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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação "Quem você pensa que sou" (...

Quem você pensa que sou (Celle que vous croyez, 2019)





Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




"Quem você pensa que sou"(Celle que vous croyez, 2019), filme de Safy Nebbou  presente na programação do Festival Varilux deste ano tem a musa Juliette Binoche como protagonista que vivencia o amor e a fantasia através das redes sociais, experiência que traz impactos emocionais para a sua vida real. Ela interpreta Claire Millaud, mulher de 50 anos, professora universitária e recém divorciada. Em uma fase de cura, experimentações e segunda chance, sem muitas pretensões, ela cria um perfil falso no Facebook  e conhece o jovem sedutor Alex (François Civil), um fotógrafo que tem o carisma, a sensibilidade e a beleza que encantariam muitas mulheres.







Com leveza, naturalidade e maturidade, Juliette Binoche apresenta a dimensão de uma personagem que está presente na vida contemporânea: a mulher de meia-idade que saiu de um casamento e está solteira. Podendo ser também a que nunca se casou, segue aberta a um relacionamento e acredita que merece o amor como qualquer outra mulher. Como uma volta à juventude cheia de dúvidas e  inseguranças, esta mulher tem que lidar com os dramas de amor em uma época de relações virtuais, frágeis e voláteis. Para ambos os casos, é muito desafiador se reinventar sem abandonar a essência do eu, a crença no amor, a busca e merecimento da felicidade.



Claire tem a ambiguidade que algumas mulheres nesta faixa etária não deveriam ter, afinal, já viveram experiências e situações afetivas há anos, em menor ou maior grau de complexidade. Por incrível que pareça, Claire é insegura e age como uma adolescente, o que pode soar estranho para muitos(as). Ela inventa um perfil falso e tem medo de ser rejeitada, assim, alimenta uma relação virtual com fotos que não são suas, criando uma Claire paralela, uma projeção da jovem que gostaria de ser ou que imagina ser mais atraente para os homens. Ela nutre a relação com  uma beleza jovial e refrescante padrão e com desejos de liberdade, sexo, paixão, amor despertados em Alex devido a este frescor. Mal sabe ela que muitos homens mais jovens adoram mulheres mais velhas.






Este é um aspecto do roteiro que, apesar de legítimo, enfraquece o personagem. A todo o momento, o filme mostra o medo e a insegurança de um mulher de 50 anos, o que parece um tanto irreal, considerando que, normalmente, uma mulher desta faixa etária se lançaria à paixão, ou pelo menos, mostraria o verdadeiro rosto ao homem que deseja mesmo sob o risco de ser rejeitada. Em outras palavras, mulheres mais velhas são mais práticas, embora não seja regra. Além disso, dificilmente um homem aguentaria investir horas e horas online em uma mulher que não mostrasse ser ela na web cam. Os homens são tradicionalmente seres visuais. 


Com muitas neuras, Claire embala esta paixão com suas mentiras, chegando a uma forte tensão entre vivenciar um amor real com Alex e cortar a relação. Mesmo com esta característica da narrativa, o filme é honesto com o público, principalmente quando analisado sob a perspectiva dos relacionamentos virtuais e do principal trauma que levou Claire a ter tanto medo da rejeição. Acima de tudo, o filme não esconde como é difícil amar e ser amada (o) em um mundo cada dia mais virtual e raso.






O mundo virtual trouxe certas delícias e perigos. Esta ampla possibilidade de conhecer pessoas  em qualquer parte do mundo, de sair da zona de conforto e se arriscar às paixões mais ardentes e misteriosas ou simplesmente de encontrar a sorte de um amor real  não deixa de ser sedutora. Apenas com uma curtida de um aplicativo de relacionamentos é possível ter uma potencial porta de entrada para se apaixonar e também se decepcionar. Há o risco de puxar papo com um(a) desconhecido (a) atraente que, certamente, é uma grande roubada. Por outro lado, há relações estáveis e saudáveis que começaram em aplicativos de relacionamentos. Assim, o mundo virtual transita entre o querer, o sentir e o vivenciar de uma forma muito mais ambígua, ora podendo ser intensa, apaixonante e complexa, ora superficial, decepcionante, rasa. 






Na narrativa, o diretor trabalha muito bem a escolha e montagem entre os planos da realidade cotidiana e virtual, muito em função da escolha por incluir Claire em uma sessão de terapia com Dr. Catherine Bormans (Nicole Garcia). Sem este recorte, o filme teria um esvaziamento narrativo e seria muito difícil sustentar a história. Com a boa atuação de Nicole Garcia, a personagem de Catherine traz a perspectiva de um exímio ouvinte que oferece um ambiente seguro e necessário para Claire ressignificar sua relação, sentimentos e percepções neste amor platônico por Alex. 



Catherine é como nós, como espectadores, a observar a angústia de Claire, mas também, como conhecer um amante atencioso e apaixonante é revigorante. Somos lançados nesta paixão, podemos torcer por eles assim como desacreditar neste tipo de relacionamento. Na fase de flerte, Claire e Alex trazem para a tela o quanto é bom ouvir e ser ouvida(o) por quem nutrimos afetos, como é envolvente desejar e ser desejada (o), como é sedutor sentir prazer, ainda que virtualmente, fantasiando as inúmeras possibilidades de realizar todas estas fantasias de sexo e amor na vida real. Catherine coloca este espelho diante dos olhos de Claire, um espelho que, em diversos momentos da vida, muitos de nós precisamos encarar.







Este é um filme que poderia ser afundado pelos clichês, aliás, não faltam algumas situações clichês que são recorrentes nos flertes virtuais. Entretanto, eles são necessários pois são reais. É muito difícil sustentar um relacionamento virtual, portanto, as situações se repetem como um tédio constante, uma sensação de falta latente, uma ânsia pelo toque e calor do outro. Toda este desconforto é transmitido através da boa atuação de Juliette Binoche. Neste ponto, a experiência da atriz sustenta substancialmente a qualidade interpretativa de Claire. O drama da personagem é ter medo de ser rejeitada, sendo assim, a espontaneidade de Binoche, seu bom humor misturado ao drama, trazem dignidade à esta mulher que carrega traumas e dores do  passado , mas também deseja amar e ser amada.



A narrativa intercala subcamadas com diferentes perspectivas que enfatizam o título: "quem você pensa que eu sou?" . Embora algumas decisões do roteiro sejam bem fantasiosas e até mesmo trágicas e exageradas, esta escolha possibilitou preencher as lacunas do filme que, certamente, ficariam vazias sem este tipo de direção. Muitas vezes, há culpa, arrependimento nas relações virtuais. As coisas tomam um caminho inesperado, os desejos não se realizam, as pessoas não mostram quem são, assim, muitas decepções marcam estes relacionamentos. A sensação final é continuamente a mesma: "quem você pensa que eu sou"? "Quem você é?". Infelizmente, parece que ninguém se entende. Acabam deixando de viver um romance que poderia ser promissor.



Quando certas pessoas vivem um romance virtual com mentirinhas, pensam que isso não fará mal algum. Puro engano. Mentir nas redes sociais se tornou algo comum e previsível e isso destrói o outro, realmente fere a confiança e desvirtua o real sentido de um relacionamento amoroso e até mesmo de uma possível amizade. Assim, a melhor reflexão catalisada pelo longa nestas relações que começam em meio virtual: "quem efetivamente somos?", "O que sentimos?", "O que nos permitimos vivenciar na realidade?", "O que tentamos disfarçar e nos auto enganar?".








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