Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação "Quem você pensa que sou" (...

Quem você pensa que sou (Celle que vous croyez, 2019)





Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




"Quem você pensa que sou"(Celle que vous croyez, 2019), filme de Safy Nebbou  presente na programação do Festival Varilux deste ano tem a musa Juliette Binoche como protagonista que vivencia o amor e a fantasia através das redes sociais, experiência que traz impactos emocionais para a sua vida real. Ela interpreta Claire Millaud, mulher de 50 anos, professora universitária e recém divorciada. Em uma fase de cura, experimentações e segunda chance, sem muitas pretensões, ela cria um perfil falso no Facebook  e conhece o jovem sedutor Alex (François Civil), um fotógrafo que tem o carisma, a sensibilidade e a beleza que encantariam muitas mulheres.







Com leveza, naturalidade e maturidade, Juliette Binoche apresenta a dimensão de uma personagem que está presente na vida contemporânea: a mulher de meia-idade que saiu de um casamento e está solteira. Podendo ser também a que nunca se casou, segue aberta a um relacionamento e acredita que merece o amor como qualquer outra mulher. Como uma volta à juventude cheia de dúvidas e  inseguranças, esta mulher tem que lidar com os dramas de amor em uma época de relações virtuais, frágeis e voláteis. Para ambos os casos, é muito desafiador se reinventar sem abandonar a essência do eu, a crença no amor, a busca e merecimento da felicidade.



Claire tem a ambiguidade que algumas mulheres nesta faixa etária não deveriam ter, afinal, já viveram experiências e situações afetivas há anos, em menor ou maior grau de complexidade. Por incrível que pareça, Claire é insegura e age como uma adolescente, o que pode soar estranho para muitos(as). Ela inventa um perfil falso e tem medo de ser rejeitada, assim, alimenta uma relação virtual com fotos que não são suas, criando uma Claire paralela, uma projeção da jovem que gostaria de ser ou que imagina ser mais atraente para os homens. Ela nutre a relação com  uma beleza jovial e refrescante padrão e com desejos de liberdade, sexo, paixão, amor despertados em Alex devido a este frescor. Mal sabe ela que muitos homens mais jovens adoram mulheres mais velhas.






Este é um aspecto do roteiro que, apesar de legítimo, enfraquece o personagem. A todo o momento, o filme mostra o medo e a insegurança de um mulher de 50 anos, o que parece um tanto irreal, considerando que, normalmente, uma mulher desta faixa etária se lançaria à paixão, ou pelo menos, mostraria o verdadeiro rosto ao homem que deseja mesmo sob o risco de ser rejeitada. Em outras palavras, mulheres mais velhas são mais práticas, embora não seja regra. Além disso, dificilmente um homem aguentaria investir horas e horas online em uma mulher que não mostrasse ser ela na web cam. Os homens são tradicionalmente seres visuais. 


Com muitas neuras, Claire embala esta paixão com suas mentiras, chegando a uma forte tensão entre vivenciar um amor real com Alex e cortar a relação. Mesmo com esta característica da narrativa, o filme é honesto com o público, principalmente quando analisado sob a perspectiva dos relacionamentos virtuais e do principal trauma que levou Claire a ter tanto medo da rejeição. Acima de tudo, o filme não esconde como é difícil amar e ser amada (o) em um mundo cada dia mais virtual e raso.






O mundo virtual trouxe certas delícias e perigos. Esta ampla possibilidade de conhecer pessoas  em qualquer parte do mundo, de sair da zona de conforto e se arriscar às paixões mais ardentes e misteriosas ou simplesmente de encontrar a sorte de um amor real  não deixa de ser sedutora. Apenas com uma curtida de um aplicativo de relacionamentos é possível ter uma potencial porta de entrada para se apaixonar e também se decepcionar. Há o risco de puxar papo com um(a) desconhecido (a) atraente que, certamente, é uma grande roubada. Por outro lado, há relações estáveis e saudáveis que começaram em aplicativos de relacionamentos. Assim, o mundo virtual transita entre o querer, o sentir e o vivenciar de uma forma muito mais ambígua, ora podendo ser intensa, apaixonante e complexa, ora superficial, decepcionante, rasa. 






Na narrativa, o diretor trabalha muito bem a escolha e montagem entre os planos da realidade cotidiana e virtual, muito em função da escolha por incluir Claire em uma sessão de terapia com Dr. Catherine Bormans (Nicole Garcia). Sem este recorte, o filme teria um esvaziamento narrativo e seria muito difícil sustentar a história. Com a boa atuação de Nicole Garcia, a personagem de Catherine traz a perspectiva de um exímio ouvinte que oferece um ambiente seguro e necessário para Claire ressignificar sua relação, sentimentos e percepções neste amor platônico por Alex. 



Catherine é como nós, como espectadores, a observar a angústia de Claire, mas também, como conhecer um amante atencioso e apaixonante é revigorante. Somos lançados nesta paixão, podemos torcer por eles assim como desacreditar neste tipo de relacionamento. Na fase de flerte, Claire e Alex trazem para a tela o quanto é bom ouvir e ser ouvida(o) por quem nutrimos afetos, como é envolvente desejar e ser desejada (o), como é sedutor sentir prazer, ainda que virtualmente, fantasiando as inúmeras possibilidades de realizar todas estas fantasias de sexo e amor na vida real. Catherine coloca este espelho diante dos olhos de Claire, um espelho que, em diversos momentos da vida, muitos de nós precisamos encarar.







Este é um filme que poderia ser afundado pelos clichês, aliás, não faltam algumas situações clichês que são recorrentes nos flertes virtuais. Entretanto, eles são necessários pois são reais. É muito difícil sustentar um relacionamento virtual, portanto, as situações se repetem como um tédio constante, uma sensação de falta latente, uma ânsia pelo toque e calor do outro. Toda este desconforto é transmitido através da boa atuação de Juliette Binoche. Neste ponto, a experiência da atriz sustenta substancialmente a qualidade interpretativa de Claire. O drama da personagem é ter medo de ser rejeitada, sendo assim, a espontaneidade de Binoche, seu bom humor misturado ao drama, trazem dignidade à esta mulher que carrega traumas e dores do  passado , mas também deseja amar e ser amada.



A narrativa intercala subcamadas com diferentes perspectivas que enfatizam o título: "quem você pensa que eu sou?" . Embora algumas decisões do roteiro sejam bem fantasiosas e até mesmo trágicas e exageradas, esta escolha possibilitou preencher as lacunas do filme que, certamente, ficariam vazias sem este tipo de direção. Muitas vezes, há culpa, arrependimento nas relações virtuais. As coisas tomam um caminho inesperado, os desejos não se realizam, as pessoas não mostram quem são, assim, muitas decepções marcam estes relacionamentos. A sensação final é continuamente a mesma: "quem você pensa que eu sou"? "Quem você é?". Infelizmente, parece que ninguém se entende. Acabam deixando de viver um romance que poderia ser promissor.



Quando certas pessoas vivem um romance virtual com mentirinhas, pensam que isso não fará mal algum. Puro engano. Mentir nas redes sociais se tornou algo comum e previsível e isso destrói o outro, realmente fere a confiança e desvirtua o real sentido de um relacionamento amoroso e até mesmo de uma possível amizade. Assim, a melhor reflexão catalisada pelo longa nestas relações que começam em meio virtual: "quem efetivamente somos?", "O que sentimos?", "O que nos permitimos vivenciar na realidade?", "O que tentamos disfarçar e nos auto enganar?".








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No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.

Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.

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Passion Gap (2017)






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Um curta metragem  visceral, violento e pessimista resume "Passion Gap", filme produzido pela África do Sul, escrito por Jason Donald e Matt Portman. Relacionando o passado e o presente de violências sofridas por Elani (Marguerite Van Eeden), o curta enfoca um fragmento da vida da jovem no qual ela tem um relacionamento tóxico com o traficante Sunday (Aaron Jacobs). O curta abre espaço de debate e reflexão sobre a violência de gênero, sonhos despedaçados pelo crime  e por relacionamentos abusivos e más escolhas.



