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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Uma Batalha Após a Outra: A América Sanguinária e a Fatura do Ativismo
Paul Thomas Anderson, carinhosamente conhecido como PTA, é um dos cineastas mais contemporâneos e hábeis em realizar sua crítica social com um profundo senso de humor corrosivo. Ele nunca escondeu a premissa de que a América foi construída pela violência e de forma sanguinária, tema central em seus clássicos, como Sangue Negro. Em Uma Batalha Após a Outra, inspirado no romance Vineland de Thomas Pynchon, o título soa moderno e assustadoramente realista, estabelecendo uma sátira política com uma cinematografia épica e uma narrativa inquieta que desafia o espectador a cada cena.
É nesse cenário que PTA constrói seus personagens centrais, figuras que encarnam o fracasso e a caricatura da América contemporânea. O embate principal se dá entre Bob Ferguson, o ex-revolucionário interpretado hilariamente por Leonardo DiCaprio, e um militar obsessivo e patético, vivido de forma grotesca e excepcional por Sean Penn. Logo no início, o ativismo é apresentado como bombástico e dinâmico, liderado por Perfidia, interpretada com força e magnetismo por Teyana Taylor. Ela é uma verdadeira pantera negra revolucionária e companheira de Bob, o que já confere um tom de combate direto contra qualquer opressão: seja militar, bancária ou racista. No entanto, o filme rapidamente revela que esse passado é diluído, com Bob tomando outro rumo, afastando-se e se escondendo de seus antigos ideais.
A crítica se intensifica a partir da fatura do abandono. Bob Ferguson, agora entregue às drogas e ao álcool, é forçado a sair de sua zona de conforto para resgatar a filha. A jovem, interpretada por Chase Infiniti, é uma revelação absoluta. Sua performance é intensa, vulnerável e cheia de nuances, trazendo frescor e urgência à narrativa. Paralelamente, Sean Penn entrega uma atuação grotesca e memorável como o militar perseguidor. PTA constrói esse vilão com uma fragilidade tão absurda que ele se torna digno de pena. Não é um antagonista odiável, mas sim uma caricatura que provoca riso e desprezo. O público observa e é compelido a dizer: "Que ridículo!". Com isso, o diretor desmonta a ideia do carisma autoritário, revelando-o como uma farsa. Essa discórdia social nunca é tratada de forma didática. PTA prefere rir da decadência, expondo o lado patético e igualmente digno de piedade dos personagens de DiCaprio e Penn. A crítica se dá no riso, na caricatura e na tensão embalada por humor. É nesse jogo de contrastes que o filme encontra sua força.
A perseguição é tensa, mas embalada por muito humor. Afinal, há realidades opressivas, principalmente de natureza política e ligadas ao poder, que são tão ridículas que escancaram a mediocridade de quem está no comando. Um dos pontos altos dessa exposição é a aparição do clube dos aventureiros natalinos, que evidencia a fragilidade de homens brancos e poderosos que são racistas e xenófobos, tornando-se patéticos na forma como julgam, tramam e se protegem. PTA escancara o ridículo com gargalhadas, e por isso sua crítica se torna mais excepcional e afiada.
Essa crítica visual e narrativa encontra respaldo também na estética sonora e fotográfica do filme. PTA costuma ter um ótimo bom gosto musical na construção da América por meio da música. Neste épico, a cinematografia de Michael Bauman e a trilha sonora de Jonny Greenwood são a dupla perfeita que apoia a narrativa. Elas injetam dinamismo na perseguição e no suspense, criando uma sensação de revelação dessa América que é, simultaneamente, violenta, lírica e cool. Os tons quentes e amarelados da fotografia não apenas estabelecem uma estética vintage, mas também criam uma sujeira cromática que evoca a febre da paranoia e a decadência moral por trás do ativismo e da perseguição. Essa sujeira cromática não apenas define o tom visual, mas também espelha a decadência moral de Bob, cuja aparência e figurino denunciam o abandono de seus ideais.
Em termos dramáticos, Leonardo DiCaprio e Teyana Taylor fazem um trabalho excepcional que, ao mesmo tempo, desperta uma química intensa e os leva ao fundo do poço. É nessa ambivalência que o filme se torna tão eficaz. No início, eram pessoas apaixonadas pela causa, mas que, ao longo do tempo, fizeram escolhas divergentes. Bob Ferguson seguiu uma vida de forma passiva, nem ao menos capaz de lembrar dos estudos da rebelião, e de fato carrega o peso geracional de quem esqueceu do idealismo. O personagem de Benicio del Toro se mostra mais útil como um facilitador enigmático da perseguição e dos acertos de contas, embora, dado o potencial do longa, houvesse espaço para que ele fosse melhor aproveitado.
PTA consegue desconstruir esse idealismo revolucionário. A mensagem é clara e devastadora: a América chegou a um ponto em que a crise exige um despertar, mas onde estão os revolucionários, principalmente diante do crescimento de governos antidemocráticos e da alta intolerância? O filme não acomoda o espectador, ele o sacode, o empurra, o desafia. PTA transforma o caos em linguagem.
Uma Batalha Após a Outra é, inegavelmente, muito próximo a uma obra-prima. É um drama satírico que habilmente hibridiza comédia e temas nevrálgicos: liberdade, idealismo, paranoia, violência e afetos, todos bem arquitetados para compor uma obra de envergadura contemporânea e acima da média. PTA marca seu estilo singular e visceralmente americano de fazer cinema, mas capaz de nos fazer refletir universalmente sobre o crescimento da intolerância e da repressão. O diretor escancara o caráter patético e hipócrita de homens que exercem o poder de forma violenta, sendo os aventureiros natalinos uma das maiores e mais bem construídas críticas do longa.
Com isso, a contribuição de PTA coloca um épico em ação: nós aceitaremos colocar patéticos no poder ou teremos coragem de enfrentá-los fora das trincheiras da desilusão? A resposta não é fácil, e o caos está presente e pulsante. Mas a busca de Bob por sua filha é a metáfora final: talvez a centelha de esperança resida nas novas gerações, e não nos revolucionários que se perderam.





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