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Mostra SP: O Som da Queda (In Die Sonne Schauen / Sound of Falling, 2025)

 




Filme exibido na Mostra SP 

MaDame indica. 

Fique atento(a) a datas de estreias no Cinema e Streaming

  


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Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



O Som da Queda: A Hereditariedade do Trauma e o Olhar da Casa

 




O filme da diretora alemã Mascha Schilinski, vencedor do Prêmio do Júri em Cannes, é uma obra de ambição radical. A narrativa se articula ao longo de um século, seguindo quatro gerações de mulheres que vivem na mesma fazenda em Altmark. O filme rejeita o arco narrativo tradicional para se estabelecer como uma arqueologia emocional.




A obra possui uma atmosfera perturbadora que se impõe ao espectador. Schilinski constrói com excelência essa sensação do mal como algo que perturba e causa estranhamento, pairando sobre a fazenda. O grande acerto reside em demonstrar que, independente do fragmento temporal ou da mulher em foco, todas são afetadas por esse peso. A busca por uma coerência cronológica no filme se revela infrutífera, pois, na profundidade, as mulheres do longa espelham uma autenticidade represada. Elas parecem tentar encontrar a si mesmas, mas estão presas em um ciclo de culpa, resignação e medo: uma imobilidade dilacerante e silenciosa que reforça a tese da hereditariedade do trauma e da violência.










A estrutura ambiciosa do filme é sustentada pela força de suas atrizes que encarnam gerações e focos de trauma distintos. A jornada de Alma (Hanna Heckt), que testemunha a violência no início do século, reverbera na de Erika (Lea Drinda) e sua repressão sexual, na de Angelika (Lena Urzendowsky), confrontada pelo abuso sob o regime da Guerra Fria, e na de Lenka (Laeni Geiseler), que carrega o eco da melancolia nos dias atuais.





O trauma é próximo e penetrante, denunciado pela linguagem do indizível, manifestada através do silêncio, do olhar e da postura resignada das mulheres. A dor se torna perigosamente ambígua, pois as personagens são capturadas por um desconforto que as faz parecerem culpadas ou deslocadas por um sofrimento que não causaram. Esta é a crítica social: a diretora evoca a forma como a repressão e o abuso transformam a vítima em sua própria algoz, perpetuando o ciclo.










Em vários momentos, a obra provoca um profundo desconforto. Parte da insanidade feminina, construída como metáfora da repressão, reside na impossibilidade de expressar nossa pior face. O filme toca na ferida da ética de gênero: nem sempre é permitido à mulher expor seus desejos mais sombrios, sua raiva e seu lado vil e insano. Essa repressão imposta pelo tecido social força os sentimentos dilacerantes a se manifestarem de formas destrutivas ou silenciosas, em vez de serem articulados.





A fazenda transcende a função de locação para se tornar o personagem central e testemunha ocular do trauma hereditário. A direção de arte e a cinematografia são excepcionais ao construir essa presença: a casa enxerga tudo — e guarda o que não pode ser dito. Por meio de olhares capturados pela fechadura, pelas frestas, pelas janelas e pelo celeiro, o ambiente absorve e guarda os segredos, tornando-se o repositório físico e emocional do sofrimento feminino.










É crucial notar que a própria natureza reflete a moralidade desta fazenda. O rio que margeia a propriedade é habitado pelas enguias. Essas criaturas, sinuosas, ocultas e difíceis de agarrar, funcionam como um poderoso símbolo do trauma que nunca é nomeado ou confrontado, apenas desliza e se repete, migrando entre gerações. Elas são a manifestação física e repulsiva da contaminação ética que impregna o ecossistema da casa.





A atuação evita o melodrama, optando por uma resignação silenciosa que é um poderoso comentário social. As mulheres não falam, mas olham para a câmera, e esse olhar direto deixa um rastro perturbador a cada plano, tornando o espectador cúmplice da violência contida.










No final, O Som da Queda não oferece catarse nem respostas fáceis. Ele nos força a encarar o legado silencioso do trauma, entregando um sentimento de profundo desconforto moral e a certeza de que a violência contra o corpo feminino se infiltrou na história, nas paredes e na própria essência feminina por um século.




Finalmente, a verdadeira provocação de O Som da Queda reside no seu silêncio, o indizível. Para uma crítica que é inerentemente combativa e engajada, como a perspectiva feminina, esse silêncio é, ele próprio, uma violência. Ele confronta diretamente o nosso desejo de verbalizar o trauma, de dar nome à opressão e de quebrar o ciclo histórico da resignação. É justamente por tocar nessa falha ética do gênero que este filme exige um olhar diversificado. 





A recepção analítica da obra não deveria ser dominada majoritariamente por vozes masculinas, pois o desconforto sentido pelas mulheres não é meramente estético, mas o eco da repressão histórica. É um filme que convoca, com urgência, a crítica feminina coletiva para uma necessária reparação crítica e simbólica, transformando o incômodo em uma poderosa exigência de escuta, crítica e diálogo.









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