Filme presente na Repescagem da Mostra SP
31 de outubro a 05 de Novembro de 2025
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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Riverstone: O Preço da Consciência e as Execuções Arbitrárias no Estado
O filme Riverstone (The Line of Control, 2025), dirigido por Lalith Rathnayake, é uma obra de inteligência brilhante ao optar por uma crítica ao sistema institucional de forma humanista. O cineasta inverte a perspectiva, colocando os três policiais em um road movie psicológico rumo a uma execução arbitrária que revela o peso da consciência.
Essa abordagem é excepcional, pois foge do lugar-comum das execuções institucionais. O foco se desloca para a crise de consciência dos executores, tornando-os mais próximos do suspeito sob custódia. A opção do diretor em humanizar esses policiais, ainda que sigam o Estado, é muito realista, pois demonstra que os agentes também podem ser vitimados pelo próprio sistema. O fato de o filme ocultar quem deu a ordem final é altamente poderoso, pois diz muito sobre as estruturas de poder que comandam decisões sobre vidas e que não conseguimos ver seus rostos ou conhecê-los em profundidade. Este é um dos filmes mais surpreendentes da Mostra SP, uma joia do cinema contemporâneo que merece ser revista em sua distribuição nacional e plataformas de streaming.
O diretor Lalith Rathnayake é sensível e articulado ao expandir as fronteiras da narrativa para além do veículo. Para que a viagem se torne reveladora e tensa, ele utiliza a intimidade do cotidiano dos executores como âncora. O veterano (Mahendra Perera) lida com um drama familiar, o ambicioso (Shyam Fernando) mantém uma vida dupla, e o dependente financeiro (Priyantha Sirikumara) se distrai com programas de rádio. Essa construção amplifica a tensão psicológica e a crise de consciência, criando um elo entre os agentes e o suspeito em custódia (Randika Gunathilaka). A obra nos força a refletir que o preso não é apenas um criminoso, mas provavelmente alguém que foi empurrado para a marginalidade por um contexto social e econômico desfavorável. Há momentos dramáticos e cômicos que se mesclam, e a beleza desse roteiro reside justamente em manter uma humildade narrativa que entrega imensa qualidade. O filme se aproxima de uma obra-prima na cinematografia.
O filme é primariamente sobre consciência e moral diante da execução. Inicialmente, os policiais estão a serviço do Estado, mas durante o trajeto, eles percebem o alto custo moral de suas ações. Os enquadramentos nos rostos dentro do veículo, combinados com as interações cotidianas, estabelecem uma linguagem visual que dissolve a claustrofobia física do carro, mas amplifica o peso da execução iminente. O diretor é um mestre ao alternar essa proximidade psicológica com as amplas paisagens da natureza do Sri Lanka. Essa jornada para um assassinato não é filmada de forma tradicional. É conduzida com a maestria e a maturidade de que, na essência, são humanos executando humanos. O filme expõe que nem sempre quem executa sabe o porquê da execução, mas a rigidez institucional, o privilégio e a ambição garantem que o serviço seja feito em defesa do Estado. Essa humanidade é reforçada pelos diferentes posicionamentos de carreira dos policiais, o ambicioso, o dependente financeiro e o veterano, enriquecendo os aspectos emocionais do road movie.
O filme utiliza um aspecto que é uma escolha intencional do diretor. O povo que não é policial não participa com protagonismo. Outros personagens funcionam meramente como figurantes ou elementos de subtexto, e as evidências narrativas levam à conclusão de que a sociedade, ou desconhece a fundo o que acontece, ou opta pela indiferença. Essa estratégia reforça a ideia de que as execuções são arbitrárias e ocorrem em silêncio e discrição. São protocolos extrajudiciais que se movem sob o jogo de poder e opressão, o que é uma crítica clara do cineasta. O fato de o povo não participar e desconhecer é, em si, um convite ao questionamento dessa justiça. Essas práticas ecoam em diferentes formatos em todo o mundo, e Lalith Rathnayake foi perspicaz em focar na tensão de uma trajetória que não passa por tribunais oficiais, mas sim por uma ação arbitrária e pouquíssimo discutida.
Riverstone é um filme de relevância inegável na cinematografia mundial, especialmente no debate sobre Direitos Humanos. O longa surge como um antídoto necessário ao desgaste do discurso de Direitos Humanos, acirrado por disputas políticas que polarizam a sociedade. O que esta obra belíssima e lúcida afirma é que o problema não reside em julgar e cumprir a pena com transparência, o processo legal deve seguir seu curso, mas sim na arbitrariedade de eliminar cidadãos sem uma investigação transparente e ágil, apenas para manter o status quo e o privilégio. O perigo reside, portanto, nessa moralidade distorcida. A brutalidade policial, o assassinato sob custódia e a violência sistêmica, que ecoam em diversos países do Sul Global, demonstram que a falha começa no topo da pirâmide e está ligada à manutenção de privilégios, não à segurança social.




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