Ang Lee, cineasta chinês, renomado pelo polêmico O Segredo de Brokeback Mountain que conta a história de um amor homossexual retorna agora às suas origens orientais. Desta vez, dirigindo Desejo e Perigo, baseado na obra Se, Je de uma das mais populares e respeitadas escritoras chinesas, Eileen Chang . A história é um thriller político com um enredo consolidado no romance eruptivo entre a jovem Mak (Wei Tang) e o matador Sr. Yee (Tony Leung Chiu Wai) que se envolvem em uma tórrida e paradoxal história de amor, capaz de impactar nossas convicções a respeito dos jogos de poder, sexo, paixão, política, traição e amor.
Mak é o nome fictício de Wang Jiazhi, uma jovem que, durante o período de ocupação japonesa na China ocorrido após a segunda Guerra Mundial, está vivendo seu período universitário e conhecendo os militantes patriotas da faculdade. Embora imatura e ingênua, ela se envolve com o teatro para arrecadar fundos à resistência e rapidamente é ovacionada como ótima atriz, conquistando mais ainda o grupo de reacionários que, com ela, acabam por formar um tipo de família patriótica revoltada com a ação dos japoneses, lutando pela China acima de qualquer perigo. As ações deste grupo eram muito mais arriscadas, tanto que eles planejam se vingar de um dos traidores da China, Sr. Yee, um aliado dos japoneses, um homem frio, um assassino quase inacessível. Wang, tomada pelo impulso de apoiar seu grupo e privilegiada por seus dotes artísticos de interpretação, beleza e carisma, acaba se tornando a peça chave para esta vingança. A idéia é que ela seduza Sr. Yee, se infiltre na casa dele como espiã, conheça sua esposa (Joan Chen) e se torne amiga dela, ganhe a confiança da família e se torne a amante de Yee para então ajudar o grupo a exterminá-lo.
Desejo e Perigo pode ser analisado sob vários aspectos, desde políticos, afetivos, sociais, psicológicos, etc porque Ang Lee é um gênio e um diretor investigativo que deseja que sejamos impactados pela sua mensagem e, entendo que estes dois últimos filmes dele têm um objetivo bem marcado de colocar perante o público o desafio de avaliar quem somos, na mais pulsante carne viva, no mais ambíguo pensamento, inclusive os desejos que se esbarram com as convenções sociais e as aparentes obrigações coletivas e individuais. Gosto desta perspectiva, deste tipo de choque que tira a máscara do nosso eu, porque, no fundo, somos complexos demais e, com a razão, há uma emoção e, com o consciente, há um inconsciente que a nós são muito individuais. Por isso, farei um compilado geral sobre o quanto o filme impactou meus pensamentos a respeito do comportamento humano frente aos conflitos do drama, em especial, o de Mak e Sr. Yee.
O que domina o relacionamento entre Mak e Sr. Yee e torna o filme impactante é um tipo de paradoxo do relacionamento entre ambos, que no ápice do filme e mais adiante superará, por parte de Mak, seus ideais políticos e a entregará à morte. Ela é uma rebelde da ordem, uma espiã, uma vítima marcada por uma transformação política de ocupação de seu país e as consequentes traumáticas mudanças. Ele é o traidor de seu país, o vilão, o alvo que ela tem que ajudar a matar, até mesmo para ser uma mulher livre. Logo, há uma tensão psicológica na personagem de Mak à qual ela não esperava que é exatamente o seu tórrido relacionamento com Yee e a violência psicológica na qual se encontra. Movida por suas ambições patrióticas e sua lealdade com o grupo ela jamais imaginaria que se encontraria no meio deste "tiroteio emocional". No início do filme, ela se sente atraída pelo seu líder ( Wang Lee Hom) e eles não vivem este amor por um ideal maior que suas próprias realizações individuais, o coletivo se torna prioritário. Ainda que juntos até o fim no plano de matar Sr. Yee, há uma tensão na forma que se olham, como se palavras precisassem ser ditas, mas nunca serão ditas. Juro que, por cenas e cenas entre estes dois belos jovens, estivesse com o coração na mão, principalmente no início do filme quando ele deixa um colega deles desvirginá-la para que ela pudesse aprender como "lidar com um homem na cama" antes de se envolver com Sr. Yee. Isso dá uma idéia nítida do tipo de dano psicológico que Mak teve que lidar para levar o plano do grupo adiante.