Juntos há 1 ano, Elani vê em Sunday uma esperança de sair da decadente vida  no submundo de Cape Town e se empenha em manter o humor do namorado sob controle. Sunday tem um ego gigante e instável e deseja alcançar uma posição de destaque no mundo do tráfico.  Ao lado do amigo Mikey (Shuraigh Meyer), outro tão desequilibrado quanto ele, o casal percorre uma noite inteira durante a qual precisam realizar negócios e ter um boa relação com a organização para qual trabalham. Nesta noturna jornada, o curta mostra desilusões, fracassos e agressões que reproduzem os mesmos padrões de violência que a jovem experiencia no bairro e na família.





Passion  Gap tem um doloroso retrato para as mulheres quando se observa o desespero e o auto-engano de Elani. Na verdade, por falta de melhor opção, má escolha e carência, ela reproduz um padrão que acontece com algumas jovens que se envolvem com criminosos e outros bad boys: ela acredita que terá ganhos, afeto, respeito e mudança de vida. É bem provável que Elani saiba que não chegará a lugar algum com uma pessoa tão tóxica como Sunday, um homem que não a respeita nem mesmo em uma balada e que a trata como uma vagabunda. Pelas suas expressões no filme, ela sabe do fracasso e decadência que isto representa, ainda assim , seu desejo de sair desta triste realidade é maior.



O título do curta se refere à "lacuna da paixão", que são quando os dentes da frente são extraídos e dizem que, sem eles, beijos e sexo oral são mais prazerosos. Na narrativa, essa expressão deixa mais claro a objetificação do corpo feminino, a violência contra a vontade da mulher, o desejo masculino de ter prazer com mulheres que têm o passion gap


A relação abusiva entre Elani e Sunday é disfarçada como uma frágil ilusão. Ele diz a ela que ela é a "garota número 1", ela o chama de "amor" e tenta motivá-lo.  São pequenos fragmentos de falas que são comuns no cotidiano dos relacionamentos tóxicos. A qualquer momento, essa relação pode implodir como uma bomba relógio. Assim, fica mais claro que as lacunas da paixão não são preenchidas nem pelo prazer e nem pelo amor mútuo, mas pela violência contra o outro. As lacunas permanecem como espaços vazios sem qualquer afeto.





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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Catherine Deneuve , icônic...

Tudo o que nos separa (Tout nous sépare, 2017)








Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Catherine Deneuve, icônica diva do Cinema Francês, é aquela atriz que, mesmo participando de alguns filmes bem abaixo de seu talento, consegue dar um peso de qualidade dramática a qualquer cena e atinge a intenção emocional que a história persegue. É o que acontece em "Tudo o que nos separa" (Tout nos sépare, 2017) suspense dirigido por Thierry Klifa baseado em uma mãe que protege a filha após um homicídio.






Louise Keller (Catherine Deneuve) e a filha Julia (Diane Kruger) moram em Sète, cidade afastada dos grandes centros Franceses, com subúrbios e criminalidade nas redondezas. Com uma aparente vida pacata, Louise cuida da filha que, após um acidente, tem sequelas pelo corpo e  apresenta um comportamento problemático. 


Julia é bastante perturbada, viciada em drogas para tirar as dores físicas e emocionais e não faz absolutamente nada para viver melhor.  Ao se envolver em um relacionamento tóxico com Rodolphe (Nicolas  Duvauchelle), um malandro que tem dívidas com o tráfico de drogas local e extorque dinheiro dela, Julia comete um assassinato por motivo torpe. O comparsa de Rodolphe, Ben Torres  (o rapper Francês Nekfeu), começa a chantagear Louise e é pressionado pelos traficantes locais a pagar uma alta dívida. Um onda de chantagens contra o tempo tira o sossego das Kellers. 





Este é um filme sobre chantagem e extorsão. Sua fragilidade está em não tornar crível e humanizada a relação de proteção familiar, com isso, o que o roteiro apresenta são mais cenas objetivas e rasas de violência psicológica, com um criminoso mandão a gritar e dar ordens para uma senhora do que propriamente camadas psicológicas da relação mãe e filha, o que fatalmente enfraquece o longa e a participação de duas atrizes talentosas.







