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Este império pode conter spoilers Império dos Sentidos dirigido e roteirizado por Nagisa Ôshima é considerado um cult erótico do ...

Império dos Sentidos (Ai no Corrida/In the Realm of the Senses) - 1976

Este império pode conter spoilers


Império dos Sentidos dirigido e roteirizado por Nagisa Ôshima é considerado um cult erótico do Cinema Japonês, uma polêmica película com cenas sexuais bem explícitas que divide opiniões antagônicas sobre seu status de Obra de Arte. Há um público seleto que o considera uma das mais corajosas obras do Erotismo cinematográfico, outro público acredita que Nagisa Ôshima entregou uma obra pornô vendida como Cinema culto e, que está longe da competência artística do seu principal contemporâneo, O Último Tango em Paris de 1972. A concordância geral é que o drama erótico resgata bem a veracidade da história de Sada Abe, uma ex-prostituta japonesa que asfixiou seu amante Kichizo Ishida e cortou seu pênis e testículos em 1936, sendo encontrada vagando pelas ruas de Tóquio com os orgãos em suas ensanguentadas mãos. Sada Abe tornou-se um mito cult e sua personalidade passional e trágica história de amor serviram de inspiração ao Cinema e à Literatura. Antes de julgar a carga erótica do filme, é importante assistí-lo e avaliá-lo tomando como base o seu argumento: a obsessão; somente a partir deste foco argumentativo será possível suportar a sessão e não confundí-lo como um filme meramente sexual. Esta é uma história de amor obsessivo, compulsivo e destino à insaciabilidade do desejo, ao prazer levado ao extremo do gozo mortal. Esta é a história de Sada Abe.





Sada Abe (
Eiko Matsuda) é uma mulher obsessiva, ninfomaníaca para a qual não há limites no seu prazer sexual. Esta é sua forma de amar Kichizo e ela o possui insanamente sem medir consequências, deixando de lado a sobriedade mental e o autocontrole de suas paixões carnais. Por trás de seu rosto delicado, há uma agressividade em possuir o amante Kichizo Ishida (Tatsuya Fuji), um sentimento intenso de posse, de não deixar respirá-lo. O início do filme já apresenta um roteiro que evidencia as sutilezas deste ambiente erotizado, libertário e fetichista, com um apelo bem forte ao voyeurismo na qual empregadas e gueixas observam corpos nus em cenas de sexo. Kichizo é casado. Sada é empregada na casa dele. Um dia ela espia às escondidas os patrões fazendo amor com aflorado prazer. Ela olha na genitália do patrão e, a partir daí, há o desenrolar da aproximação. O roteiro já indica que o pênis será o objeto do desejo dela, em constantes closes. Ele flerta com ela, chega a ser invasivo como um escrachado assediador sexual observando as nádegas dela enquanto ela limpa a casa, mas ela cede e começa o relacionamento dos amantes. Convém observar que há cenas que evidenciam que Sada Abe tem 'pavio curto', empunha facas e agride pessoas, estas são pistas que antecipam o quão audaciosamente violenta ela pode ser até a resolução final. Já Kichizo gosta de sorrir e rir em momentos que não parecem uma brincadeira (mas ele o faz), além de dar o prazer a Sada Abe como ela bem gosta pois ele ama o frescor da juventude dela, então seu comportamento é serenamente submisso. Sada Abe é quem exerce o poder.








Império dos sentidos é um filme bem mais visual em termos eróticos. Genitálias e cenas de penetração, masturbação, felação, voyeurismo, masoquismo e tentativas de estrangulamento foram abertamente filmadas e há muito uso de closes nos rostos e nas partes íntimas dos amantes, mas tudo tem uma certa "sofisticação" para não cair no vulgar. A diferença é que o cenário da cultura Japonesa, com a delicada musicalidade de seus instrumentos tocados por gueixas, do tradicional figurino de quimonos, da privativa discrição da alcova e do comportamento 'a ser revelado' dos orientais faz com que o filme não caía na pornochanchada ocidental, é uma cultura que costuma não ser facilmente vulgarizada, basta lembrar de como o sexo e o amor são dirigidos em outros filmes do Cinema Asiático. A câmera de Nagisa é conduzida a enfocar a própria obsessão de Sada: como ela dá prazer a Kichizo, como ela o chantageia, como ela o sufoca, como ela tenta estrangulá-lo, como ameaça cortá-lo. O roteiro usa planos que fecham na própria intimidade do casal e nas suas insaciáveis relações sexuais e, também, nas mulheres que servem para compor as ações eróticas que dinamizam a obsessão de Sada: a esposa de Kichizo, a qual Sada Abe não quer que o amante volte a rever sob risco de castrá-lo. As gueixas que, ora são dominadas sexualmente, ora tocam instrumentos, ficam a observar os amantes e dizer-lhes que a sociedade 'local' tem nojo deles, que são insaciáveis e não saem do quarto. Há cenas polêmicas como a do ovo e a do consolo que tendem a chocar os mais tradicionais assim como a da manteiga de O Último Tango em Paris.


