Um dos melhores filmes da Mostra SP 2020 segundo o blog
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Luto, ancestralidade e resistência evocados por uma mulher extraordinária que não teme nem exploradores e nem a morte. Com uma sublime atuação da atriz Sul-Africana Mary Twala Mhlongo no papel de Montoa, uma senhora de 80 anos que vive nas montanhas do Lesoto e perde o filho, Isso não é um enterro, é uma ressureição (This is not a burial, it's a resurrection, 2019) é um símbolo da luta pela preservação da terra, da comunidade, da vida.
"Pelos olhos de Mantoa, vemos que há muita escuridão para enfrentar, mas, no final das contas, esta é uma história sobre a resiliência do espírito humano" (Press material, diretor)
Com direção e roteiro de Lemohang Jeremiah Mosese, o longa apresenta uma belíssima dinâmica entre a vida e a morte, o corpo e o espírito, o individual e o coletivo, entremeando a solidão de uma mulher e a defesa da terra. Após a morte do filho, que trabalhava nas minas da África do Sul, Montoa entrega-se a um luto silencioso que ela não poderia superar facilmente.
A dor do luto é tão dilacerante, assombrosamente registrada em imagens que atravessam qualquer tempo físico e corroboram a narrativa atemporal dessa respeitável anciã. Assim, a maternidade sofre um duro golpe com o luto de Montoa, que perdeu marido, filhos e netos; além da mãe-natureza confrontar-se com os interesses do governo na construção de uma represa na região. São essas duas mães que, no ciclo da vida, transitam entre a sobrevivência e a iminente morte.
Com um título tão poético e inspirador, a narrativa resume um complexo desafio da vida: viver entre o nascimento e a morte, entre escolher renascer a cada dia frente as batalhas ou morrer e deixar o legado morrer. E o que há de mais precioso em vida? As raízes, a identidade, a comunidade, a historia e a cultura. Essas são a herança de um povo. Com isso, o filme apresenta a luta pela preservação das tradições frente ao progresso e do espírito de resistência ao invasor.
Nesse sentido, toda a narrativa conserva a valorização da tradição, das ancestralidades e das histórias orais que não devem ser esquecidas pela sociedade. Na sua estrutura, há um senhor que realiza a narração, como um narrador do povo, movido pelo espírito de antigos ancestrais. Montoa é a anciã, como a das antigas cirandas dos povos Africanos. Ela representa a memória, a referência entre gerações e a força moral e espiritual da mulher idosa. Ainda que mergulhada na profunda dor da perda, tem forças para o enfrentamento, na palavra, no choro e na ação.
Ao lado de uma sobrenatural atriz como Mary Twala Mhlongo, o cineasta realiza uma direção excepcional que preza por um cuidadoso e impactante trabalho de fotografia que extrapola os limites entre o realismo e o mítico. Em alguns planos, Montoa é fotografada como uma força da natureza, de poderosa representação espiritual. Ela é a mulher sábia que atravessa gerações e ensina a todos o respeito pela tradição, terra e família. Ela é a líder que respeita os mortos e suas covas. Ela é a anciã que tem a voz da sabedoria e da resiliência.
Vencedor
do Prêmio Especial do Júri da seção World Cinema Dramatic do Festival de
Sundance.
Diferente de vários filmes presentes em festivais que perseguem apenas prêmios, Isso não é um enterro, é uma ressureição conserva sua autenticidade a todo o preço. É um filme simples e atemporal que impõe respeito sem precisar recorrer a egos e pretensões de produtores e diretores. Pelo contrário, certamente, é um filme que continuará atual, unindo as pontas da tradição e do contemporâneo, sobrevivendo às décadas como uma herança Africana para o mundo ver e aprender.
Pôster filme, fonte https://thefilmagency.eu/ . Direitos reservados.
Fotos: uma reprodução Mostra SP para imprensa credenciada.
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