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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Em comemoração aos 30 anos da distribu...

Feliz Aniversário (Fête de Famille, 2019)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



Em comemoração aos 30 anos da distribuidora Imovision, uma das mais importantes no mercado audiovisual, o ator e diretor Francês Cédric Kahn foi um dos convidados e homenageados com a exibição de seu mais recente longa, Feliz Aniversário (Fête de Famille, 2019), filme coral de inspiração autobiográfica no qual o realizador coloca a visão sobre sua família. Com estreia nesta semana no Brasil, o filme conta com um elenco competente  Catherine Deneuve, Emmanuelle Bercot, Vincent Macaigne, Luàna Bajrami e o próprio diretor. A escolha por esta obra para o aniversário da Imovision é bem adequada pois reflete o engajamento e DNA da distribuidora em promover o Cinema independente autoral continuamente com filmes únicos e temáticas contemporâneas.





Feliz Aniversário é aquele tipo de filme cômico - dramático que muitas pessoas poderão se reconhecer nele a partir da  perspectiva de que todas as famílias, em menor ou maior grau, tem um nível de disfuncionalidade. Em um momento, todos estão rindo e aplaudindo uns aos outros, em outro momento, conflitos com desabafos, gritos e choros são manifestados, mudam a dinâmica do ambiente e das relações, além dos silêncios e sentimentos ocultos que agravam mais situações mal resolvidas. O roteiro e execução da obra são bem Franceses e o diretor assum que seu longa é tradicional, entretanto, trata-se de uma história que traz a universalidade das relações  familiares, considerando que não escolhemos quem somos família, temos que lidar com diferentes sujeitos com histórias, personalidades, temperamentos e crenças limitantes variadas.




Banner com cartaz do filme no Reserva Cultural em São Paulo.






Jean Thomas Bernardini, dono do Reserva Cultural e da Imovision, recebe o ator e diretor Cédric Kahn durante a Festa de 30 anos Imovision em São Paulo, realizada em 01 de Dezembro







Cédric Kahn falando para o público na exibição de seu filme na Festa de 30 anos Imovision

"foi preciso um percurso de 30 anos fazendo filmes para que ele ousasse se aproximar do filme retratando a própria família"


Inspirado pelo excepcional Festa de Família  (Festen, 1998) de Thomas Vinterberg, o filme número 1 do movimento Dogma 95, e também  pela direção de John Cassavettes, o pai do Cinema Independente, Cédric Kahn realiza uma boa articulação dos elementos subjetivos, físicos e técnicos para apresentar essa família Francesa que não se reconhece em seus problemas e comportamentos tóxicos. A história começa no aniversário da matriarca Andréa (Catherine Deneuve) na casa de campo. Não se trata de uma família burguesa abastada, mas mediana e falida, com a casa em ruínas, com dívidas e sem dinheiro. É uma família que não faz absolutamente nada para mudar essa situação, que não compartilha conquistas e nem planos, que explode em mentiras e verdades. A decisão por um filme coral foi bem pertinente para explorar as várias pessoas em cena com sutilezas, principalmente a intempestiva atuação de Emmanuelle Bercot como Claire, a filha que retorna dos Estados Unidos e apresenta intensos episódios de transtorno bipolar.





O propósito do diretor não foi explorar nenhum transtorno psiquiátrico, ainda que a personagem de Bercot seja mais "protagonista" e responsável pelas cenas mais emocionalmente vulneráveis e impactantes. Suas relações são imprevisíveis,  dinâmicas e autênticas, o que a torna um chamariz para o êxito do argumento e valoriza o estilo da atriz, que funciona bem em papéis que exteriorizam conflitos pessoais complexos. Na verdade, Cédric Kahn quis muito mais colocar o ponto de vista como ele enxerga sua família, neste sentido, entre uma das principais virtudes da direção está estabelecer um texto bem claro aos atores, dando-lhes também a liberdade de contribuir com os conflitos e questões comuns a qualquer indíviduo como a falta de dinheiro e de trabalho, as dúvidas e inseguranças sobre a carreira e casamento, a relação com o fracasso e o sucesso, a culpa, perdas e ausências, a maternidade, a doença e a morte. O diretor também traz a hipocrisia da sociedade no contato com negros, imigrantes e mulheres (de fora da família).




