Filme exibido na Mostra SP
MaDame indica para estreia, prevista em 15 de Janeiro de 2026
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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
O Beijo da Mulher Aranha
Entre a Cela e o Palco: a Liberdade que Canta
O filme O Beijo da Mulher Aranha (Kiss of the Spider Woman, 2025) surge como uma grata surpresa na Mostra SP, uma daquelas obras que não se impõem pelo buzz do mainstream, mas que revelam a verdadeira magia do cinema pelas mãos do diretor Bill Condon. O longa dialoga com a política, a sociologia, o drama e a história da arte, entregando uma beleza singular. Ele mescla a escuridão e a opressão da cela onde estão o preso político Valentín e o vitrinista Molina, e cria uma alternância ambiental com um musical de cores saturadas e lindamente coreografado, encabeçado por Jennifer Lopez. Este espetáculo não apenas fortalece a referência da literatura argentina de Manuel Puig, mas se estabelece como um poderoso ato de resistência da arte, existencial e coletiva, contra toda forma de opressão.
Esta é uma ousada reinterpretação de um clássico. A obra nasce do pungente romance argentino O Beijo da Mulher-Aranha, de Manuel Puig (1976), mas abraça o formato musical da Broadway. O diretor Bill Condon é o nome ideal para essa transposição, dada sua expertise no gênero, roteirista de Chicago, diretor de Dreamgirls. A escalação de um elenco com forte identidade latina é estratégica. Diego Luna confere autoridade ao preso político Valentín, e a exuberante performance de Jennifer Lopez (que também é produtora executiva) como a diva Ingrid Luna/Mulher-Aranha presta homenagem às estrelas latinas da era de ouro de Hollywood. A presença de Tonatiuh (ator mexicano-americano e não-binário) como Molina injeta uma autenticidade queer crucial. Vale ressaltar que a produção executiva conta ainda com nomes como Ben Affleck e Matt Damon, reforçando o peso de Hollywood por trás da narrativa de Puig. Essa intersecção de talentos e referências eleva a obra a um patamar de reivindicação cultural e estética.
O filme acerta ao usar o star power de seu elenco para reivindicar mais espaço e capital na indústria. Essa parceria de atores, que romperam barreiras de exclusão e sub-representação, consegue injetar recursos em uma superprodução híbrida que discute política, diversidade, mercado, história e memória, tudo através da arte e do storytelling musical. O êxito dessa estratégia brilha na visibilidade. Além disso, a complexidade queer e política não é sacrificada, pois Diego Luna e Tonatiuh estão deslumbrantes como amigos de cela que constroem uma confiança e um amor belíssimos. É o tipo de interpretação que os torna pessoas vulneráveis, mas que, ao sonhar, despertam o último fio de esperança. A personagem Molina é particularmente magnífica na interpretação de Tonatiuh, que demonstra uma generosidade e empatia acima da média.
O filme, como produto musical, equilibra as pontas de forma notável. É político sem ser pedante e tem forte alicerce no amor, no desejo e na coragem de lutar pelo que nos abraça. A linguagem musical imprime paixão, desejo e o risco de morte. A ponte criada por Molina, o contador de histórias, que conecta a miséria da cela ao luxo de um salão de baile, é fascinante. A justaposição de Ingrid Luna (J.Lo), deslumbrante e maquiada, com o cheiro fétido de Valentín, é a beleza corajosa de Condon, que usa o contraste antagônico como um poderoso mecanismo de resistência da arte. O musical, portanto, funciona como um convite ao público para se tornar o colega de cela de Valentín e Molina, ouvindo e sentindo a narrativa onde o amor é o prêmio em jogo.
Essa simbiose, contudo, decai ligeiramente em algumas transições. O filme não consegue sustentar o equilíbrio simbiótico dos dois mundos. Em um momento, Valentín mal consegue se limpar; no outro, Armando, o personagem da fantasia, está sensualmente bailando. Essa ambivalência, embora seja um traço do sonho, cria uma falta de profundidade em conhecer cada um dos personagens. O foco excessivo na mise en scène e no espetáculo visual deixa Valentín como o personagem que menos se desenvolve dramaticamente, enquanto Molina desponta com uma sustentação central, entregando a alma da obra.
O filme, no final, é um testemunho corajoso do poder da arte sobre a opressão. Bill Condon acerta ao nos convidar a sermos cúmplices desse ato de resistência, provando que, mesmo nos cenários mais sombrios, a fantasia é a última fronteira da liberdade. Um bravo à direção e ao elenco, especialmente a Jennifer Lopez, Tonatiuh e Diego Luna.



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