Mesmo com as eróticas cenas explícitas e um roteiro que não se apóia em criar diálogos densos e desenvolver uma história mais 'falada', Império dos Sentidos vale a pena ser apreciado por ser uma obra polêmica insurgida em plena década de 70 (o que foi um choque), e pelo comportamento de Sada Abe e como Kichizo não impôs limites a ela. A obsessão é o que interessa, e com ele, a trágica paixão dos amantes e as formas que eles encontram para desfrutar o prazer sexual. Na verdade, eles viviam um pré-guerra que trariam mudanças ao Japão, Sada já se prostituia para sustentar a ambos. A própria inquietação do pré-guerra provocava esta libertação das pulsões do desejo, de um novo 'império dos sentidos', fato que aconteceu em outras épocas históricas transitórias nas quais era necessário refugiar-se na expressão dos sentimentos e dos prazeres. A relação de Sada e Kichizo era bem entre eles, porém não tão convencional já que ele continua com a esposa e ela continua se prostituindo com a aval dele.





A interpretação 'destaque' de Eiko Matsuda é bem convicente porque ela se equilibra na mulher oriental de meiga beleza que oculta uma personalidade passional, pervertida. Ela atua bem na sua incontrolável vulnerabilidade entregue ao amor e sexo sem limites. Para quem conhece melhor a literatura japonesa, por exemplo, entenderá que Sada Abe revela a faceta da passionalidade de seu povo. Eles são mais passionais do que acha a coletividade, e não precisam expor isso escancaradamente como o Ocidente. Não a toa que ela se tornou um mito no Japão e tem seus admiradores. É uma mulher insanamente apaixonada que já segurava o sexo do amante enquanto eles andavam juntos por Tóquio, e dizia claramente frases de proposital efeito para o argumento do desejo obsessivo, como: "não vou largar você até que sinta prazer", "Quero você agora...faça aqui mesmo","Não aguento mais esperar" e, outras que antecipam a tragédia como: "Vou cortá-lo se dormir com sua esposa", "sou capaz de matá-lo a facadas tal ponto que te amo". Em uma das cenas mais obsessivas, Kachizo adormece e Sada passa a noite inteira "segurando-o" porque não conseguiu dormir de tanta felicidade e, Kichizo estava disposto a prover a ela o gozo pleno, satisfazê-la intensamente, mesmo que fosse com sua morte - "Faça o que lhe dá prazer". No final emblemático, a obsessão mancha de sangue mais uma história de amor. Nagisa o finaliza em um clímax tenso e trágico, porém a cena é fotografada com primor poético, imortalizando este casal de amantes na cultura cinematográfica.


Avaliação MaDame Lumière




Título original: Ai no Corrida
Origem: Japão, França
Gênero: Drama
Duração: 109 min
Diretor(a): Nagisa Ôshima
Roteirista: Nagisa Ôshima
Elenco: With Tatsuya Fuji, Eiko Matsuda, Aoi Nakajima

8 comentários:

  1. Fico imaginando a dificuldade de escrever esse "texto" e conseguir repassar as emoções que este filme lhe trouxe, apesar, só de ler isso tudo e ver essas imagens, você já fica com uma certa opinião deste filme. Eu fiquei com vontade de assistir, mas ele também não se torna prioridade, não sei explicar, mas o filme é chamativo e ao mesmo tempo, não.
    É mais um daqueles filmes "involuntários" no qual você quer assistir mais pode muito bem adiar as tentativas, entende ?
    Mesmo contendo spoilers, eu decidi ler e mais uma vez, esteve brilhante Madame. Me convenceu. rs

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  2. Dietrich,

    Nagisa Ôshima é instigante para o pensamento. Junto com Kurosawa, um mestre do cinema japonês. Seus outros filmes: 'Uma Cidade de Amor e esperança','Juventude Desenfreada'e 'Delírio' são dúbios e cheio de significados.Como ocidental, nao saco todas as nuances deste cinema, mas gosto de assistir.

    Lindo texto. Tão instigante quanto a película!

    Bjs,

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  3. Nunca tinha ouvido falar neste filme, mas parece ser uma experiência interessante. Existem outros filmes orientais bem sexies, como "O Amante" e "Desejo e Perigo", não sei se você assistiu aos dois.

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  4. Ainda não tive a oportunidade de conferir Império dos Sentidos, apesar de já ter lido muito sobre ele. O cinema japonês é mesmo um turbilhão de emoções. E parabéns, pelo texto, passou bem a emoção.

    bjs

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  5. Outra lacuna cinéfila. Já ouvi muitos falarem desse "Império dos Sentidos", mas nunca encontrei para alugar. Mais uma vez, ótimo texto, MaDame. A comparação com "O Último Tango em Paris" só me deixou ainda mais curioso quanto ao filme =)

    beijo!

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  6. Eu já tinha vontade de ver esse filme, depois do seu texto deu mais vontade ainda, me parece ser muito bom. Gosto desse tipo de filme, assim como você citou, O último tango em Paris é ótimo.

    Vitor Silos
    www.volverumfilme.blogspot.com

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  7. Outro filme que ainda não vi. No geral só leio críticas negativas deste filme. A sua, como não poderia deixar se ser, me parece mais responsável e equilibrada. Espero poder ver o filme em um futuro próximo.
    bjs

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  8. Crítica magistralmente escrita por quem "absorveu" completamente as várias facetas deste filme único na história do cinema.

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