Charlie (Chris Henry Coffey), o criminoso sexual, é bem caracterizado a partir de uma aparência comum e patética, uma voz mansa e manipuladora, mais um Zé ninguém que oculta um psicopata. Através das falas nos chats e de como ele a aborda e a leva para o motel, o personagem dele é bem asqueroso, porém de uma forma discreta, exatamente como ocorrem nos noticiários. Tal caracterização dele é um acerto do roteiro porque os pedófilos são cínicos tarados sexuais que ganham a confiança da vítima como se fossem "bonzinhos". Podem ser os homens mais ordinários do cotidiano, como aqueles que ninguém desconfia que são o que são. Embora o desfecho do filme tenha sido abrupto em termos de ritmo da narrativa, ele deixa claro que o criminoso sexual pode ser qualquer um, inclusive um pai de família respeitado pela comunidade.
As atuações de Clive Owen e Catherine Keener são muito boas porque a escolha por eles foi positiva, além do mais há a presença ilustre de Viola Davis como a assistente social que, com sábias e simples perguntas, esmiuça o quadro de negação da vítima. Clive, com seu estilo truculento e de fisionomia intempestiva quando fica nervoso, exerce bem o papel de pai revoltado, que deseja fazer justiça com as próprias mãos. Catherine é a cereja do bolo no filme, ainda que seu personagem não ganhe um desenvolvimento muito denso, vê-la na tela é sempre um bel prazer. Como uma grandiosa atriz indie, sua participação coadjuvante é centrada, madura e dramática, tudo na medida certa. Ambos ressaltam que os pais tem emoções distintas e contraditórias perante o problema: podem se desesperar e fazer algo insano, podem se tornar mais protetores, se sentirem culpados ou não saberem o que fazer. De fato, ter um(a) filho(a) vítima de abuso sexual é doloroso e sempre traz muitas questões nevrálgicas: Eu protegi meu filho como deveria? Ele confiou em mim? Por que ele se aproximou de um desconhecido e deu espaço a intimidades? No geral, o filme é bom ao enquadrar algumas cenas que lançam essas questões que levam à reflexão. Infelizmente as questões não são evoluídas em sua profundidade, o que tornaria o filme excepcional com o assunto tão delicado e contemporâneo.
Por outro lado, não se pode esquecer que Confiar ainda é um filme mais comercial com excelente elenco. Sua intenção não é tornar o drama mais drama e adentrar a psicopatia de um criminoso sexual, esmiuçando a sujeira do abuso de menores. Percebe-se que a película é mais convencional e funcional, com os devidos clichês. Ela expõe o 'processo' de como ocorre na prática quando duas pessoas se conhecem na internet e uma delas é abusada: Uso de planos com as legendas das transcrições de chats, conversas de flerte em celular e telefone, encontro às escuras, mentiras perdoadas, abuso e vergonha, etc. Logo mais, há o envolvimento da polícia, da assistente social, do bullying na escola etc.
Sem dúvidas, a parte mais interessante do filme é a negação da vítima de abuso sexual. Neste contexto, Annie não acredita que o criminoso é um criminoso, principalmente quando ouve uma troca de confidências e confiança entre eles. Para ela, Charlie a valorizava e a amava. Ela era única. Acreditar nessa mentira só ressalta que ele a enganou com a mais degradante hipocrisia. Também a película acerta ao não ser tão maniqueísta com o tema, ou seja, Annie deu abertura de sua vida à Charlie e isso pode acontecer com qualquer um, pois as pessoas se iludem e são traídas. Ainda que seja uma jovem imatura, como é comum na internet, ela trocou intimidades até mesmo de fantasias sexuais com um estranho. Há algumas vítimas que acham que são amadas pelos canastrões que as abusaram. É aí que mora o perigo. A narrativa constrói e desconstrói a negação dela de uma maneira tênue e exemplar, que reflete a realidade de alguns casos pós traumáticos de abuso sexual, no qual a vítima tinha uma relação afetuosa com o criminoso. É mais traumático negar a quebra da confiança do que ser enganada.
Confiar garante uma boa sessão, tratando de forma mais leve um assunto pesado. No desfecho, a lição que fica é solidarizar-se com a dor de Annie, não somente pelo abuso em si, mas porque ela só deseja o que é intríseco ao ser humano: ser aceito, amado e desejado. Querer isso tem consequências boas e ruins. Assim, a bela canção tema, My Declaration, de Tom Baxter resume a personagem de Annie e é comovente, bem inserida na trilha sonora. Verdadeiramente, Annie não queria se esconder. Ela queria superar a sua autoestima e ser mais madura. Depois do ocorrido, muito mais, ela terá que ser forte como tantas crianças e jovens que vivenciaram esse drama. Infelizmente, as pessoas se ferem quando querem crescer. Elas se ferem quando querem Confiar.
País/Ano: EUA/ 2010
Diretor : David Schwimmer
Roteirista: Andy Bellin, Robert Festinger
Elenco: Liana Liberato, Clive Owen, Catherine Keener, Viola Davis etc.
A trama desse filme é das mais interessantes e acho muito curioso que o David Schwimmer, praticamente, depois de "Friends", se dedica bem mais à carreira como diretor. Eu ainda não consegui achar um bom horário pra assistir a este filme, mas espero poder pegá-lo qualquer dia desses no Telecine Premium!
ResponderExcluirNão confiei (com o perdão do trocadilho) nesta obra do eterno Ross na posição de diretor. Na época, pouco se ouviu falar e um amigo que assistiu disse ser apenas um filme morno e de caráter moralista. Acho o tema muito delicado e polêmico, se fosse ver, seria por isso. Voltou com tudo em, Madame? Que ótimo! =)
ResponderExcluirFiquei com raiva da protagonista em diversos momentos, rs Mas realmente é um bom filme e bastante válido sobre o assunto!
ResponderExcluirAinda não assisti o filme, mas neste caso até vejo o lado comercial do filme com bons olhos. O tema precisa ser tratado mais abertamente nos seios familiares e na escola e um filme acaba funcionando como uma abertura para o diálogo. Ainda pretendo assisti-lo, amigos que viram gostaram bastante...
ResponderExcluirhttp://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/07/compramos-um-zoologico.html