O Bem Amado, obra icônica da teledramaturgia Brasileira e escrita por Dias Gomes foi um marco como novela no seu lançamento em 1973, em cores em caráter inédito. Baseada na obra teatral do mesmo autor, Odorico - O Bem Amado (1962) criou um tipo de político corrupto, verborrágico, mentiroso e engenhosamente adepto a planos astutos para privilégios próprios: Odorico Paragaçu, a figura legendária do prefeito de Sucupira, interpretado formidavelmente por um dos melhores atores da TV, Paulo Gracindo. A atemporalidade e funcionalidade de O Bem Amado para os dias atuais está em seu conteúdo satírico, de branda crítica política do Brasil, considerando que Odorico Paragaçu é tão bem amado que têm seguidores políticos até hoje cujos comportamentos enganadores e fraudulentos refletem os ensinamentos do prefeito de Sucupira.
Encabeçam no time de produção, direção e roteirização desta renovada adaptação para o Cinema, respectivamente, a toda poderosa produtora Paula Lavigne, o diretor de núcleo da TV Globo e cineasta Guel Arraes e o roteirista Claudio Paiva (de A Grande Família). Complementando a equipe, o elenco tem competência e experiência em Cinema Brasileiro e a maioria é cria do staff Global: Marco Nanini (Odorico Paragaçu), José Wilker (Zeca Diabo), Matheus Nachtergaele (Dirceu Borboleta), Andréa Beltrão, Drica Moraes, Zezé Polessa (as irmãs Cajazeiras), Tonico Pereira (Wladimir), Caio Blat (Neco), Maria Flor (Violeta), Bruno Garcia (Ernesto) e o bêbado Moleza (Edmilson Borges, ótimo). No enredo, localizado cronologicamente entre a Ditadura Militar e as Diretas Já, Odorico Paragaçu vence as eleições de Sucupira e assume o poder local. Cria um projeto de construir um cemitério na cidade, porém não consegue inaugurá-lo porque não morre ninguém em Sucupira. À procura de um defunto para o coletivo mausoléu surucupiano, Odorico Paragaçu elabora uma série de artimanhas para cumprir o seu retórico discurso corrupto e vazio, impregnado da verborragia de novos adjetivos e advérbios que matam a Língua Portuguesa gratuitamente, com muita lorota. Longe de substituir o Odorico de Paulo Gracindo, Marco Nanini, como um excelente ator Brasileiro, se esforça bastante em personificar um homem metido à esperto mas preso à preguiga governamental e ao seu escritório na prefeitura. Ele derrama toda a sorte de neologismos em cena por falta de um texto mais criativo e menos cansativo, no final, fatiga o expectador não por incompetência interpretativa mas porque o colocaram em um papel ingrato, o de um político oportunista, farsante e predador social que não tem nada a acrescentar ao discurso, e muito menos à ação deste roteiro.
O Bem Amado tem uma previsibilidade como material cinematográfico não porque advém de uma referência prévia e bem sucedida da teledramaturgia Global, mas porque tem o estilo barroco Nordestino de Guel Arraes que já produziu comédias, com base metalinguística no Teatro como as adaptadas obras o Auto da Compadecida (2000, de Ariano Suassuna, e um excelente trabalho) e Lisbela e O Prisioneiro (2003, de Osman Lins), todas com produção da Natasha Filmes, e as já costumeiras parcerias da Globo Filmes, Petróbras e outras empresas patrocinadoras. Com a apaixonante veia de trazer as obras teatrais e valorizar o legado linguístico e cultural do Brasil à tela grande, Guel Arraes é um cineasta que se conecta afetivamente com os Brasileiros que apreciam suas comédias de ligeiro entretenimento, por isso, para os já avisados e adoradores da filmografia de Arraes, O Bem Amado é diversão leve e garantida, capaz de tirar-lhes algumas risadas mesmo com a limitação do roteiro que tem muito de TV e que se sustenta por um prefeito ridículo que persegue um defunto para um cemitério ao invés de correr atrás de seu papel como homem eleito pelo povo. O que esperar de uma projeção desta? Muito pouco, a não ser rir da própria fatalidade da política Brasileira e como Odorico Paragaçu a representa. Para isso, Claúdio Paiva foi escalado porque ele faz ótimo humor, como em TV Pirata, Sai de Baixo e A Grande Família; O Bem Amado precisava muito mais de um humorista e de nenhum experiente roteirista de Cinema.
O bem da verdade é que a fórmula de Guel Arraes é como a faca de dois gumes Funciona a favor ou contra, corta para os dois lados. Se por um lado, agrada por incluir o expectador neste saudosista ambiente nordestino (novamente), cheio de dizeres tão locais, a caracterização de um cenário escapista de risos debochados, uma viagem a uma cidadezinha interiorana cuja primeira parada é em uma locação de novela global ; por outro lado, frusta os mais exigentes e que esperam mais do Cinema Brasileiro, principalmente sua separação das referências da telenovela e de roteiros fracos que não aprofundam tramas e reflexões (por conta do registro da obra cinematográfica que ainda é muito novelístico). Em O Bem Amado, a faca de dois gumes se torna uma peixeira de dois gumes porque há uma obra forte na teledramaturgia que foi bem funcional para a TV, e não precisava ir para o Cinema com um orçamento de 8 milhões de Reais, que poderia ter sido investido em um material 100% inédito. A novela fez história, contou com um Paulo Gracindo espetacular, um Emiliano Queiroz e Lima Duarte idem, e embora o filme de Guel Arraes não é um remake da Sétima Arte, comparações existirão e elas não servem para nada. Por que?
Já usando um advérbio em homenagem à Odorico Paragaçu, 'primeiramente e muito emboramente', Guel Arraes não inova em seu estilo de fazer Cinema, se embrenha em retalhar o roteiro com material jornalístico da época de Jânio Quadros, João Goulart e Tancredo Neves, coloca algumas cenas soltas e dispensáveis como a do romance de Maria João e Caio Blat e das irmãs cajazeiras correndo atrás do prefeito viúvo e mulherengo, usa como muleta um texto que prioriza à exaustão o tom verborrágico de Odorico Paragaçu, o argumento de O Bem Amado é nobre mesmo em sua caricatura e fragilidade. O fato de Odorico Paragaçu se empenhar tanto em um projeto tolo e inútil de construção de cemitério não está relacionado somente às fraudes como desvio de verbas e propinas,mas porque é exatamente o que acontece no Brasil até hoje, ou seja, não se coloca esforços governamentais em questões de interesse público, de desenvolvimento sócio-econômico; além disso as esferas de direita e esquerda já têm tênues ou nenhuma fronteira ideológica, mandatos dos políticos são conduzidos como meros trampolins individualistas e cada um deles cuida de seu próprio feudo, dane-se o povo. A ironia é ver que a imprensa, representada por Wladimir do jornal A Trombeta (Tonico Pereira) também se corrompõe, o bandido matador de aluguel Zeca Diabo (José Wilker) é o anti-herói regenerado da história e vira um mocinho, e o alcoolizado coveiro Moleza (Edmilson Borges) apoia o prefeito quanto mais a cachaça desce guela abaixo e uns trocados extras no bolso; por isso, o estereótipo de Odorico Paragaçu é contemporâneo e seu projeto de governo é uma piada o levando a ridicularização extrema até o tiro sair pela culatra, e comprova que ele fez escola a ponto de descobrirmos que Sucupira não é nada mais que a metáfora do Brasil. Com este elemento de que a Arte imita a vida (e a vida imita a Arte), e em véspera de eleições, O Bem Amado - O filme pode ser bem amado, nos fazer rir do nosso país e ainda mostrar mais uma vez que, ao longo de décadas, o Brasil não evoluiu quase nada em seus perfis de políticos e muito menos em quem votar.
Gênero(s): Comédia
Duração: 110 min
Diretor(a): Guel Arraes
Roteirista(s): Guel Arraes e Claúdio Paiva , baseado na obra de Dias Gomes 'O Bem Amado'
Elenco: Marco Nanini, Andréa Beltrão, Zezé Polessa, Drica Moraes, Matheus Nachtergaele, Tonico Pereira, Maria Flor, Caio Blat, Bruno Garcia, José Wilker
Ótimo texto Madame, ótimo mesmo. Ainda não conferi "O Bem Amado", e talvez nem veja no cinema, mas é um filme que tenho certa curiosidade em conferir. Paraguaçu, já pode se dizer que entrou na história do Brasil, afinal é um personagem fictício muito bem lembrado por todos os brasileiros, seja pelo sucesso na televisão ou agora no cinema. Aprovitando, não esperava que "O Bem Amado" fizesse tanto sucesso no cinema, como está fazendo isso mostra o poder deste personagem e de Guel Araes.
ResponderExcluirAgora, Madame, vendo no último parágrafo, uma coisa é certa: os políticos do Brasil sempre foram que são hoje, e pelo visto a política do Brasil vai continuar sendo uma piada.. O que é uma pena.
Abs.
Supinpa Madame!
ResponderExcluirEu gosto muito da Obra do Dias Gomes, alias toda a obra do cara que foi mais abençoado nas teledramaturgias por Aguinaldo Silva.
Não fiquei muito ansioso por esta nova adaptação, mas pelo o teor de seu texto que aborda o deboche político e a burrice brasileira em seus políticos, rs! Vale um espiada, só que no DVD.
Dias Gomes é pra ser apreciado na telinha!
Bjs,
Rô
Olá Alan,
ResponderExcluirÉ isso mesmo! Paragaçu é um homem que está replicado na política Brasileira, e muito de seu sucesso é este espelho que, mostra uma imagem 'humana' feia, mas com a sátira do ótimo Dias Gomes, tornou-se uma imagem muito mais divertida(e até bonitinha de se ver).
bjs!
Oi Rô,
ResponderExcluirGostei do seu 'supinpa' haha!
Dias Gomes é realmente um cara abençoado na teledramaturgia Brasileira. Só o trio Pagador de Promessas, O Bem Amado e Roque Santeiro já mostra que isso sim era texto para a TV, não o que vemos hoje, não é mesmo?
Eu sinto saudades de Roque Santeiro e o sinhôzinho Malta, a viúva Porcina hehe... eu não sou tão velha assim, mas lembro-me deles, rs!
Eu gostei de O bem Amado. Como material cinematográfico, deixou a desejar no desenvolvimento do roteiro, mas não sei se tinha muito a ser feito, sabe? O que vale é dar risada ao invés de chorar e, sem dúvidas, há bons momentos de diversão no filme.
bjs!