthur fica sozinho com ele, misturando momentos de afeto e boa convivência com a figura paterna e que entram em choque com a imaginação e os desejos do pedófilo.


Apesar de ser um excelente filme, Mente Perversa mostra o quanto a pedofilia é doentia, logo, exige muita paciência e estômago do espectador para assisti-lo até o desfecho. O diretor realiza um trabalho bem profissional considerando que é muito difícil filmar um pedófilo em iminente ataque, gerando uma insegurança generalizada para a criança e a mãe em cena, fazendo o público  acompanhar a turbulência de sua repugnante doença. Por outro lado, o diretor não propõe nada novo, simplesmente expõe o drama como algo incurável, e o público não tem muito o que fazer porque é impossível gostar de um pedófilo. Por mais que Markus tenha consciência do desejo e busca ajuda psicológica, é complicado ter alguma empatia por ele.






O maior mérito do longa  é Max Riemelt  e sua experiência em papéis polêmicos. Ele dá conta do isolamento e culpa do personagem. Ele faz tudo isso de uma forma bem "transparente", o que provoca estranhamento com o lado "sujo" do pedófilo já que, ao interagir no dia a dia com a namorada e Arthur, ele mostra o lado paterno e afetuoso.  É igualmente um papel difícil que ele consegue equilibrar o caos da pedofilia e o equilíbrio que a narrativa também conserva nos outros elementos  cênicos, dramatúrgicos.  Toda essa combinação é estranha e incomoda, porém efetiva como história.


Evidências de comportamento pedófilo são variadas ao longo da decupagem em uma direção que o cineasta utilizou bem os recursos fotográficos, estéticos, colocando Markus como frequentador de piscinas e um fotógrafo que também tira as fotos das crianças, enfocando a pele dos menores e todo o frescor da infância. Ele tem tanto desejo pelas crianças que sua fotografia chega a um nível estético de obsessão e adoração, assim, fica mais indigesto ver seu transtorno. No geral, a intenção do protagonista, continuamente voyeurista, transforma o filme em uma tortura para ele e para o público. Como toda certeza, uma "Kopfplatzen" difícil de esquecer após a sessão e que deve ser assistida quando o espectador estiver no clima para ver filmes pesados.







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