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Mostra SP 2020| Valentina (2020)

 



MaDame Lumière agradece a todos os leitores que 

acompanharam a Mostra SP no blog. 

Até a próxima! Viva o Cinema! 



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Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação





A invisibilidade de pessoas trans nos espaços privados e públicos como escolas, empresas e instituições é um reflexo do desconhecimento e preconceitos enraizados na sociedade com relação à diversidade de gênero. Abordar esta questão requer engajamento na causa, mas também bastante sensibilidade e estudos transversais considerando que a exclusão deste grupo faz parte de uma construção social conservadora e patriarcal no Brasil que leva muitos cidadãos a uma ignorância latente. Neste sentido, o Cinema é uma das mais poderosas e libertárias linguagens que melhor podem promover o debate democrático para a visibilidade da comunidade LGBTQ+.








Valentina ganhou o prêmio de melhor ficção nacional da Mostra SP 2020






Valentina, primeiro longa-metragem do cineasta Mineiro Cássio Pereira dos Santos, surge como uma realista história sobre Valentina (Thiessa Woinbackk), jovem trans que se estabelece, com a mãe  Márcia (Guta Stresser), em uma cidade do interior de Minas Gerais após mais uma mudança de residência. Ao chegar à cidade, faz novos amigos na escola, porém, para finalizar a matrícula, precisa da assinatura do pai ausente, Renato (Rômulo Braga). Além do desafio de se matricular com o nome social, Valentina enfrenta dificuldades e dilemas e, com esperança e coragem, ela confronta o preconceito de parte dos habitantes.







O cineasta e roteirista Cássio Pereira dos Santos realizou um filme de profunda delicadeza e realismo que, na autenticidade de Valentina, extravasa uma força fenomenal de autoaceitação,valor e combate. Premiada com o grande prêmio de melhor interpretação na première mundial do filme em Outfest Los Angeles e com menção honrosa na 44ª Mostra SP, Thiessa Woinbackk performa uma Valentina com forte nobreza de ser, exuberante em toda a verdade na tela, tanto quando se volta para si como também para o outro. Visivelmente, com este belo trabalho, a atriz e influencier digital  destaca-se como uma das promissoras potências jovens no Cinema Brasileiro.








Na trilha sonora, destaque para a linda música original "Eu nasci ali", da cantora, compositora e produtora musical Xan, com banda Tuyo.








Valentina é resultado de um coeso trabalho de direção, roteiro, elenco , trilha sonora e  temática que, claramente, evidencia uma qualidade acima da média para abordar a realidade trans no país. Não é fácil realizá-lo porque exige um "tom narrativo" ideal para dirigir-se à audiência com sensibilidade e racionalidade, e também, respeitar o público trans de forma legítima e realista. Este equilíbrio narrativo é preciso em um cenário social que, em vários momentos, os cidadãos não querem dialogar e refletir sobre diferentes sujeitos, realidades e vivências. Com primor, o cineasta e equipe conseguem mostrar um sincero retrato social sobre uma jovem trans.






Assim, há várias virtudes na narrativa que são questões cotidianas que fazem parte dos enfrentamentos de pessoas trans como Valentina. Filmado em Estrela do Sul (MG) e Uberlândia (MG), as mudanças geográficas mostram que o real encontro do lar é um desafio que traz muita angústia, em especial, quando se vive em cidades pequenas com habitantes mais conservadores. Diferente das grandes cidades, com populações mais dispersas nos territórios, nas quais existem os preconceitos bem escancarados, em cidades do interior é natural todos se conhecerem e as notícias se espalharem rapidamente atingindo a privacidade e liberdades das pessoas. Desse modo, Valentina, que ainda está aprendendo a lidar consigo e sua intimidade, está vulnerável a encontrar pessoas moralistas e hipócritas que partem para a ignorância e o preconceito.






Outra virtude presente é o direito à Educação e Cidadania, bem articulado com os dilemas da personagem e as realidades da escola. Os desafios de acesso e permanência no território escolar começam a aparecer nas interações de Valentina e sua mãe e outros personagens. A ausência do pai revela-se como uma triste realidade no campo dos afetos da garota, levando à reflexão do porquê esse pai é ausente. Ele não a ama verdadeiramente? Ele tem vergonha de sua filha? Ele vai aparecer para matriculá-la com o nome social? Ele estará ao lado dela quando ela precisar? São perguntas nevrálgicas durante a experiência ficcional pois expressam a complexidade das relações familiares e afetivas nas vidas de pessoas trans, principalmente no que se refere à aceitação da família.






Seguindo essa perspectiva dos relacionamentos de Valentina, na escola ela encontra o acolhimento de alguns amigos incríveis como Amanda (Letícia Franco) e Julio (Ronaldo Bonafro) mas também intolerância de jovens como Marco (Pedro Diniz) e Lauro (João Gott). Eles são o reflexo da humanidade que, ou podem acolher ou rejeitar; ou apoiar ou ameaçar; ou representar algum alicerce ou agir com violência. Esse excelente elenco jovem entrega interpretações críveis e harmônicas, expressando também a qualidade do casting e direção de atores.








Parte do exito do roteiro é incorporar a escola na história por três principais razões: a escola é um território de socialização da criança e jovem e uma das primeiras referências de formação e convívio social; a escola é um território ambíguo pois representa acolhimento e pertencimento assim como é o espaço social nos quais ocorrem violências múltiplas como bullying, intolerâncias individuais e de grupos e evasão escolar; a escola é um território de disputa para o acesso e garantia de direitos e esperança para um futuro mais cidadão, coletivo e inclusivo.







Desta forma, a escola em Valentina não é só o espaço de conquista para uma matrícula com nome social e vindouros estudos, mas é um espaço de acesso e permanência de direitos para trans. Talvez muitos cidadãos não saibam, mas há depoimentos de especialistas em Educação e Gênero e pessoas da comunidade LGBTQ+ que relatam que muitas pessoas trans não conseguem seguir nos estudos porque o território escolar se manifesta como uma ameaça  e/ou contínuo dano, provocando, até mesmo, traumas psicológicos nesta população. Preconceitos são manifestados em outros estudantes, suas famílias e comunidade que dificultam essa convivência e inclusão. 









Com isso, Valentina é um filme nacional essencial, cheio de frescor, esperança e resistência, para o debate nos espaços escolares e não escolares. É claro que muitas das pautas da comunidade LGBTQ+ estão avançando, ainda assim, muito deve ser feito para a luta por direitos, justiça e respeito. Para qualquer espectador(a), estar aberto (a) a assistir ao filme já é meio caminho andado para a sensibilização, podendo observar como surgem as dificuldades para as pessoas trans e por que as identidades, liberdades e direitos individuais têm que ser respeitados pelo coletivo.














Finalmente, os maiores presentes de Valentina é a aceitação, o afeto e a esperança como a melhor forma de resistência. Mesmo que algumas cenas sejam difíceis porque trazem muito da dor de uma pessoa trans, é uma história amorosa por causa das interações entre Valentina, Dona Marcia, Amanda e Julio. Esses quatro personagens são de uma gentileza extraordinária, uma simplicidade e leveza gostosas de ver. Eles são uma expressão genuína do amor e do respeito a pessoas trans.









Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra SP, via Assessoria de imprensa Genco. Crédito: Leonardo Feliciano

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