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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Um Mundo Triste e Belo: O amor como ruína e resistência em um país à beira do colapso
O cinema, em seu poder de transcender o caos, oferece narrativas que nos lembram da persistência do afeto em cenários hostis. O filme libanês Um Mundo Triste e Belo (A Sad and Beautiful World), destaque na Mostra SP e indicado oficialmente pelo Líbano ao Oscar 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional, é dirigido por Cyril Aris em sua estreia na direção de um longa-metragem de ficção. Protagonizado por Ziad Bakri e Yumna Marwan, o filme encarna uma das mais belas e dolorosas histórias de amor contemporâneas.
O filme adota, inicialmente, um estilo que mescla o cômico e o romântico, fundado na premissa de um casal que parece predestinado. Com cenas de nascimento, infância e reencontro, essas imagens iniciais evocam emulações poéticas e documentais. Essa escolha narrativa, embora inusitada, revela-se uma estratégia extremamente eficaz. Ela cativa o público, despertando o interesse imediato por essa história que nem os escombros e o luto do Líbano conseguem destruir. O romance funciona como um gancho envolvente, preparando o espectador para a gravidade que se insinua sob a superfície.
Como em grandes histórias de amor, as tensões surgem com o tempo e a diferença de propósitos. O casal se distingue claramente em suas ambições: Yasmina é mais emancipada e global, manifestando o desejo de construir carreira no exterior; Nino é o empreendedor local, dedicado ao restaurante herdado dos pais e ao cuidado do avô. Essa disparidade ressoa profundamente nos papéis de gênero de culturas mais tradicionais, e o dilema da migração se torna a grande metáfora para a lealdade à pátria.
De fato, a sociedade libanesa ainda concede importantes liberdades individuais. O filme utiliza essa esfera para expor, com delicadeza e arte, cenas de beijos e desejo, tudo enquadrado em uma esfera cinematográfica poética. O fato de a protagonista questionar o casamento, a maternidade, a carreira e o próprio papel social já é, por si só, um ato de emancipação muito bem-vindo e universal para o cinema.
O amor cósmico é, na verdade, um recurso narrativo único, cheio de coragem e poesia, para conectar o afeto à realidade. O ponto de resistência no filme é, ironicamente, tradicional e motivado pelo alicerce familiar. Eles não estão apenas apaixonados, eles se curam mutuamente das ausências parentais, Nino, órfão de pais, e Yasmina, com a ausência do pai que construiu outra família na Alemanha. O relacionamento deles é real, poético, melancólico e, por vezes, divertido, mas é a base de lealdade e empatia desde a infância que o sustenta.
O filme intensifica a tensão ao colocar Yasmina diante de uma segunda, e ainda mais decisiva, escolha de emigração (entre o Líbano e Dubai). Essa dupla provação sobre a permanência eleva o drama ao mostrar que o amor deles é um teste contínuo. Sua união de virtudes supera a infelicidade e a vontade de partir, provando que, no Líbano em colapso, o amor não é apenas um sentimento, mas o supremo ato de resistência contra a destruição.
Na segunda metade do filme, o ritmo perde um pouco do fôlego, mas essa lentidão faz total sentido, pois é quando os problemas reais, como a economia do país e o dilema do casamento, entram em mais um período de travessias e superações. Nem tudo é riso como no começo do longa, e ainda que o público possa sentir uma diferença de cadência, o filme é autêntico e muito bonito. A direção e o elenco orquestram com precisão a harmonia entre o amor e a dor, a permanência e a partida, e os dilemas que surgem nessa travessia.
O filme não é indeciso em seu tom, mas nos mostra que conversas difíceis precisam acontecer. A obra capta com honestidade o grande paradoxo da vida em crise: o desejo é ir embora, mas a alma sente a necessidade de permanecer. A união de virtudes de Nino e Yasmina supera a vontade de partir. Assim como o título, o mundo é triste, mas é também belo, e traduz perfeitamente essa história de amor em um Líbano que é muito mais que um lar, é uma memória afetiva do que é bom e do que é injusto. A obra inscreve a universalidade no coração, despertando empatia sem fronteiras.




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