Mostra internacional de Cinema de São Paulo
16 a 30 de Outubro de 2025
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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Ainda é Noite em Caracas : A Dor de Permanecer em um País em Colapso
O drama íntimo de uma mulher é engolido pelo colapso político de uma nação em Ainda é Noite em Caracas (La Hija de una Española, 2025), de Mariana Rondón e Marité Ugás. A coprodução Venezuela-México, que estreou no Festival de Veneza e é destaque na Mostra SP, usa a performance da colombiana Natalia Reyes (Adelaida) para nos mergulhar no caos de Caracas em 2017, com as ruas tomadas por protestos, repressão e violência.
Adelaida enfrenta o luto após a perda da mãe e, possivelmente, do namorado (Edgar Ramírez), enquanto a cidade se entrega à loucura. O apartamento, antes um porto seguro, repleto de livros e fotografias da mãe, torna-se subitamente uma extensão da violência e da destruição que assola o país. Essa escolha técnica de dilaceramento visível, onde as cenas decadentes do apartamento se fundem com o caos da cidade, é um acerto. Com o imóvel tomado por mulheres agressivas do regime, a única saída de Adelaida para sobreviver em um meio tão hostil, onde o diálogo foi substituído pela face brutal da repressão, é deixar o luto e o lar para trás, afugentando-se no apartamento da vizinha Aurora.
O roteiro tem a premissa interessante de misturar crise política, memórias, presente violento e a incerteza do futuro, cabendo à atriz Natalia Reyes a pesada missão de sustentar o engajamento do público. Ela se sai bem ao racionalizar a dor e a vulnerabilidade da personagem. No entanto, o filme encontra sua lacuna na execução do caos: as cenas de protestos são rápidas e radicais, lançadas em uma montagem que não gera uma tensão orgânica. Infiro que as diretoras intencionalmente quiseram elevar essa violência a algo gratuito e desprovido de propósito narrativo, refletindo a arbitrariedade do poder repressivo. Contudo, na minha experiência, embora ache o filme potente, essa opção dilui o impacto, fazendo com que a jornada se torne predominantemente emocional e, paradoxalmente, a abordagem técnica não consiga sustentar a profundidade da dor racionalizada de Adelaida, impedindo que o filme atinja todo o seu potencial dramático e crítico.
O alicerce do roteiro é, portanto, focar em como Adelaida sairá dessa prisão chamada Caracas. Estranhamente, o filme tem um antagonista poderoso, a crise caótica na cidade, mas Adelaida contracena praticamente sozinha, e nem mesmo o líder dos protestos, representado por Moises Angola, consegue preencher a lacuna de um diálogo mais forte. O filme se torna mais interessante quando ela se vê forçada a considerar a troca de sua identidade como única rota de fuga. Contudo, a forma como esse rito de passagem é mostrado carece da tensão necessária. Adelaida, sim, está em um processo de ressignificação, mas o timing do filme e a pressão social exigiram que ela apenas se disfarçasse para escapar, sem que o filme explorasse plenamente o peso simbólico dessa transformação. Isso, infelizmente, amortece a potência emocional desse rito de passagem.
Ainda é Noite em Caracas aborda um tema universal e contemporâneo: a insegurança em nosso próprio lar. Para o cinema mundial e diante do crescimento acelerado da intolerância e xenofobia, sair do nosso país para enfrentar outro não é uma decisão fácil. Mas será que é pior do que afundar-se em um país que não oferece dignidade e paz? O filme é moderno em sua constatação amarga: não estamos mais seguros em nossos países e muito menos fora deles. O que resta a Adelaida é carregar a incerteza do futuro, um espelho da desesperança de milhares que são forçados a encarar a migração como a única alternativa de sobrevivência. Adelaida não foge apenas de Caracas. Ela foge do colapso da esperança.
(3,5)



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