Mak acaba encontrando a atenção nos próprios braços do inimigo, ainda que isso pareça doentio. Cada vez mais Mak se envolve com Sr. Yee em um relacionamento marcado pela intensidade do sexo e da violência, mas também marcado pela paixão feroz de um precisar do outro à medida que o prazer latejante, impulsivo, louco os deixam cada vez mais próximos, afinal, penso que eles são dois melancólicos e solitários que, à parte de seus papéis sociais, encontram no sexo o gozo que abre uma porta para uma vida mais suportável.Neste paradoxo dos sentimentos, de dar prazer ao inimigo para atingir-se um objetivo coletivo, mas entrar em choque com a transitória felicidade da paixão, o prazer carnal , as convicções políticas e a lealdade ao grupo e a impossibilidade de viver esta mesma paixão está o drama de Mak, por isso, embora o filme esteja recheado de cenas sexuais de bastante realismo com a magnífica fotografia de Rodrigo Pietro e a esplêndida música do queridinho über músico Alexandre Desplat, acho esta problemática sublime.
Embora não queira entrar em questões psicanalíticas na análise deste filme porque eu precisaria investigá-lo mais profundamente e em detalhes, é relevante comentar o que penso sobre este sentimento paradoxal de Mak sob esta perspectiva. Ela, desde o início do filme, é uma jovem com um pai ausente que vive na Inglaterra com outra família, logo ela não tem qualquer referência masculina real em sua vida, é como uma orfã, além disso não tem um relacionamento amoroso sólido e nem a possibilidade de vivê-lo livremente neste enredo. O amor à pátria acaba sendo o amor de filha para com o pai o que, na Psicanálise, seria o amor por um pai coletivo, o mesmo que nutrimos pelo nosso país, pelo nosso governo, etc. Este amor se choca à medida que ela também encontra um tipo de pai "humano", nos braços de Sr. Yee. Toda a pulsão sexual , de seus desejos não vivenciaods, é canalizada neste pai que a realiza sexualmente e, digamos, afetivamente. De um mau pai, às vezes severo e ríspido, inclusive a violentando sexualmente em uma das cenas, ele passa a ser um homem que cuida dela e que, de certa forma, a ama, um amor que ela nunca encontrou nos braços de nenhum homem.
Mais adiante, este choque se agrava porque Sr. Yee vê em Mak sua verdadeira amante, a Gueixa a entretê-lo e dar um pouco de felicidade à um coração calejado por viver a morte de matar os outros e, indiretamente, a morte de si próprio, vivo mas melancólico, reservado, desconfiado e sem amigos. Há uma cena lindíssima em um restaurante japonês na qual Mak canta uma canção a eles, como de amor. A partir de então, ela ganha um anel caríssimo e exclusivo de 6 quilates feito sob medida somente para ela, o que a faz, tocada por tal gesto e, em definitivo, pedir para ele fugir, praticamente neste momento o salvando e a entregando à morte como uma bela tragédia. Ele, ainda que angustiado, cumpre o seu brutal papel social e ordena a morte dela e de todos os aliados de Mak em uma pedreira, a serem enterrados em um grande abismo como mortos desaparecidos.
Este conflito acaba nos violando porque ficamos a pensar como agiríamos nesta situação e, principalmente, como pode um homem tão violento ter também um coração que parece se resignar em alguns momentos do filme. Há cenas magníficas do magnífico Tony Leung Chiu Wai em uma interpretação arrebatadora, nas quais é possível odiá-lo e também simpatizar com ele. Com tudo isso, será que é possível encontrar vida no gozo tão próximo à morte? Será que é possível ter prazer com um homem /uma mulher sem escrúpulos, nele(a) encontrar a perdição e a salvação? Será que é possível se estabilizar no prazer que desestabiliza insanamente os desejos mais profundos e vorazes? Acredito que sim, enlouquecemos no sexo prazeroso como uma forma de encontrar um pouco de cura para a dor da alma, a fome de amar e ser amado, nele encontramos o (re)viver dos nossos desejos mais ocultos e mais individualistas, esquecendo entre quatro paredes, em minutos ou horas, qualquer papel social a ser desempenhado. Por isso, entendo o paradoxo deste casal que de tão inimigos se tornam tão íntimos. Percebo como Sr. Yee é vulnerável como qualquer ser humano, um homem reduzido à solidão em uma China em transformação que, assim como Mak, viu no desejo e no perigo alguma companhia.
