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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Malês Vazio - O Grito em Salvador: Entre a Visão do Diretor e as Limitações do Roteiro
No panorama do cinema histórico brasileiro, Malês, a obra-manifesto de Antônio Pitanga, se impõe não como mais um drama sobre a dor da escravidão, mas como um urgente épico sobre liderança negra, articulação política e heroísmo africano no Brasil. Desde os primeiros minutos, o filme estabelece sua tese: a Revolta de 1835 não foi um levante de vítimas desesperadas, mas um ato estratégico e organizado por visionários da liberdade. Pitanga resgata essa força motriz: a coragem e a união dos Malês, africanos muçulmanos, cuja fé e intelectualidade foram apagadas pela narrativa colonial. Ao destacar o domínio do árabe e a articulação política desses homens e mulheres, o filme afirma uma identidade negra potente, impulsionada por um elenco majoritariamente negro e vibrante, com a emocionante presença da família Pitanga, Antônio, Rocco e Camila.
O mérito inegável de Malês está em inserir a fé muçulmana e a inteligência dos Malês como pilares da revolta. É crucial notar que o filme se baseia no trabalho seminal do historiador João José Reis: Rebelião Escrava no Brasil: A História do Levante dos Malês em 1835. Contudo, apesar dessa base acadêmica robusta, o roteiro de Manuela Dias não acompanha a potência histórica do Levante. A complexidade da liderança negra é simplificada, e o foco se dispersa com subtramas que enfraquecem os dilemas íntimos dos personagens centrais. As mulheres, em especial, têm sua força reduzida na ficção. A falta de densidade emocional compromete a profundidade psicológica esperada, deixando lacunas na experiência dramática.
Na direção, Pitanga demonstra um profundo compromisso ético e estético com a memória negra. Sua “Lente da Resistência” traduz a brutalidade da escravidão com poesia e consciência, evitando a violência explícita que o cinema branco costuma fetichizar. Ele foca na força de caráter e nos valores inegociáveis dos Malês. Do ponto de vista técnico, a trilha sonora funciona de forma sublime, injetando uma pulsação dramática contida e ancestral, sem cair no didatismo. A fotografia, embora bonita em planos pontuais, revela limitações ao não investir na força dos planos abertos, recurso que seria essencial para conferir maior envergadura cinematográfica ao épico. O uso predominante de planos fechados aproxima o filme do formato televisivo, reforçando a crítica sobre o veículo. Essa sofisticação técnica e a intenção da direção, embora evidentes, acabam por ser prejudicadas por um roteiro que recorre a frases de efeito sem sustentar a densidade poética que a câmera insinua.
Essa tensão entre direção e roteiro se revela em sequências-chave. A cena da captura da senhora branca, Patrícia Pillar, por exemplo, pretendia ser um ponto de virada simbólico, mas sua execução apressada enfraquece o impacto político. Faltou um texto mais incisivo que realçasse a inversão de poder e o peso ideológico da cena. O potencial como crítica social se dilui, e o engajamento do espectador se perde.
Ainda assim, uma das belezas inegociáveis do filme é ver tantos atores negros de altíssimo nível em cena, culminando no toque emocional de Antônio Pitanga contracenando com seus filhos. A paixão e o talento deles injetam vida onde o roteiro falha. Por eles, o filme já vale o ingresso. O lamento é que esse elenco potente merecia um desenvolvimento narrativo à altura de sua gravitas e da história que representam.
Malês cumpre seu propósito mais urgente: despertar a curiosidade e incentivar a pesquisa histórica, atuando como instrumento contra o apagamento das narrativas pretas no Brasil. A ironia é que, apesar da visão intrinsecamente cinematográfica de Pitanga, o roteiro revela uma linguagem mais próxima da televisão. O caminho passa, inevitavelmente, por uma troca de autoria ou por uma adaptação em formato de série, que ofereça o fôlego e a profundidade que essa liderança negra merece. Malês é um filme importante, mas o Levante de 1835 exige uma narrativa mais robusta, digna da visão de seu diretor.




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