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Mostra SP 2020| Assim desse jeito (Just like that/Aise Hee, 2019)

 



Repescagem Mostra SP - 05 a 08 de Novembro



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Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




Se há algo indomável no espírito de uma mulher, esse é o desejo de liberdade  combinado a uma incansável resiliência. A vontade de uma alma feminina  é algo que nunca será totalmente controlado por nenhum sistema patriarcal, por mais que haja pressão social e uma cultura que tenha sido alicerçada para o domínio e controle das mulheres. À vista disso, mesmo com toda a tradição e o conservadorismo que prevalecem em alguns países e culturas no mundo, a mulher vai exercer o seu direito legítimo à liberdade e a preservação de suas mais íntimas vontades.












Partindo dessa constatação após assistir ao filme Assim desse jeito (Just Like that/ Aise Hee, 2019), temos aqui uma bela narrativa feminina (e feminista), uma joia Indiana tão preciosa como o coração de uma mulher.  O surpreendente roteirista e cineasta Indiano Kislay, escreveu uma história maravilhosa sobre a Sra. Sharma (Mohini Sharma). Essa adorável senhora, discreta e simples, é viúva. Mora em outro apartamento próximo ao filho Virendra (Harish Khanna), que tem dois filhos e esposa. 







O cotidiano da Sra. Sharma passa pelas mudanças da viuvez. Nos primeiros planos, assertivamente, o diretor apresenta a viúva que era esposa de um admirado funcionário público em  Allhabad. Como grande parte das mulheres Indianas, em especial, das antigas gerações, ela dedicou sua vida ao lar e à família. Com esse luto, vem a necessidade vital de superar a perda e ressignificar a vida.  Entretanto, Sra . Sharma faz parte de uma cultura que se escandaliza quando uma mulher madura tenta fazer algo diferente como ir ao Cinema, aprender um ofício independente, conversar com um outro homem. Desse modo, a família e vizinhança dela ficam atentas a essas mudanças e começam a questioná-la.












Muito mais do que o equilibrado ímpeto da Sra Sharma que, aos poucos, começa a fazer o que realmente gosta como aprender bordados, ir ao salão de beleza e tomar um sorvete na rua, a luminosa beleza do longa está em como a direção é realizada com absoluta delicadeza e sabedoria, assim, refletindo a personalidade da personagem, levando ao desabrochar dessa incrível mulher. Ela é uma senhora bastante discreta, mas isso não a impede de ter suas vontades e soltar as amarras. O roteiro trabalha bem no sentido de colocá-la em situações sem causar muito alvoroço ou escândalos em uma sociedade tradicional como a Indiana. Todavia, gradativamente, a sabedoria de Sra. Sharma a liberta.






É uma relação bem sucedida entre direção, roteiro e desenvolvimento de personagens porque há várias camadas dos conflitos que há na sociedade Indiana, com pressão social vinda das tensões entre gêneros. Com versatilidade, o cineasta consegue equilibrar todo o elenco da família, deixando claro o lugar e condição da mulher das três gerações. Neste contexto, a nora de Sra. Sharma é a típica mulher devota à casa e à família que se anulou. Talvez ela seja feliz nesse duplo papel de mãe e esposa, porém, nas cenas, ela apresenta um semblante triste e entediado, uma dona de casa que trabalha como empregada, fazendo todas as vontades dos filhos que, por sinal, são ingratos e imaturos. Sabiamente, Kislay coloca em cena como os filhos e o marido a dominam.






Igualmente sábia é a forma como o filho de Sra. Sharma surge nas interações com o chefe e a família. Para o superior, um homem submisso e insatisfeito com a situação laboral como terceirizado, reflexo do sucateamento e fragilidades das relações trabalhistas na Índia. Ainda que seja bom no que faz, repórter de rádio, Virendra, não tem aumento salarial. Com isso, a solução é pedir para a mãe esvaziar o apartamento dela a fim de poder alugá-lo. É interessante notar que, a privacidade e liberdade da matriarca, mesmo após anos de trabalho e dedicação à família, não são sequer respeitadas. Esse é um aspecto importante da narrativa considerando que cabe a Sra. Sharma aceitar a dominância do filho ou não.






As juventudes também não escapam à realidade dos fatos. O diretor não deixa de expor como o comportamento do neto da Sra. Sharma está relacionado a heranças culturais. Um rapaz insuportável e bobo que quer controlar a irmã, pensa que a mãe é empregada e é capaz de agir com agressões. São legados do patriarcado que ainda hoje resistem nas juventudes do mundo, não seria diferente na Índia que é ainda bastante conservadora neste sentido.











Na construção narrativa, além deste equilíbrio da participação dos coadjuvantes, o cineasta realiza uma edição bem sensível que recupera a memória desses personagens ao mostrar alguns registros documentais como fotos. Percebe-se o tempo e a memória nos quais essa família ainda sobrevive, mesmo em uma dinâmica social com tantas regras moralizantes. Neste ponto, essas fotografias humanizam e valorizam a família. Seus membros não são apenas peças de uma complexa e tradicional estrutura social, mas são pessoas com histórias e sonhos distintos que, provavelmente, ficaram para trás silenciados pelas pressões da sociedade.






Com muita qualidade, o roteiro e direção de Kislay oferecem um sopro suave em um assunto tão controverso como as diferenças de gênero em países como a Índia. Aqui não é Bollywood com seus exageros e fantasias, mas algo mais reflexivo e urgente. Além do natural carisma do Cinema Indiano,  Assim desse jeito é poderoso no seu sentido humanizado de transpor para a tela a realidade de inúmeras mulheres no mundo que, de uma hora para outra, ficam viúvas e ainda são vistas como se não tivessem desejos próprios, como se tivessem morrido junto com o marido. 







Cabe citar que, em certos contextos, mulheres ainda são reconhecidas como a viúva de "fulano", ou condenadas à eterna viuvez para manter a reputação e o sobrenome de seus finados esposos. Assim, "já notou como o homem viúvo se casa mais rápido  que a mulher viúva?, muitas vezes nem esperam o cadáver da mulher esfriar." São nuances de uma sociedade machista e patriarcal! Não há problema em casar novamente, ou se manter solteira, o mais importante é a mulher decidir o que deseja independente de forças externas que não a farão feliz.






Como a expressão que dá título ao filme, aos poucos, as coisas são mudadas "assim desse jeito" como tranquilamente diz a inspiradora Sra. Sharma. Ela não desiste de sua dignidade como mulher e viúva. Ela continua vivíssima (do seu jeitinho) para desfrutar a vida em paz e com sabedoria.









Fotos: Uma cortesia Reprodução Mostra SP para imprensa credenciada.

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