Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Se a pobreza enfraquece um povo injustiçado pelas desigualdades sócio-econômicas e pela corrupção, existe uma força maior acima de todas as provações sociais e ela está na família, seja ela qual configuração tenha. Somente o amor incondicional e a justiça movem uma pessoa a sacrifícios extraordinários. É o que se vê em PAI (Father | Otac, 2020), um drama familiar em que um trabalhador temporário, à beira da fome, do desemprego e da miséria, tem que lutar contra o sistema para viver novamente com os filhos.
Vencedor dos prêmios do Júri Ecumênico
e da Audiência da seção Panorama do Festival de Berlim.
Nikola (Goran Bogdan) vive com sua esposa e dois filhos em uma pequena cidade da Sérvia. Certo dia, tomada por desespero pela situação de pobreza da família, sua esposa comete um ato insano. A partir desse triste evento, as crianças ficam sob a guarda e decisão do Estado através da chefia dos serviços sociais, um homem inescrupuloso, corrupto e abusivo que dificulta a garantia de direitos do pai. Decidido a não deixar os filhos em um orfanato, o trabalho percorre um caminho desafiador até Belgrado para solicitar às autoridades governamentais superiores o direito de permanecer com os filhos.
PAI mostra um retrato social desolador, de extrema pobreza e injustiça, no qual poderosos do governo e da administração pública estão pouco preocupados em facilitar o exercício da cidadania pelos sujeitos. Na superfície, o longa narra a história de um homem que busca por direitos de ser pai presente e responsável, entretanto, os problemas são muito mais profundos nesse contexto social e vão surgindo na narrativa. As figuras públicas visam a dificultar a vida do trabalhador, como se ele tivesse culpa por viver em um vilarejo bem pobre que sequer tem oportunidades laborais e de melhoria de vida.
É claro que a garantia e preservação do bem estar social da criança e do adolescente são direitos legais e devem ser coordenados por uma secretaria de assistência social, porém, na forma como o longa denuncia a máquina pública, há uma necessidade, de quem exerce o poder, estar claramente no comando e dar a última palavra, assim, humilhando o trabalhador. Nesse sentido, a presença de Vasiljevic, chefe de serviços sociais, interpretado por Boris Isakovic, provoca bastante mal estar. Em nenhum momento e, verdadeiramente, ele está preocupado em uma abordagem dialógica em busca de uma possível solução, assim como não tem vergonha alguma de mostrar seu abuso de poder. Ele é de uma escrotidão descomunal.
Com um cenário tão desolador, no qual não há respeito e nem um pouco de humanidade, resta a Nikola partir para Belgrado. Com humildade, parte com esperança , mantendo sua discrição como pai, respeitando seu direito à privacidade pessoal e familiar. Entretanto, nesse arriscado percurso, ele experiencia os perigos da estrada, a generosidade de uma ou outra pessoa, e o interesse da mídia. Esses elementos do roteiro ajudam a perceber que esse é o mundo no qual vivemos: poder, interesses, descaso e, raramente, alguma gentileza.
O cineasta Sérvio Srdan Golubovic realiza uma excepcional direção que não cai no caricato e em outras superficialidades. É uma história simples, realista e humanizada. Mesmo que há situações bastante desconfortáveis pois esbarram em violação de direitos humanos, como um pai que é chantageado a não enfrentar um burocrata corrupto, ou outras situações de total miséria humana como um homem que mal tem dinheiro para se alimentar e precisa contar com a generosidade da população, PAI tem uma direção vigorosa que conta como principal aliada a performance de Goran Bogdan.
O ator interpreta Nikola com seriedade e humildade, assim, transmite um homem de palavra e ação. É um pai que não se entrega à miséria, não arreda o pé diante da sujeira de carater do Estado. Nikola, como homem acessível e comum, é do povo e, como povo, deseja a dignidade da condição humana.
Diante de toda essa desoladora trajetória e da imbatível postura de Nikola, o ato final é surpreendente e de uma sensibilidade ímpar. É o retrato social da miséria humana, no qual nem mesmo os vizinhos podem ser considerados culpados por tais ações realizadas na casa de Nikola. Mesmo na pobreza absoluta, Nikola é a representação da determinação e esperança por justiça.
Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra SP para imprensa credenciada.





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Cristiane Costa, MaDame Lumière