Com todos esses elementos, mesmo que seja um filme bastante autoral,  a direção e o roteiro dão conta de expor determinados conflitos que valem a pena ser ressaltados sob a perspectiva universal das relações humanas, como por exemplo:


A postura da matriarca (Catherine Deneuve) diante das brigas em pleno seu aniversário. Ela é aquela mãe, como muitas mães por aí, que evitam o confronto e "empurram a sujeira para baixo do tapete". É interessante notar que a atriz , como sempre sublime, mantém essa postura de forma impecável, elegante e acolhedora,  o que não significa que ela não sofra em silêncio e/ou esteja cansada dessa família, principalmente com tantas confusões em seu aniversário, o que não deixa de ser um desrepeito à sua pessoa.  


Outro personagem divertido, porém totalmente instável, perdido e fracassado é o de Vincent Macaigne. Ele traz  relações metalinguísticas para a obra que são relevantes para compreender a dinâmica em cena e as escolhas do diretor. Ao inserir a câmera em diferentes planos, ele é o aspirante à cineasta que, não sabe ao certo se tem essa aptidão e nem o que faz,  nem mesmo a família o considera um artista e/ou um visionário do audiovisual. Sua família ri na sua cara na mesa de jantar, e nem mesmo a namorada leva a sério uma menção a um potencial casamento, dessa forma, ele é uma piada que ajuda o público a (re)pensar a relação com a arte e com o fracasso. A surpresa é que ele não é tão divertido como parece, considerando que há alguns segredos e mentiras nessa história.






Cabe a Cédric Kahn o papel mais conservador, mas igualmente relevante. É aquele irmão um pouco melhor sucedido. Casado e com dois belos filhos pequenos, educados e amorosos. Ele representa o homem que, aos olhos da sociedade, é o estável, o responsável e o controlador da família, porém isso também é uma crítica ácida, já que ele e sua esposa não se tratam de forma apaixonada, não dialogam muito e quase não se olham como cúmplices e amantes; inclusive ela, representada pela atriz  Laetitia Colombani, também não recebe o devido respeito da família em cena.  O efeito de sua atuação coadjuvante é de dar pena da esposa, realmente uma mulher sem espaço expressivo mesmo já casada há anos.


A rainha do elenco é Emmanuelle Bercot, uma das melhores atrizes em dramas contemporâneos do Cinema Francês, com destaque para Polissia e Meu Rei, ambos dirigidos po Maïwenn. Está insanamente intensa e foi uma escolha bem acertada por ter um estilo bem visceral e exteriorizado de atuação.  É um personagem incômodo que desperta rejeição e piedade, unindo essas duas pontas de sentimentos. Há cenas que ela está odiável, como cobrar uma dívida familiar na hora da refeição e ofender sua mãe com fúria; em outra ela está dócil e disposta a reverter a relação problemática com a filha (Luàna Bajrami). Além disso, a presença dela traz um elemento de mistério que aos poucos se desdobra na narrativa. O espectador não sabe porque ela voltou dos EUA e o que aconteceu lá, o que ajuda a despertar o interesse por essa mulher e seus dramas.






Trata-se de um bom recorte narrativo para explorar as contradições familiares e os picos temperamentais e emocionais dos vários personagens que a compõem, assim, tem um efeito reflexivo que possibilita compreender porque a família é tão necessária, e também, desnecessária, por mais duro que seja ressignificar constantemente os afetos que realmente unem pessoas como pais, filhos, irmãos, e parentes em geral. Assim como amamos nossos familiares, eles tambêm são as pessoas mais capazes de despertar certos episódios de raiva, humilhação, culpa, fracasso e mágoas. 


Nesse aspecto, Festa  de aniversário é um microcosmo de uma visão sobre família que se encaixa perfeitamente bem à realidade de muitas. É um aniversário turbulento no qual não há nada a celebrar na superfície e na profundidade dramáticas das discussões, mas que  é possível rir e se divertir do quão humanos e vulneráveis somos no núcleo familiar ; ao mesmo tempo, tem momentos de calmaria que não deixam de atravessar críticas e um humor sarcástico a famílias disfuncionais que não se enxergam como também nocivas. Essa contradição faz parte da vida. Sempre o fará até mesmo nas "melhores famílias".








Fotos  Festa 30 anos  Imovision 01/12/2019 , por MaDame Lumiére
Citação do diretor. Em coletiva para convidados e público da Festa.
Fotos do filme, uma cortesia Imovision.


Um comentário:

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