Por Cristiane Costa, Editora e crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Como apreciadores do Cinema, temos que estar abertos a todo o tipo de narrativa, até mesmo aqueles filmes que, por trás de um aparente estilo cult, existencialista, tem cenas que não conseguirão se comunicar conosco da forma que gostaríamos. "Soundtrack", direção e roteiro de 300 ml (de "O código Tarantino"), apresenta este desafio: "a que ele veio, afinal? Segundo seus criadores, "uma história sobre valores e amizades". Com a presença de Selton Mello, Seu Jorge e Ralph Ineson, ele pode ser interpretado como um filme que utiliza efeitos sensoriais, emoções melancólicas, um círculo masculino de "bróders" e uma profunda inadaptação de um artista que se afugenta em um local solitário, inóspito.
A história do fotógrafo Cris (Selton Mello) poderia ser a história de qualquer um de nós: deslocado e em crise. Ele toma a decisão de ir à uma estação de pesquisa polar para iniciar seu projeto artístico. Parece mais uma fuga do que propriamente ser produtivo na concepção da Arte. Assim, Cris não mostra muito que faz, exceto ligeiros experimentos fotográficos e jogar conversa fora com seus colegas que, aliás, não necessariamente demonstram um afeto genuíno por ele. São relações em construção.
E o que fotografar neste fim de mundo? Quase nada . É mais uma história do confuso estado mental do personagem que propriamente de amizade. Estamos diante de um filme que se comunica mais pelas sensações, este depressivo isolamento do ser humano, esta constante busca pelo trabalho. O protagonista tem como maior desafio lidar com si próprio e conceber sua Arte. Levá-lo para uma estação polar, no meio do nada, não oferece escapatória a não ser encarar os conflitos. Em outra interpretação, considerando os demais do elenco, Cris também precisa socializar com os que estão ali. Todos têm a opção de ser amigos ou apenas suportarem uns aos outros. Assim seria na Antártida.
O incomodo que provoca o filme não é pela melancolia aparente, o nada para fazer. É que poderia haver apenas Selton Mello e Ralph Ineson e isso já seria o suficiente para estabelecer esta proposta de amizade. Sem desmerecer o trabalho dos demais, mas a amizade não é testada aqui entre todos, salvo as melhores cenas entre Melo e Ineson. Logo, mesmo que na intenção dos diretores haja essa bem intencionada "brodagem", este é o filme do Cris, sua crença no trabalho e sua experiência cinestésica de estar no fim do mundo como um artista em busca de criatividade e evolução, de comportamento mais intimista, pessoal, de difícil acesso.
Potencialmente, o que pode vir a apreender a atenção do público, em maior ou menor grau, é perceber que apenas Cris será capaz de se entender e seguir em frente com sua Arte, sua exposição. Ninguém mais. É um personagem estranho e misterioso, mas acessível em sua humanidade . Nesse sentido, algumas cenas da "brodagem" aborrecedora não acrescentam muito ao conflito. As melhores cenas sobre humanidade estão na interação de Mello e Ineson.
A "Soundtrack" que dá título ao filme é a playlist do Cris. A sonoridade que quebra o silêncio ou que permanece apenas na audição de quem ouve as canções. Ela inspira o artista no processo criativo mas sua potência não é externalizada ao extremo. A playlist também é utilizado como elo entre Cris e seus colegas. Em determinados momentos, ele divide uma música com outro companheiro ou com o grupo. Vale mencionar que essa trilha não é original e o que está em cena é uma seleção de músicas que fazem parte da jornada de Cris.
A possibilidade de converger música e fotografia, entrecortada por diálogos, silêncios e enquadramentos mais intimistas intensifica as marcas biográficas do personagem e relação deste grupo. O mundo particular de Cris transita entre estas mídias e a cinestesia amplia as diferentes percepções das relações humanas e conflitos individuais do elenco. Desta forma, "Soundtrack" é um filme mais audiovisual que semântico. Não espere muitos diálogos e pistas de quem é este personagem, ele gira em volta de seu próprio mundo privado que, mesmo após o desfecho do longa, fica a questão: "o que ele tinha em mente"? Pelo menos, nesta experiência, fica evidente que ele transmite o drama de qualquer artista ou não artista: "o que estou fazendo neste mundo? Qual o significado do meu trabalho? O que faço a partir deste ponto?"
Embora a narrativa não agradará a todos dadas as peculiaridades do roteiro, como trabalho de estreias em longa - metragem, 300 ml cumpre um papel bem preciso na criação dessa ambientação inóspita, uma Antártida no Brasil, considerando que o filme é 100% realizado em computação gráfica. Esse resultado não deixa de ser um primor audiovisual em um filme Brasileiro realizado com elenco internacional, falado em inglês e português. Tendo pouca transição nesse espaço limitado, já que os personagens estão isolados no meio do gelo, as internas criam um ambiente cinzento, solitário, deprimente, o que corrobora o visual do longa e que eles só tem uns aos outros como companhia. O calor humano virá destas frágeis relações. O resto, fica por conta dos sentidos da plateia.
Fotos: cortesia Imagem filmes
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