#Drama#Dramasocial #DramaFamiliar #EuvinaMostra #MostraSP #CinemaPolítico #CinemaDocumental #CriseRohingya #InfânciaRoubada #DireitosHumanos #CinemaDeDenúncia #CinemacomAfeto #CinemaAsiática #Malásia #CinemadeRefugiados #AkioFujimoto #Imigração #FilmesPremiados
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Terra Perdida: O Realismo Visceral da Infância Roubada na Crise Rohingya
A arte cinematográfica, em sua vocação de expor as tensões da sociedade, encontra em Terra Perdida (Lost Land, 2025) uma obra de urgência e beleza raras. O filme, do diretor japonês Akio Fujimoto, mergulha na complexa crise de refugiados Rohingya, utilizando a perspectiva de duas crianças para navegar pelo sofrimento. Este drama, vencedor do Prêmio especial do júri em Veneza, utiliza o realismo estético como a lente para aprofundar a discussão sobre direitos humanos e o luto da infância interrompida.
A opção do diretor por uma câmera naturalista e um estilo documental é o acerto fundamental da obra. Esse rigor estético e a escolha do ângulo infantil permitem que o público se conecte com o drama da imigração de forma autêntica. O amor entre os irmãos suaviza a crueldade e a desumanidade da perda do lar e da incerteza do destino, tornando a tragédia não apenas visível, mas suportável pela lente do afeto.
A escolha de Akio Fujimoto por atores não-profissionais — pessoas que vivenciaram a realidade retratada — ancora a obra em um realismo visceral e irrefutável. O impacto estético e moral reside no fato de que o sofrimento em tela é um eco da vida real desses indivíduos, humildes e vulneráveis. Cenas de perseguição policial, a travessia por florestas hostis e o confinamento desumano transformam o longa em uma denúncia. No entanto, é na figura de Somira que o diretor encontra o heroísmo trágico. Sua infância é abruptamente roubada, forçando-a a uma maturidade precoce para proteger o irmão mais novo, Shafi. Essa responsabilidade feminina elevada em um contexto violento e hostil sublinha a violação irreparável da dignidade humana.
A cinematografia da obra estabelece um híbrido estético que é intencional e comovente. A câmera, mais observadora e contemplativa, acompanha os irmãos em uma jornada tragicamente heroica, registrando o cotidiano do atravessamento. Já a câmera da travessia no mar, na floresta, com outros atores, é notadamente mais documental e naturalista. O diretor utiliza uma iluminação escura, violência dentro e fora do plano e fugas com câmera estilo "na mão", provocando o terror cru da imigração. No entanto, o filme faz uma concessão à realidade mais brutal: ao reservar momentos de irmandade e brincadeira, ele quebra deliberadamente o realismo extremo da violência para manter a chama da humanidade e a esperança em um futuro, o que é um recurso narrativo que o público acolhe.
Na tentativa de construir a forte camada da irmandade, a narrativa se concentra em cenas mais contemplativas e pessoais sobre a conexão dos irmãos, e a dinâmica da violência brutal sofre "idas e vindas". Essa escolha da direção, que dilui o ritmo do horror para honrar a resiliência infantil, previne o filme de cair no melodrama fácil ou na exploração sensacionalista da miséria, mas também limita o engajamento emocional que transcende o afeto pelos dois protagonistas.
Embora, na experiência de festival com legendas, a língua Rohingya não seja imediatamente percebida como chave para o público, respeitamos a importância vital de sua inclusão. Ter uma língua nativa em tela é um ato de identidade e pertencimento para um povo sob risco de apagamento. De maneira muito nobre e crítica, o cineasta deu voz a essas pessoas que, no sonho de ter uma vida mais digna, se colocam em risco e, logo, sob a ameaça da violência e da aniquilação. A obra, assim, cumpre o papel de celebrar a diversidade de cinematografias mundiais e de expressar a universalidade dos dramas humanos.



0 comments:
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière