Christopher Nolan, um dos jovens diretores mais promissores é um
visionário da Sétima Arte. Um cineasta sofisticado, reflexivo e em crescente evolução com seu pensamento inovador conseguiu criar um clássico moderno com o lançamento de
Batman - O Cavaleiro das Trevas, um fenômeno de bilheteria, aclamado pela crítica e pelo público, indicado a 8 Óscares, e cujo valor está além de dar continuidade à franquia
Batman, o aclamado super herói da DC Comics.
Nolan elevou a qualidade desta franquia a tal ponto que
The Dark Knight tem luz própria reinando sozinho com seu brilho estelar. O cineasta recria um filme que é tão embutido de excelência técnica, argumentativa, e de reflexão sócio-filosófica que o expectador atento é projetado a vivenciar em sua experiência cinematográfica dilemas pertubadores sobre a existência humana em um mundo corruptível, amoral e desprovido de heróis. Com um roteiro muito bem estruturado e sinergizado nos pilares de ação, suspense, drama e policial, um elenco espetacular, uma montagem precisa, dinamicamente bem recortada e uma edição de som que cresce com a trama,
Batman - O Cavaleiro das Trevas é um primor do cinema contemporâneo, que deixou de ser um simples filme de herói em quadrinhos e um
blockbuster rentável, e tornou-se um objeto de estudo social provocativo, tão realista que
a provocação será abordada aqui. É recomendável que assista o filme antes de proceder nesta leitura, para entendimento e porque alguns detalhes não serão ocultados.
"Ou você morre um herói ou vive o bastante para se tornar um vilão"
O filme retrata a tenebrosa e obscura
Gothan City que recebe a visita do insano inimigo do
Batman, o
Coringa,
The Joker (em uma interpretação icônica do ator
Heath Ledger, morto em 2008 e ganhador do Oscar Melhor ator coadjuvante por esta formidável performance). Coringa está disposto a desmascarar o Batman. Essa é sua obsessão, além de pertubar a ordem vigente, corromper os homens, anarquizar a cidade e tomar o poder.
Gothan City deve ser encarado como uma cidade de todos nós. Ela é uma analogia contemporânea da sociedade, e continua sendo
Gothan City, a cidade dos criminosos, da máfia e dos corruptos que têm como
calcanhar de Aquiles o herói mascarado Batman (
Christian Bale) ainda oculto na figura do bilionário Bruce Wayne, cada vez mais bem vestido, mais galante, mais refinado e mais bem assistido por suas sofisticadas armas letais e pela sua parceira relação com Tenente James Gordon (
Gary Oldman), com seu assessor 'técnico e executivo' Lucius Fox (
Morgan Freeman) e seu leal mordomo Alfred Pennyworth (
Michael Cane). Porém,
Batman é o arquétipo do herói misterioso, de vida dupla e seu papel é questionado.
Temos que ter heróis mascarados que fazem justiça com as próprias mãos e escondem a sua identidade? Não deveria o Batman ter um sucessor dentre os cidadãos ? A sociedade precisa de heróis comuns que mostrem suas caras, que representem o povo, que possam lutar perante a lei dos homens. Eis que surge uma aposta: Harvey Dent (
Aaron Eckhart), o
'Cavaleiro Branco de Gothan City', promotor público, um homen íntegro e audaz que já evidencia não temer os bandidos e lutar por justiça.
Ele é a esperança do novo herói social. Ao lado de Harvey Dent está sua namorada Rachel Dawes (
Maggie Gyllenhaal), o ex-affair de Bruce Wayne que atua como assistente de promotoria. Perceba que, propositalmente, o promotor já tem uma autoridade dentro da película, como um homem da lei, capaz até mesmo de desarmar uma testemunha em plena audiência, um homem que demonstra uma agressividade natural, destemido a colocar sua vida em risco e entrar em um plano perigoso para prender o Coringa e uma quantidade grande de criminosos que dariam de tudo para metralhá-lo. Não há como negar que somente um homem com tal perfil poderia ser potencialmente um sucessor do Batman.
"Eu acredito que o que não nos mata só nos deixa mais estranhos"
Discorrer sobre est
e longa-metragem magnífico renderia páginas e páginas de análise de cenas, comportamentos, atuações, citações, etc, porém a repercussão da obra como um elemento atemporal de reflexão sobre a sociedade está centrada e é dinamizada por 2 elementos:
a escolha do homem e sua suscetibilidade à corrupção. Para dar ação a tais elementos,de forma genial,
Coringa é o agente provocador e tem um papel tão essencial que chega a ser mais importante que o de Batman. Na figura de um psicopata, cicatrizado pela violência doméstica e pela rejeição, ele é o homem que não tem vínculo com valores advindos das instituições bases como a Família e o Estado. Ele não tem regras, não tem planos, não tem vínculos afetivos com esta sociedade, logo ele pode manipulá-la e influenciá-la à destruição sem nenhum pingo de culpa.
Ele é o agente do caos, o anarquista que detona o explosivo da corrupção e da vingança. No início do filme, rouba um banco e o dinheiro da máfia, depois negocia com a máfia que teme o Batman e quer vê-lo morto. Coringa aciona sua visão espirituosa para o mal e move as peças do jogo como um líder manipulador, e isso não é gratuito no filme, ele precisa estar ali para que o filme tenha o desfecho que tem, um final surpreendente que coloca a gente com os pés firmados no chão, céticos ou não, otimistas ou não.