Título Original:Lust, Caution/ Se, JeOrigem: Estados Unidos, China e TaiwanGênero(s): Drama, SuspenseDuração: 157 minDiretor(a): Ang LeeRoteirista(s):Eileen Chang, James Schamus, Hui-Ling WangElenco: Tony Leung Chiu Wai, Wei Tang, Joan Chen, Lee-Hom Wang, Chung Hua Tou, Chih-ying Chu, Ying-hsien Kao, Yue-Lin Ko, Johnson Yuen, Kar Lok Chin, Su Yan, Caifei He, Ruhui Song, Anupam Kher, Liu Jie
Perfeita a critica Madame. Cobriu muito bem os conflitos propostos pelo filme de Lee,e que de algum modo se reverbera em toda a sua obra. Gostei especialmente da parte em que expõe seu pensamento sobre a natureza, e os benefícios da relação que Mak e Yee travam. Sobre os efeitos do sexo e da forma como fazem sexo na vida deles. " penso que eles são dois melancólicos e solitários que, à parte de seus papéis sociais, encontram no sexo o gozo que abre uma porta para uma vida mais suportável". O que já ocorria em Brokeback mountain. É o conflito entre o amor e as convenções sociais. Bjs
Obrigada Reinaldo. Exatamente este conflito também se dá no amor de dois homems em O Segredo de Brokeback Mountain. Lembro que eles dois ficaram sozinhos naquelas montanhas e, dali também surgiu o imbrecável desejo do sexo, mais abrupto, sedento.(nunca me esqueço haha, da pegada tensa deles). No fundo, Ang Lee adora expor isso, o vívido desejo das carnes que logo mais estarão sofrendo mais ainda o conflito do amor.
Primeiramente, quero dizer que amei o seu blog e a critica mais ainda! Amo filmes, amo Ang Lee e Tony Leung mais ainda... Esse filme é inexplicavel, fiquei pasma, fiquei pedrificada, boquiaberta... Desejo e Perigo é excelente!
Bjão querida! Sucesso... Estou seguindo o seu blog...
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Perfeita a critica Madame. Cobriu muito bem os conflitos propostos pelo filme de Lee,e que de algum modo se reverbera em toda a sua obra. Gostei especialmente da parte em que expõe seu pensamento sobre a natureza, e os benefícios da relação que Mak e Yee travam. Sobre os efeitos do sexo e da forma como fazem sexo na vida deles. " penso que eles são dois melancólicos e solitários que, à parte de seus papéis sociais, encontram no sexo o gozo que abre uma porta para uma vida mais suportável".
ResponderExcluirO que já ocorria em Brokeback mountain. É o conflito entre o amor e as convenções sociais.
Bjs
Obrigada Reinaldo. Exatamente este conflito também se dá no amor de dois homems em O Segredo de Brokeback Mountain. Lembro que eles dois ficaram sozinhos naquelas montanhas e, dali também surgiu o imbrecável desejo do sexo, mais abrupto, sedento.(nunca me esqueço haha, da pegada tensa deles). No fundo, Ang Lee adora expor isso, o vívido desejo das carnes que logo mais estarão sofrendo mais ainda o conflito do amor.
ResponderExcluirBeijos da madame!
Primeiramente, quero dizer que amei o seu blog e a critica mais ainda!
ResponderExcluirAmo filmes, amo Ang Lee e Tony Leung mais ainda... Esse filme é inexplicavel, fiquei pasma, fiquei pedrificada, boquiaberta... Desejo e Perigo é excelente!
Bjão querida!
Sucesso...
Estou seguindo o seu blog...
Olá Elaine,
ResponderExcluirObrigada pela sua visita e por ter amado o MaDame Lumière. Volte sempre, okay!?
Gosto do Ang Lee. Tony Leung está demais e esse filme merece ser visto e revisto várias vezes. Gostei desta irresistível atração entre eles!
Bjs!