Sada Abe (Eiko Matsuda) é uma mulher obsessiva, ninfomaníaca para a qual não há limites no seu prazer sexual. Esta é sua forma de amar Kichizo e ela o possui insanamente sem medir consequências, deixando de lado a sobriedade mental e o autocontrole de suas paixões carnais. Por trás de seu rosto delicado, há uma agressividade em possuir o amante Kichizo Ishida (Tatsuya Fuji), um sentimento intenso de posse, de não deixar respirá-lo. O início do filme já apresenta um roteiro que evidencia as sutilezas deste ambiente erotizado, libertário e fetichista, com um apelo bem forte ao voyeurismo na qual empregadas e gueixas observam corpos nus em cenas de sexo. Kichizo é casado. Sada é empregada na casa dele. Um dia ela espia às escondidas os patrões fazendo amor com aflorado prazer. Ela olha na genitália do patrão e, a partir daí, há o desenrolar da aproximação. O roteiro já indica que o pênis será o objeto do desejo dela, em constantes closes. Ele flerta com ela, chega a ser invasivo como um escrachado assediador sexual observando as nádegas dela enquanto ela limpa a casa, mas ela cede e começa o relacionamento dos amantes. Convém observar que há cenas que evidenciam que Sada Abe tem 'pavio curto', empunha facas e agride pessoas, estas são pistas que antecipam o quão audaciosamente violenta ela pode ser até a resolução final. Já Kichizo gosta de sorrir e rir em momentos que não parecem uma brincadeira (mas ele o faz), além de dar o prazer a Sada Abe como ela bem gosta pois ele ama o frescor da juventude dela, então seu comportamento é serenamente submisso. Sada Abe é quem exerce o poder.
Império dos sentidos é um filme bem mais visual em termos eróticos. Genitálias e cenas de penetração, masturbação, felação, voyeurismo, masoquismo e tentativas de estrangulamento foram abertamente filmadas e há muito uso de closes nos rostos e nas partes íntimas dos amantes, mas tudo tem uma certa "sofisticação" para não cair no vulgar. A diferença é que o cenário da cultura Japonesa, com a delicada musicalidade de seus instrumentos tocados por gueixas, do tradicional figurino de quimonos, da privativa discrição da alcova e do comportamento 'a ser revelado' dos orientais faz com que o filme não caía na pornochanchada ocidental, é uma cultura que costuma não ser facilmente vulgarizada, basta lembrar de como o sexo e o amor são dirigidos em outros filmes do Cinema Asiático. A câmera de Nagisa é conduzida a enfocar a própria obsessão de Sada: como ela dá prazer a Kichizo, como ela o chantageia, como ela o sufoca, como ela tenta estrangulá-lo, como ameaça cortá-lo. O roteiro usa planos que fecham na própria intimidade do casal e nas suas insaciáveis relações sexuais e, também, nas mulheres que servem para compor as ações eróticas que dinamizam a obsessão de Sada: a esposa de Kichizo, a qual Sada Abe não quer que o amante volte a rever sob risco de castrá-lo. As gueixas que, ora são dominadas sexualmente, ora tocam instrumentos, ficam a observar os amantes e dizer-lhes que a sociedade 'local' tem nojo deles, que são insaciáveis e não saem do quarto. Há cenas polêmicas como a do ovo e a do consolo que tendem a chocar os mais tradicionais assim como a da manteiga de O Último Tango em Paris.
Mesmo com as eróticas cenas explícitas e um roteiro que não se apóia em criar diálogos densos e desenvolver uma história mais 'falada', Império dos Sentidos vale a pena ser apreciado por ser uma obra polêmica insurgida em plena década de 70 (o que foi um choque), e pelo comportamento de Sada Abe e como Kichizo não impôs limites a ela. A obsessão é o que interessa, e com ele, a trágica paixão dos amantes e as formas que eles encontram para desfrutar o prazer sexual. Na verdade, eles viviam um pré-guerra que trariam mudanças ao Japão, Sada já se prostituia para sustentar a ambos. A própria inquietação do pré-guerra provocava esta libertação das pulsões do desejo, de um novo 'império dos sentidos', fato que aconteceu em outras épocas históricas transitórias nas quais era necessário refugiar-se na expressão dos sentimentos e dos prazeres. A relação de Sada e Kichizo era bem entre eles, porém não tão convencional já que ele continua com a esposa e ela continua se prostituindo com a aval dele.