O personagem de Diane Kruger tem uma superficialidade que dificilmente é encontrada em personagens perturbadas e drogadas do Cinema Europeu. Normalmente, narrativas que apresentam uso de entorpecentes, sequelas físicas e psicológicas após traumas, violência e preconceitos de gênero, entre outros, são melhor aprofundadas com personagens que vivem o drama com uma visceral densidade. Não é o que ocorre neste longa. Kruger fica restrita a chorar e lamentar pelo crime cometido, entre um copo de bebida alcoólica e muitas pílulas. Ainda que a intenção da história seja mostrar a mulher problema, o drama pelo qual ela passa tinha potencial de ser explorado pelo diretor.


Outra falta do longa é a não exploração consistente da criminalidade das periferias Francesas e como extrair os problemas sociais e a humanidade entre as desigualdades. O roteiro pincela essa diferença que existe entre a classe média e o pobre e periférico e aproxima os universos de Ben e Louise, mas os personagens não são colocados em situações que os façam desenvolver os dramas sociais presentes na Europa contemporânea.






Cabe às interações entre Louise e Ben manter a atenção do espectador. Nekfeu é um rapper que faz o bad boy  e não tem experiência em atuação, assim , sua participação se restringe a gritar com a personagem Louise e mostrar a intenção do roteiro no desfecho. Felizmente, Catherine Deneuve tem muita facilidade em adicionar nuances maduras e confiáveis na interpretação, mesmo com este roteiro limitado para seu brilhantismo e sólida carreira. Frustrando todas as expectativas da justiça, ela trata o bandido como um ser humano e há um motivo sentimentalista e apelativo para isso que o espectador poderá observar, gostar ou não. 


Em certo ponto, embora Ben é o tipo que não mereça piedade, a humanidade da história está  nesta relação vítima x agressor que o filme propõe e que,  por incrível que pareça, é desenvolvida em meio a chantagens e extorsões.






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A Síndrome de Berlim (Berlin Syndrome, 2017)






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Adaptado do romance homônimo de Melanie Joosten, A Síndrome de Berlim (Berlin Syndrome, 2017) utiliza a experiência da autora como mochileira em suas viagens pelo mundo, na qual ela traz à luz algo bem realista sobre as aventuras: a gente nunca sabe qual estranho encontrará em nosso caminho.  Ainda que seja uma inspiração cuja ficção é levada ao limite do horror e da violência psicológica e física contra a mulher, o filme dirigido com muita competência por Cate Shortland, é um aviso sobre os perigos e desilusões ao se envolver afetivamente com qualquer estranho, seja no mundo real ou virtual.






É correto afirmar e enfatizar que viajar sozinho (a) é muito bom. Não devemos ter medo de se descobrir como viajantes solo. Além de descobrir o mundo e a si mesmo, é um passo para vivenciar a liberdade e refletir sobre desejos, vontades e decisões.  É uma oportunidade de conhecer pessoas novas, envolver-se em aventuras apaixonantes e libertárias, e simplesmente deixar as coisas acontecerem. Por outro lado, viajar tem um forte elemento de solidão, ainda que oculto ou disfarçado. É quando queremos ficar um pouco sozinhos e tomar um fôlego novo, mas também precisamos do outro, da socialização, das descobertas a partir dos amores, amizades, paixões.






A Síndrome de Berlim não aborda as delícias mas os horrores de uma viagem mal sucedida ao conhecer um estranho sedutor e inteligente. Aquela chama da paixão, do desejo de ficar e ter prazer com ele é incontrolável como descobrir um fantástico ponto turístico, mas, ao fim, a pessoa não era exatamente aquilo que projetava.  


No roteiro, uma jovem fotojornalista Clare Havel está cansada de sua vida enfadonha  na Austrália e viaja para a Alemanha para um recomeço. Amante da Arquitetura, Berlim se torna um excelente destino.  Ao chegar à cidade, encontra o bonito professor de inglês, Andi Werner, que desperta nela um intenso desejo de ficar com ele. Muito rapidamente eles flertam. Após uma noite de sexo, ela é presa no apartamento dele, que a mantém como refém. Clare  está encarcerada, sem contato telefônico. Ela entrou em uma terrível roubada.