"É preciso ter um ás na manga"
O Coringa gosta do Batman porque a vida do
The Joker é uma piada. Ele se diverte com sua psicopatia e precisa do Batman para se entreter, então o desejo de que o Batman tire a máscara é um tipo de capricho e também o fim que justifica os meios de uma manobra corruptiva. Ao colocar em evidência um
'freak' com sabedoria, o roteiro inverte o foco de quem provocará e ditará ações de
clímax:
o vilão ganha destaque. Coringa provoca a polícia, a máfia, a cidade, o herói e, através de um ação mortal, ele coloca a responsabilidade
da escolha do herói nas costas do Batman.
Quem será salvo, Harvey Dent ou Rachel Dawes? A escolha de um homem (
Batman) trouxe consequências que culminam em ódio, revolta e vingança personificados em um homem que era bom (
Harvey Dent) e que teria um futuro socialmente desejável:
trabalho justo e reconhecido, esposa apaixonada e uma sociedade protegida . O Cavaleiro Branco de Gothan City se corrompeu e o Coringa provou que o homem é suscetível à corrupção, mesmo que o vilão não tenha conseguido corromper e matar cidadãos civis na sua cartada normal dada por outra situação de
'escolha do homem' entre os passageiros de uma embarcação. Infelizmente na cartada final, ele jogou a carta mestra que mata o jogo:
"É preciso um ás na manga" e a esperança de vitória da sociedade definhou.
O que é brilhante na questão da escolha é porque o mundo funciona exatamente desta forma: tudo é uma questão de escolhas que levam ao próximo passo, e apesar de não ser factível prever o futuro, o homem ainda pode ter uma melhor sorte do que a de Harvey Dent e escolher o que quer ser, escolher o caminho do bem.
"Por que fui só eu o único a perder tudo?"
O herói já corrompido e incorporando o
vilão 2 Caras braveja
"Por que fui só eu o único a perder tudo?" . Enquanto repete, joga a moeda do cara e coroa à frente do policial Gordon já retomando o princípio da escolha do homem que, aqui, está lançado à sorte que leva à compaixão ou a destruição. Harvey Dent prova que quem é bom e faz bem não se conforma com a crueldade do mundo, e pode se dar muito mal; por outro lado ele já havia citado a profecia do desfecho, para ele e para Batman, durante um jantar com Bruce Wayne:
"Ou você morre herói ou vive o suficiente para se tornar um vilão".
Então por que ser bom? Vale a pena ser assim? O destino de heróis é a morte e a solidão? Será que o Coringa é tão vilão quanto parece ou ele deu um "empurrãozinho" para que reflitamos sobre nossa louca condição humana? Perguntas como esta são contundentes como a obra porque movem o expectador a uma angustiante reflexão.
Este é o mundo que vivemos? Onde estará a nossa esperança? Onde estarão os nossos heróis?
O mais triste é ver que há vários Harveys Dent corrompidos na sociedade contemporânea, deformados em suas caras, seja por uma espontânea ação própria e desvio de personalidade, seja por uma manipulação de outros, seja pela decepção com o mundo e o cansaço de lutar do lado do bem entregues à dilaceração pela dor,
etc. Estes pegam o caminho mais fácil ou o do infortúnio:
o da corrupção; e olham somente para seus egos inflados que prejudicam os outros e não priorizam o bem coletivo. Há outros homens loucos e espertos, que não amam ninguém, amorais e somente usam pessoas para alimentar suas psicopatias, como é o caso de Coringa. Já outros são como
Batmen, são os heróis solitários e perseguidos; por isso, o emblemático desfecho pode ser reconfortante para uns e deprimente para outros, porque ele oculta a verdade por uma mera questão de esperança e de comodidade, ou melhor dizer, é um desfecho tão perturbador quanto o filme porque revela ao expectador que a
'verdade não basta', nem sempre os heróis disponíveis serão os que precisamos; o que leva a pensar que a sociedade corruptível não está preparada para seus heróis de verdade e talvez não os tenha em um nível de excelência 'heróica',
mas ainda assim ela não pode perder a esperança, mesmo que esta seja alimentada por uma
'mentira do bem' que pode estar no discurso de um político ou num novo plano de desenvolvimento econômico que, mais adiante, poderão ser bem sucedidos (
ou não). Definitivamente, um final espetacular,
dúbio e muito incômodo porque é possível concordar com a decisão de Batman e de Joe Gordon que, nas melhores intenções precisavam não decepcionar a sociedade, não estampar nos jornais o ÁS vitorioso do Coringa. Certamente, veicular tal verdade traria um descontentamento em massa, a desilusão no lugar da esperança, logo, o desfecho que enobrece Harvey Dent como o herói é a de um mártir, exatamente para que a fé seja renovada, acrescida deste
"tapa na cara" na vil existência desta sociedade manchada pela corrupção
. Um dilema difícil que deixa os pensamentos da audiência em 'Trevas", na urgência de ter a luz que aclara os questionamentos, que ilumina o novo amanhã.
Avaliação MaDame Lumière
Título original: The Dark Knight
Origem: EUA
Gênero: Ação, Drama
Duração: 152 min
Diretor(a): Christopher Nolan
Roteirista(s): Jonathan Nolan, Christopher Nolan, David S. Goyer, Bob Kane
Elenco: Christian Bale, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Michael Caine, Maggie Gyllenhaal, Gary Oldman, Morgan Freeman, Monique Curnen, Ron Dean, Cillian Murphy, Chin Han, Nestor Carbonell, Eric Roberts, Ritchie Coster, Anthony Michael Hall
17 comentários:
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Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière