Filme exibido na  Mostra SP   Em breve mais filmes de Christian Petzold no blog. Acompanhe! #Drama #DramaFamiliar #Duplo #Família #Thrill...

Mostra SP: Mirrors No. 3 (Miroirs No. 3, 2025)

 





Filme exibido na Mostra SP 


Em breve mais filmes de Christian Petzold no blog. Acompanhe!



#Drama #DramaFamiliar #Duplo #Família #Thriller  #CinemaEuropeu #CinemaAlemão #CinemaDeAutor #ChristianPetzold #EscoladeBerlim



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



O Mirrors N0. 3: O Espelho e o Vazio no Noir de Christian Petzold 

 




Christian Petzold, mestre do thriller psicológico e figura central da Escola de Berlim, retornou à Mostra SP com Miroirs No. 3, um filme que, apesar de sua elegância formal, mergulha na desordem e na suspensão da identidade. A obra investiga o trauma e o luto a partir de uma perspectiva econômica e minimalista, utilizando o mistério como ferramenta para expor a fragilidade das relações humanas.










Mirrors No. 3 é um filme peculiar, regido pela economia narrativa que se recusa a mastigar o drama, optando pela sugestão e pela observação do comportamento humano. Estranhamente, após o acidente fatal, Laura (Paula Beer) não manifesta o luto com uma emoção genuína; ela parece não sentir nada, ou não sabe como sentir. O diretor Christian Petzold, um mestre em filmar a suspensão, escolhe caminhos pragmáticos para demonstrar esse luto com mistério. A protagonista inicia uma nova vida ao lado de Betty (Barbara Auer), que a acolhe com uma naturalidade desconcertante, como se ninguém tivesse morrido. Nitidamente, Laura carrega ecos de identidade que talvez não compreenda, ou que são mais fortes do que ela, evidenciando um distanciamento do namorado já no início do filme. O acerto de Petzold reside em sugerir em vez de didatizar, forçando o espectador a preencher as lacunas com a observação dos silêncios e dos não-ditos.





O mistério que une Laura e Betty responde às carências emocionais que ambas carregam naquele momento. A união entre acolhimento e preenchimento de lacunas emocionais abre uma nova fase. No caso de Betty, ela desperta a tensão entre o luminoso, a acolhida maternal, e o sombrio, a obsessão em ter Laura como parte da família. Tudo se torna mais estranho quando Laura se sente bem à vontade com a família, como se não tivesse qualquer outro vínculo familiar. Aqui ecoa o maior efeito do thriller: quem é Laura, afinal? De onde surgiu? E por que Betty facilitou tanto sua entrada no círculo familiar? Petzold é um mestre em explorar subjetividades femininas que carregam um noir contemporâneo, ainda mais misterioso em função do formalismo técnico do cineasta.





O formalismo de Petzold se manifesta não apenas no subtexto denso das personagens femininas, mas na própria geografia emocional que ele desenha. A casa, em vez de ser um refúgio, torna-se um palco de ambiguidade opressiva, onde os enquadramentos minimalistas e a distância da câmera acentuam a sensação de que há algo fundamentalmente ausente ou deslocado nas relações. É como se a acolhida maternal de Betty fosse um mecanismo de compensação que se choca com o vazio existencial de Laura. Essa frieza estilística não é um distanciamento, mas uma forma de convidar o espectador a preencher as lacunas deixadas pelos diálogos econômicos e olhares furtivos. O lar, que deveria ser o pilar de qualquer vínculo, aqui é um espaço transitório e suspeito, forçando-nos a questionar a legitimidade dessa nova união familiar e o que se esconde sob a superfície da aparente normalidade.











Essa ambiguidade espacial se reflete também nas relações interpessoais, especialmente na dinâmica entre os homens da casa. A relutância e o silêncio do marido, Richard (Matthias Brandt), e do filho, Max (Enno Trebs), funcionam como um contraponto à complexidade das mulheres, estabelecendo uma economia de diálogos que Petzold utiliza para expor a fragilidade da família nuclear. O silêncio dos homens sugere um misto de cansaço e despreparo, revelando traços do patriarcado. Nessa dinâmica familiar, os homens demonstram dificuldade de se comunicar e de se conectar com mulheres complexas e densas. O distanciamento de Max em relação a Laura ilustra essa incapacidade de lidar com a vulnerabilidade que ela representa. Petzold coloca os homens como coadjuvantes cuja participação é econômica nos afetos, sublinhando a crise de um modelo familiar que se desajusta ao confrontar a profundidade emocional que transcende as expectativas do lar.





A dupla face de Laura, como um espelho, não apenas cumpre a expectativa do título, mas se torna a matéria-prima fundamental do thriller. Ela é a figura-chave do deslocamento, preenchendo o vazio e a expectativa da família de Betty, ao mesmo tempo em que sua própria identidade permanece uma lacuna aberta. É nessa indefinição que reside a intrigante economia do filme. Petzold não oferece respostas, mas sim um esqueleto de noir contemporâneo onde o público é convidado a preencher a identidade de Laura com suas próprias projeções e desejos. 





Tal característica não apenas salva a obra de críticas por uma suposta falta de substância, mas a eleva a um patamar de reflexão sobre a coerência humana. Ao permitir essa expansão da narrativa pela imaginação do espectador, o filme revela a fragilidade das relações humanas, onde a coerência interna de cada personagem importa menos do que o papel que desempenha na carência do outro.








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