A historia tem dois atores bem talentosos que encarnam seus papéis com uma consistência precisa, colaborando para o êxito do longa: Andi é Max Riemelt, conhecido ator alemão que já realizou trabalhos em ótimos filmes e séries como "A queda livre", "A onda", "Sense 8", e Clare é interpretada por Teresa Palmer, atriz australiana que, pela primeira vez, tem a chance de realizar como protagonista um drama denso, desafiador e violento. A escolha da dupla é um dos diferenciais do filme, sem dúvidas.


O título faz referência à Síndrome de Estocolmo, transtorno no qual a vítima, após um tempo de intimidação e agressão, acaba desenvolvendo um tipo de afeto e/ou tolerância pelo agressor. Clare percorre vários tipos de emoções e atitudes com seu agressor: a paixão, a raiva, a rejeição, a negociação, a dissimulação etc.  Colocada em um apartamento sem chance de sair, ela praticamente não tem a quem recorrer para ajudá-la. Em certo ponto, encarna o papel de dona de casa e esposa fazendo as vontades de Andi, mesmo que seu desejo seja matá-lo e se libertar.


Considerando que o filme é sobre sequestro e cárcere privado, restrito a um apartamento no subúrbio, em uma época de inverno no qual não há quase nenhum vizinho e movimentos do lado de fora, a realidade vivenciada por Clare é de um sofrimento infindável. É puro sadismo cinematográfico! Mas, há que assumir que é um sadismo bem executado em cena.  



Parte significativa da competência da direção de Cate Shortland se dá por dois quesitos: levar o filme a quase duas horas de projeção com a maioria das cenas realizadas entre Clare e Andi com diversas nuances perturbadoras de horror psicológico, e a direção de atores que reafirma sua excelente parceria com dois protagonistas que têm um espaço muito amplo para desenvolver seus personagens. 






Na atuação de Max Riemelt é possível perceber as várias nuances de um serial killer, psicopata. Bastante sádico, ele tira fotografias friamente da violência pela qual é responsável. É um do seus maiores prazeres e Clare não é a primeira vítima. Ele acredita que ela é sua posse e que toda essa "vida familiar" é um relacionamento. O roteiro não deixa escapar o fato de que ele é um típico "cidadão de bem", um professor dedicado, um cidadão comum que ninguém imaginaria que fosse um homem perigoso e violento. Como citado em variados livros de psicologia a respeito do padrão dos psicopatas, a maioria deles é bonito, sedutor, inteligente e jamais aparentam ser o que efetivamente são.






Com a responsabilidade de ser crível na atuação como mulher vítima de violência em vários sentidos, Teresa Palmer realiza uma atuação impecável, ao mesmo tempo, frágil e forte, buscando uma solução para escapar do cativeiro. Nas cenas que busca estabelecer um diálogo e conexão com Andi, ela tem uma dedicação exemplar em mostrar as nuances entre o medo e o controle emocional mais racional. Esta performance é bastante violenta em si, afinal, como olhar para o algoz e ter que fingir para garantir a própria sobrevivência e alguma esperança de liberdade? 


Assim como em "The room" de Tommy Wiseau, filmado em espaço reduzido, A Síndrome de Berlim é um thriller-drama-horror imperdível que encontra sua qualidade na atuação destes jovens atores e na sua capacidade de levar até o limite uma situação de cativeiro com uma abordagem extremante sádica e desesperadora.






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Delírios do passado (Delirium, 2018)






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Na combinação suspense e horror, há muitas fórmulas batidas nas escolhas de direção. Ao mesmo tempo que elas resgatam a tradição dos gêneros, por outro lado, se não realizadas de forma harmônica, objetiva e pragmática, são extremamente cansativas para o espectador. Embora seja um filme mediano, Delírios do passado (Delirium, 2018) tem algumas escolhas que dão certo.