A interpretação 'destaque' de Eiko Matsuda é bem convicente porque ela se equilibra na mulher oriental de meiga beleza que oculta uma personalidade passional, pervertida. Ela atua bem na sua incontrolável vulnerabilidade entregue ao amor e sexo sem limites. Para quem conhece melhor a literatura japonesa, por exemplo, entenderá que Sada Abe revela a faceta da passionalidade de seu povo. Eles são mais passionais do que acha a coletividade, e não precisam expor isso escancaradamente como o Ocidente. Não a toa que ela se tornou um mito no Japão e tem seus admiradores. É uma mulher insanamente apaixonada que já segurava o sexo do amante enquanto eles andavam juntos por Tóquio, e dizia claramente frases de proposital efeito para o argumento do desejo obsessivo, como: "não vou largar você até que sinta prazer", "Quero você agora...faça aqui mesmo","Não aguento mais esperar" e, outras que antecipam a tragédia como: "Vou cortá-lo se dormir com sua esposa", "sou capaz de matá-lo a facadas tal ponto que te amo". Em uma das cenas mais obsessivas, Kachizo adormece e Sada passa a noite inteira "segurando-o" porque não conseguiu dormir de tanta felicidade e, Kichizo estava disposto a prover a ela o gozo pleno, satisfazê-la intensamente, mesmo que fosse com sua morte - "Faça o que lhe dá prazer". No final emblemático, a obsessão mancha de sangue mais uma história de amor. Nagisa o finaliza em um clímax tenso e trágico, porém a cena é fotografada com primor poético, imortalizando este casal de amantes na cultura cinematográfica.
Origem: Japão, França
Gênero: Drama
Duração: 109 min
Diretor(a): Nagisa Ôshima
Roteirista: Nagisa Ôshima
Elenco: With Tatsuya Fuji, Eiko Matsuda, Aoi Nakajima
Fico imaginando a dificuldade de escrever esse "texto" e conseguir repassar as emoções que este filme lhe trouxe, apesar, só de ler isso tudo e ver essas imagens, você já fica com uma certa opinião deste filme. Eu fiquei com vontade de assistir, mas ele também não se torna prioridade, não sei explicar, mas o filme é chamativo e ao mesmo tempo, não.
ResponderExcluirÉ mais um daqueles filmes "involuntários" no qual você quer assistir mais pode muito bem adiar as tentativas, entende ?
Mesmo contendo spoilers, eu decidi ler e mais uma vez, esteve brilhante Madame. Me convenceu. rs
Dietrich,
ResponderExcluirNagisa Ôshima é instigante para o pensamento. Junto com Kurosawa, um mestre do cinema japonês. Seus outros filmes: 'Uma Cidade de Amor e esperança','Juventude Desenfreada'e 'Delírio' são dúbios e cheio de significados.Como ocidental, nao saco todas as nuances deste cinema, mas gosto de assistir.
Lindo texto. Tão instigante quanto a película!
Bjs,
Rô
Nunca tinha ouvido falar neste filme, mas parece ser uma experiência interessante. Existem outros filmes orientais bem sexies, como "O Amante" e "Desejo e Perigo", não sei se você assistiu aos dois.
ResponderExcluirAinda não tive a oportunidade de conferir Império dos Sentidos, apesar de já ter lido muito sobre ele. O cinema japonês é mesmo um turbilhão de emoções. E parabéns, pelo texto, passou bem a emoção.
ResponderExcluirbjs
Outra lacuna cinéfila. Já ouvi muitos falarem desse "Império dos Sentidos", mas nunca encontrei para alugar. Mais uma vez, ótimo texto, MaDame. A comparação com "O Último Tango em Paris" só me deixou ainda mais curioso quanto ao filme =)
ResponderExcluirbeijo!
Eu já tinha vontade de ver esse filme, depois do seu texto deu mais vontade ainda, me parece ser muito bom. Gosto desse tipo de filme, assim como você citou, O último tango em Paris é ótimo.
ResponderExcluirVitor Silos
www.volverumfilme.blogspot.com
Outro filme que ainda não vi. No geral só leio críticas negativas deste filme. A sua, como não poderia deixar se ser, me parece mais responsável e equilibrada. Espero poder ver o filme em um futuro próximo.
ResponderExcluirbjs
Crítica magistralmente escrita por quem "absorveu" completamente as várias facetas deste filme único na história do cinema.
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