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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
De Nápoles a Nova York: O Trauma Pós-Guerra e a Dignidade da Travessia
Gabriele Salvatores entrega um filme sensível sobre o trauma pós-guerra sob uma perspectiva infantil tocante. Após vivenciarem o luto pela perda de um familiar e do próprio lar em ruínas, a América surge como o antídoto à desilusão. O navio para Nova York impõe-se como o veículo de mudança, esperança e coragem. No início do longa, Nápoles é apresentada como uma cidade que já não acolhe mais essas crianças de rua, um cenário de desmoronamento do lar. Diante da extrema privação, o sonho americano não é apenas uma aventura, mas a única possibilidade de dignidade e recomeço. Essa busca desesperada e resiliente coincide com o drama vivido por milhares de imigrantes do pós-guerra.
A solidez da obra reside na força inquebrável da amizade entre os protagonistas. O filme é ambientado em 1949 e baseia-se num argumento não filmado de Federico Fellini e Tullio Pinelli, o que confere a Salvatores o mérito de manter um caráter metalinguístico com o cinema neorrealista italiano. Ele utiliza essa base clássica, que lembra filmes como Ladrões de Bicicleta (presente na curadoria do Festival), mas com uma estética contemporânea na fotografia, traduzindo a história em uma jornada mítica de amadurecimento. Os jovens atores Antonio Guerra (Carmine) e Anna Lucia Pierro (Agnese) entregam performances excelentes e carismáticas, personificando crianças órfãs, clandestinas e à margem da sociedade. Entre o realismo da miséria pós-guerra e o mítico da travessia, é a cumplicidade e o amor puro entre os dois que sustenta a narrativa, servindo como antídoto à extrema privação e evitando que o drama caia no melodrama.
Tendo em vista que a história em si não se apoia em subtramas complexas, o diretor mantém a autenticidade e a leveza do elenco infantil, explorando a harmonia entre as atuações e os elementos técnicos. No início, os escombros de Nápoles e a pobreza criam uma atmosfera de privação e miséria. A virada se dá na travessia. Diante da estética do sonho americano, com seus cartazes propagandistas, figurinos e o otimismo latente da cidade cosmopolita, instala-se um choque visual. A trilha sonora acompanha a transição, tornando-se mais positiva e moderna, contrastando com a solidão das crianças. Essa é uma estética engenhosa, pois passa a impressão de um sonho ou uma artificialidade, como pintar um quadro que contrasta ruínas e desenvolvimento. No entanto, isso faz parte da aura mítica do filme, um tom melancólico e irreal, já que as crianças não são efetivamente ameaçadas por grandes perigos. Salvatores faz uma escolha consciente e ética, mantendo uma estética de resiliência e esperança.
A fratura da inocência é clara na construção dos personagens, que são apresentados como crianças perspicazes e extremamente inteligentes. Carmine é o mais ousado e direto, por vezes até grosseiro, enquanto Agnese é mais reservada, mas temperada por impulsos de lições morais. O amadurecimento precoce é contornado por detalhes em cena que deixam em evidência a necessidade de crescimento acelerado. Essa parece ter sido a dura realidade de imigrantes do pós-guerra que, ao perderem o lar, precisaram reconstruir suas vidas sem perder a identidade italiana. O filme sugere que é necessário manter um certo cinismo na América. Nesse contexto, Carmine se destaca como o personagem mais maduro. Ele é o garoto esperto, com opinião formada, que saberá trilhar o caminho, mimetizando a expansividade italiana que, na essência, é do cuidar e amar os seus, mesmo em um mundo hostil.
De Nápoles a Nova York é, fundamentalmente, um filme sobre esperança e possibilidades. Ele nos lembra que, na travessia mais desafiadora da vida, só estamos verdadeiramente acompanhados por aqueles que nos apoiam e nos amam. O laço da vivência mútua entre Carmine e Agnese, somado ao apoio recebido por personagens determinados, acrescenta uma camada de empatia, coragem e revolução silenciosa. Essa é a contribuição duradoura de Salvatores. Um filme histórico e saudosista que nos faz pensar que o verdadeiro valor da jornada não reside na utopia da chegada, mas sim na identidade e no pertencimento que construímos. Mesmo em uma nova configuração social, esses são os alicerces das nossas escolhas e de nosso futuro.


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