O jovem Tom (Topher Grace) cometeu um crime na infância e foi internado em uma instituição psiquiátrica. Após 20 anos, ele é liberado, está sob condicional e observado pela policial Brody (Patricia Clarkson). Ele decidi retornar à mansão dos pais. Chegando lá, começa a ter visões e atitudes de paranoia, delírio.


Não há nada de muito diferenciado neste longa em comparação a outros com este argumento, porém, ainda é um longa bem melhor do que muitos lançados nesta seara. Ter transtornos mentais, sentimentos de culpa e baixo autoestima,  situações de perseguição e desequilíbrio psicológico em geral são recorrentes em obras com esse tipo de argumento. 


Tom está há muito tempo longe da sociedade, nitidamente confuso e solitário, assim,  essa condição é positiva e alimenta o drama à medida que este passado começa a ser revelado, contudo, sem dar 100% de certeza ao público.







Os acertos da direção estão em não dar muitas pistas ao espectador do que é real e do que é delírio na mente de Tom. O diretor Dennis Iliadis, que tem uma experiência razoável em thrillers e horror, apresenta segurança na filmagem, mesmo em meio à uma história que faz um jogo entre a sanidade e insanidade. Com isso, os delírios de Tom tornam-se nossos delírios.


Em diversas cenas, somos desafiados a compreender quais são os traumas do passado de Tom, quem é Alex (Callan Mulvey), seu irmão violento e sinistro, (será mesmo seu irmão legítimo?), quem foram seus pais, Tom está "curado" ou não, é inocente ou culpado. Depois, mais ao final da narrativa, o roteiro empobrece na sua força como suspense, ficando menos tenso, perdendo parte da sua capacidade de surpreender o espectador. 



Ainda assim, Topher Grace traz muita consistência a esse papel, despertando o interesse por sua atuação até o fim. Sem ele o filme não teria o mesmo efeito. É um ator interessante para a comédia e também para o horror pois é bem expressivo, homem com aparência comum que o aproxima de um amigo ou conhecido carismático do público. Ele transita  com naturalidade entre o humor (que também provoca o riso nervoso em situações de medo) e tem um lado de atuação over dramática que funciona bem para esses gêneros.






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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Lançado nos cinemas este mês, Beatriz ...

Beatriz (2015)





Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Lançado nos cinemas este mês, Beatriz é uma coprodução Brasil e Portugal dirigida por Alberto Graça e conta com atores dos 2 países, com tomadas em Lisboa e Madri e falado em português e espanhol. A fotografia de Rodrigo Monte representa um estilo elegante ao drama romântico e oferece, além da qualidade visual e temporal, um olhar que aproxima o público à metalinguagem entre o teatro, o Cinema e a Literatura.


A história enfoca o relacionamento passional entre Beatriz (Marjorie Estiano) e  Marcelo (Sérgio Guizé). Ela abandonou a carreira no Brasil e mora com ele em Portugal. Ele se dedica a escrever contos eróticos para uma revista Lisboeta. Bastante apaixonados e intensos no sexo,  a relação tem a química para manter o público curioso, e a possibilidade de que eles realmente sejam felizes em outro país. Entretanto, tanto fogo catalisará uma boa energia afetiva ou problemas à vista?






Beatriz é a musa inspiradora do marido. Os escritos de Marcelo são alimentados pelo tempero sexual que eles colocam na relação como transas em lugares públicos, jogos e fantasias eróticas. Quando Marcelo recebe uma proposta para escrever um livro que, paralelamente, será exibido no teatro, a relação começa a tomar um rumo tóxico, com um desequilíbrio nas vontades e desejos do casal. Neste processo, Beatriz faz sacrifícios em nome do amor e do ofício literário do marido.


O argumento da história tem potencial, considerando que o amor e a paixão são combustíveis de muitas histórias cinematográficas, principalmente as de teor passional com ciúmes, obsessão, vingança. O problema é a execução em si que, ao mesmo tempo que transita entre cenas do cotidiano do casal , do processo criativo literário e do processo teatral que representariam um material rico a ser desenvolvido, não convence em nenhum momento. O filme acaba se tornando enfadonho e arrastado na maioria das cenas.


