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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Exibido na 43ª Mostra de Cinema de São...

Cicatrizes (Stitches/ Šavovi, 2019)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Exibido na 43ª Mostra de Cinema de São Paulo e indicado a significativos awards como o prêmio da audiência do Festival de Berlim e o Golden Eye do Festival de Zurique, Cicatrizes (Stitches, 2019) é um daqueles filmes contemporâneos imperdíveis que incomodam pela temática e pelo realismo das atuações e direção. Realizado pelo jovem cineasta sérvio, Miroslav Terzic, com roteiro de Elma Tataragic, o longa tem como destaque a primorosa atuação de Snezana Bogdanovic como uma mãe em busca do filho roubado em uma maternidade há 18 anos atrás.

Para quem aprecia direções que são indicadas ao Câmera de Ouro do Festival de Cannes, certamente irá apreciar esse filme. Ele tem um frescor e naturalidade que se aproximam a novos olhares de direção, problemas sociais e complexidades humanas. A construção da narrativa se dá aos poucos, servindo-se do próprio material humano ao longo da minutagem. A direção de Miroslav Terzic se ocupa em deixar o drama fluir com a realidade angustiante, mas também não se afasta da intencionalidade do roteiro e das atuações realistas, de pessoas reais do cotidiano e de bons atores que dão corpo e densidade ao drama.






Ambientado em Belgrado, capital da Sérvia, o diretor é inspirado por fatos que são comuns em um país que ainda se confronta com os paradigmas da destruição e reconstrução da nação. Em parte do roteiro, é perceptível a destruição moral de quem naturaliza ter feito (e fazer) o mal aos outros, por exemplo, a médica e o policial corruptos, moralmente degradantes. Muitos diretores nascidos em países europeus destruídos por conflitos buscam o Cinema como cenário para tratar questões sociais, políticas, econômicas etc, é como retornar à esta reflexão crítica e apontar como a história de um país afeta diretamente os sujeitos e o coletivo.


Ao assistir ao longa, deve ser considerado o contexto de 18 anos atrás. O que estava acontecendo em Belgrado naquela época? O país já tinha uma história de corrupção política que diretamente afetou as instituições do Estado. Como consequência, em um contexto de caos, destruição e feridas, há pessoas que optam por ser corruptas e ganhar dinheiro por vias ilegais, e logo, podem vir a vender os filhos dos outros. Cicatrizes é um filme de denúncia que como outros foi bem realizado para não nos fazer esquecer da História e seus impactos nas vidas humanas.





O drama de uma mãe, por si só, já é autodestrutivo, porém, nessa história, a espera e a esperança se misturam em emoções visualmente complexas no Cinema e que permanecem em silêncio e/ou são duramente silenciadas. A todo momento, esta mãe é silenciada porque quase ninguém acredita nela. Sua persistência e obsessão em localizar o filho  são interpretados como loucura, transtorno psiquiátrico, logo ela não é ouvida como merece. Com esses aspectos inerentes ao roteiro, a contemporaneidade do longa está em dialogar com as duras relações do cotidiano que massacram as famílias com filhos roubados, desaparecidos. A máquina burocrática do Estado não é muito diferente do que acontece no Brasil, no qual muitas mães são abandonadas e não conseguem ter a escuta e os mecanismos legais para encontrar seus filhos desaparecidos.






A forma como o roteiro mostra o desaparecimento, a partir do ponto de vista da mãe, também intensifica o drama, a tensão e o suspense. Miroslav Terzic  é influenciado pelo thrillers investigativos do Leste Europeu, ainda consegue manter a faceta autoral de sua direção, e  o protagonismo de Snezana Bogdanovic.  



Ele realiza um recorte apenas 18 anos depois do roubo do bebê, logo, o público é colocado no meio de um contexto no qual não se sabe ao certo o que aconteceu, tornando mais complexo a escolha por acreditar ou não na sanidade da mãe. Por diversas vezes, até mesmo o próprio espectador poderá duvidar dessa mãe, não necessariamente por crueldade e frieza, mas porque a história é tão sofrida, não utiliza flashbacks como recurso narrativo e ela tem um histórico de internação psiquiátrica. O roteiro também facilita alguns desdobramentos que mais parecem milagres e que não serão ditos aqui para evitar spoilers. No geral, por mais que haja um processo de empatia pelo espectador, fica desafiador se colocar no lugar de sofrimento dela. São como cicatrizes que apenas ela pode compreender. São cicatrizes de quase duas décadas.






Snezana Bogdanovic como uma mãe em busca do filho roubado é uma atriz de primeira grandeza. Ela não faz nada de excepcional, e mesmo assim, ela permanece como uma personagem bastante humilde e realista, centrada na investigação pessoal,  dramaticamente desolada, mas também capaz de abrir um leve sorriso pela possibilidade de encontrar o filho, de ter coragem em um contexto que coloca ela e sua família em risco. Verdadeiramente,  ela é a única esperança do filme, fato que transforma a atuação de Bogdanovic em um trabalho para poucas atrizes. Apenas uma mãe teria a força e a obstinação dela.










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