Sob uma perspectiva bem feminina, o amor realmente vale muitos sacrifícios. Como diz o filme Moulin Rouge, "A coisa mais importante que você pode aprender é amar e ser amado de volta".  Na sua natureza primitiva, a mulher tem as virtudes de ser flexível, acolhedora e apaixonada nas relações. Mesmo a mais racional das mulheres, aposta no homem que ela escolheu para estar ao lado, entretanto, a maioria das mulheres não se anula nos dias de hoje como Beatriz faz no filme. Neste aspecto, o longa deveria ter sido mais verossímil e à frente do seu tempo.







Beatriz é uma mulher forte, característica que entra em contradição com o desenvolvimento do personagem nos mais de 1 h 30 minutos de projeção. O roteiro, para o bem ou para o mal feito por muitas mãos ( 4 roteiristas), escorrega neste desenvolvimento pois apresenta uma mulher com personalidade e a enfraquece na projeção sem enfatizar muito e de maneira significativa a sua força.


Com isso, apenas a expressão usada pelo diretor como "loucura a dois", um transtorno psicológico e psiquiátrico na relação de Marcelo e Beatriz pode explicar esse filme. Ainda assim, o transtorno não é dramaturgicamente bem tratado nos diálogos e situações, na verdade, muitas são clichês sobre sexo. A intensidade  emocional do relacionamento dos protagonistas não é  bem transferida para a misè-en-scene, o que enfraquece o drama.


Assim, Beatriz saí da sua natureza que, no início da narrativa, parecia ter mais personalidade e maturidade, para fazer demasiadamente as vontades do marido. Ele precisa escrever um livro, mas coloca totalmente a responsabilidade nas costas da esposa. Sua inspiração para a obra vem de Beatriz e da relação. Ela se envolve em caminhos mais tortuosos na sua sexualidade. Mesmo sentindo tesão em situações apimentadas, ela também desce ao fundo do poço, como aborto, drogas e sexo pelo sexo com estranhos. 







Inevitavelmente, dois dos melhores atores de suas gerações, Marjorie Estiano e Sérgio Guizé, não têm muito espaço para fazer a diferença na forma como o roteiro se apresenta. Marjorie é a que mais tem êxito, não apenas pelo seu papel de maior responsabilidade que dá título ao filme, como também por ser uma atriz com frescor, concentração e experiência no Cinema.


Já Sérgio não consegue expressar a complexidade do personagem. Um homem como Marcelo é daqueles que pensa que a mulher deve fazer tudo que ele projeta na relação. Isso explica a tagline de Beatriz : "Como te amar sem me odiar"? Para tornar a relação mais tóxica, Marcelo não consegue buscar inspiração em outras searas e nem exercer seu talento sem uma muleta de apoio, desta forma, jogar a responsabilidade nas costas da mulher e da relação o torna um homem bem desinteressante, desprezível.






Se analisado sob uma perspectiva contemporânea sobre gênero,  Beatriz é um filme útil como ideia central para uma reflexão pós sessão. Ele ajudará as mulheres como refletir sobre essas ações apaixonadas e limites que temos e que nos fazem perder tempo com homens extremamente egoístas e que nada acrescentam. O mesmo pode servir para homens que estão em relacionamentos tóxicos. 


Como toda ficção romântica e sua relação com a vida real, é natural o desejo humano de viver a paixão e o amor, em menor ou maior grau de intensidade, mas não a ponto de anular nossos egos em troca de algumas migalhas de afeto e uma boa transa. Apoiar o(a) parceiro(a) pessoal e profissionalmente é uma coisa, anular-se em nome de uma loucura requer autoconhecimento, ajuda médica  e especializada.



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O último suspiro (Dans la Brume, 2018)











Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Acompanhando a cinematografia das produções Francesas, é muito evidente que eles se dedicam mais aos dramas e comédias, traço que faz com que  o Cinema Francês seja apreciado pelas suas diferentes estéticas, histórias, humores, com maior aceitação pelo público.  O Festival Varilux de 2019 apresentou algumas características  que, até então, não eram tão comuns nos últimos festivais como a comédia de ação "Finalmente livres" e adaptações como "Cyrano Mon Amour" e "A Revolução  em Paris" que têm significativa influência do teatro na cena cinematográfica.


Ainda que o foco desse texto não seja abordar sobre os filmes presentes no Festival Varilux, um dos motivadores para abordar sobre o longa de Daniel Roby, "O último suspiro" (Dans la Brume, 2018) é exatamente dar visibilidade às tentativas do Cinema Francês não ser mais do mesmo, em outras palavras, a tentativa de oxigenar a sua cinematografia.  Assim como a programação do Festival  trouxe algumas novidades em 2019, o filme de Roby, uma coprodução Canadá e França,  tem uma virtude que nem sempre é vista no Cinema Francês: a coragem de fazer algo diferente, mesmo que tenha inúmeras falhas e apresente um resultado nada atraente.







Estrelado pelo experiente Romain Duris, no papel de Mathieu, um pai amoroso e dedicado, o filme combina o drama familiar com a ficção científica. Os Franceses não costumam realizar ficção científica, assim, no mínimo, é curioso ver Duris em um longa com essa proposta. Ao seu lado, como esposa, está Olga Kurylenko, que tem um papel menor e não devidamente aproveitado na narrativa. Fantine  Harduin performa Sarah, filha do casal. Ela tem uma doença rara que a impede de respirar no mundo real, logo, é obrigada a ficar presa em uma redoma que representa o seu quarto.







O filme tem problemas de roteiro e execução que provocam um conflito entre a proposta audaciosa e diferenciada como ficção científica e o amadorismo do diretor no gênero. Daniel Roby, que não é experiente nem no gênero e nem no Cinema, trabalha em um ambiente que tem o estranhamento entre o mundo real e o ficcional bem caracterizado, afinal, imagine Paris tomada por uma névoa bizarra como se fosse um outro planeta; entretanto, ele não aproveita essas especificidades. Não aproveita espaço, tempo e nem atores, desperdiçando claramente o tempo do espectador.







O público se vê diante de um filme que tem uma direção de arte com o intento de criar esse universo particular, mas as cenas de ação são amadoras e demonstram uma insegurança do diretor sobre o que fazer com cenário e atores. Como exemplo, em uma das cenas, Duris e Kurylenko fogem de um cachorro furioso, sendo esse um dos poucos riscos de vida. Em outra cena, Duris briga com um policial que só pensa em si. Em todas elas, o resultado é muito amador, a conclusão da sequência beira o ridículo. No geral, o não convencimento da obra como ficção científica é alimentada pela ação e luta pela sobrevivência pouco desenvolvidas no roteiro.






As poucas cenas que fazem a diferença resgatam o que o Cinema Francês tem de melhor: sua humanidade. Ver os pais se esforçando e renunciando para conseguir o bem estar da filha não tem preço. Ver um casal de velhinhos que não se separam mesmo que o mundo acabe desperta uma reflexão sobre o valor da vida, o amor e companheirismo. 


Esses momentos são mais sensíveis e unem as pessoas em volta do poder emocional do Cinema. Por outro lado, existem equívocos mesmo no seio familiar, por exemplo, a atuação de Harduin, especificamente o seu texto, é muito precário e aborrecedor. É uma filha que, em vários momentos, mais dá ordens nos pais ou fala de qualquer jeito do que demonstra afeto e gratidão. De fato, uma personagem mal desenvolvida e com pouca expressividade para o drama de sua biografia.



Por fim, quem faz de tudo para salvar o longa mas não consegue: Romain Duris. Ele é excepcional na sua filmografia, mas, esta ficção científica não aproveita suas virtudes e potencial, o que leva a pensar o porquê ele aceitou esse papel. Com o desfecho surpreendente que, por sinal, demonstra que a história tem um fundamento inteligente, fica mais notório como a execução foi ineficiente. 


Como grandes lições sobre o filme: Franceses  e seus países parceiros podem fazer ficção científica pois o Cinema é também feito de coragem para falhar, mas somente o façam se realmente a execução não seja tão amadora.





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