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  Imperdíveis dicas  Streaming    Terror | Horror  por   MaDame Lumière Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e spe...

Midsommar - O mal não espera a noite (2019)

 



Imperdíveis dicas Streaming  

Terror | Horror 
por MaDame Lumière


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


O cineasta e roteirista Ari Aster, conhecido por seu primeiro longa-metragem Hereditário (Hereditary, 2008) apresenta um Cinema que, indiscutivelmente, tem muita consciência do fértil uso de representações para as narrativas de horror. Sob essa perspectiva simbólica e as variadas possibilidades da experimentação para representar dramas existenciais, o diretor alcança um triunfo: Midsommar - O mal não espera a noite (Midsommar, 2019) no qual, a partir de um encontro de pessoas e rituais pagãos em uma comuna na Suécia, ele se lança a narrar a superação de um relacionamento amoroso.



Com o protagonismo da Britânica Florence Pugh, que já havia realizado uma interpretação intensa no drama "Lady MacBeth" (2016), e destaca-se como uma das jovens atrizes mais qualificadas para personagens de densidade psicológica ou situações violentas e ambivalentes, Ari Aster entrega um excelente trabalho para o público, em especial, pela sua habilidade em extrair o mal em cenas que não precisamente seguem os clichês do gênero horror. Todo o mal está ao redor e pulsante e pode romper em ações e comportamentos estranhos e perversos.






Nessa narrativa perturbadora, a estudante de psicologia Dani (Florence Pugh) perdeu os pais e a irmã em uma tragédia na própria casa da família. Ao ser tomada por um abrupto luto e desamparo, ela tem por perto apenas seu namorado Christian (Jack Reynor) que já não está mais interessado em levar o relacionamento adiante, porém ele não tem muita coragem de por fim à relação. Ao combinar uma viagem ao interior da Suécia, em Hälsingland, o amigo de Christian, Pelle (Vilhelm Blomgren) também acolhe a ida de Dani. Com outros amigos, entre eles Josh (William Jackson Harper)  e Mark (Will Poulter), o casal parte para a comuna de Hårga.



Partindo de uma motivação clássica do gênero: um grupo de amigos que visitam um lugar estranho e poderão vir a correr risco de vida, o diretor reúne um desenvolvimento inovador e  autoral, reunindo essas duas pontas da tradição e contemporaneidade. Essa competência de revigorar o próprio horror à sua maneira com elementos universais como o luto, o medo, a dor, a separação, o pertencimento, o coletivo, entre tantos outros, já coloca Ari Aster como um diretor em crescimento que vale a pena ser visto.



A chegada à comuna Hårga apresenta a dimensão do estranhamento travestido de beleza, amor e pureza. Tudo é muito bonito: o lugar, as pessoas, a tradição, a educação e acolhimento. Todos parecem que se amam e se respeitam. É como um paraíso na terra, um local que o mal urbano e moderno não alcançou, a presença sublime do espírito do coletivo e dos afetos. Assim, a cinematografia trabalhada com precisão em uma diegese impecável apresenta um mundo ficcional ideal, ou próximo de potenciais vivências pacíficas e transformadoras. 






Dani, Christian e demais amigos tomam substâncias alucinógenas assim como são bem tratados por essa comunidade, entretanto, o que parecia ser algo muito mais metafórico, torna-se um verdadeiro pesadelo, misturando imagens idílicas com perversas, alinhando dois efeitos narrativos bem contraditórios e eficazes  no horror psicológico. Aos poucos, o diretor envolve o espectador em uma combinação de mistério, suspense e um contínuo mal estar, por trás de um microcosmo social de calmaria, bucolismo e amabilidade, um mal aterrorizante circula e abate o grupo de visitantes.



As férias se tornam um ritual pagão no qual os habitantes da comuna expressam seus valores, cultos e ações em momentos que, pouco a pouco, criam uma tensão entre eles e o grupo de jovens. É interessante perceber que o diretor não tem pressa nessa construção, pelo contrário, ele é meticuloso e cria um ritmo bem peculiar que joga a todos em um clima de insegurança e estranhamento ao longo de mais de duas horas de projeção. Ao mesmo tempo que os jovens começam a sentir-se mal com as situações bizarras, estar preso em uma comuna com tantos costumes e símbolos de coletividade e tradição, também os puxa para uma sensação de acolhimento, pertencimento e experimentação.






Nesse sentido, Midsommar é eficiente em elevar a protagonista Dani a um patamar de rainha da primavera  e colocá-la em um momento de decisão entre a permanência do ser amado ou sua exterminação. No papel de rainha, seu status é mais valorizado, ela é amada pelos habitantes da comuna e seus desejos são legítimos. 



Também trata-se de um ótimo filme visceral de como as seitas preenchem um vazio existencial que nem sempre é saudável e que testam limites, escolhas e emoções. No caso de Dani, o processo a leva a uma superação do drama amoroso, mas essa ressignificação tem um custo alto e violento para todos os outros visitantes e alguns voluntários.



Estando Dani em um momento de fragilidade com fortes episódios de ansiedade, seja por Christian não ser o companheiro que atende suas necessidades emocionas, seja por ela ter perdido tragicamente sua família, o filme conduz passagens de rito para essa mulher que a levam a uma situação absolutamente catártica. O espectador tem acesso à sua mente com imagens fragmentadas e a tensão dúbia entre o sentimento de deslocamento e de acolhimento.  Dessa forma, o roteiro deixa em aberto o que cada espectador sente com a situação. Alguns poderão achar libertador, outros, fatalmente aprisionante.



A personagem de Florence Pugh é fundamental para o êxito, principalmente pela força interpretativa da jovem atriz em um papel de uma mulher emocionalmente destruída. Vê-la em um processo de aceitação e superação da dor, ainda que em uma comuna estranha, é um elemento motivador. Tudo porque sua dor é negligenciada por Christian. Ele é um namorado distante e com nenhuma responsabilidade autêntica pela dor da namorada, desse modo, todos os acontecimentos que ocorrem com ele são verossímeis partindo da compreensão de que ele é um total babaca no campo das relações amorosas e também como perfil de personagem. Por diversas vezes em cena, Christian é ausente de empatia, em especial, quando ele também decide ganhar o crédito em uma pesquisa conduzida por Josh.



Cabe também um discernimento em  analisar quais rituais e discursos estão por trás das boas intenções e dos gentis gestos. Pelo menos, nessa narrativa,  os jovens demonstram certa ingenuidade e são levados pela experiência singular. São convidados a explorar as férias em um lugar diferente e atender a seus próprios interesses, seja pelas motivações afetivas e sexuais, seja pelas intelectuais e culturais. Só que nem tudo é confiável nesse ambiente.






Por outro lado, essa abertura ao novo possibilita um não preconceito, o que é positivo para o roteiro; ou seja, a partir do momento que estão em um local de rituais pagãos, eles se voltam a uma cultura diferente, podendo experienciar coisas nunca antes vividas. Todo o elenco realiza um trabalho bem integrado e excepcional, exatamente porque cada um deles traz características específicas de suas motivações para a visita e, em algum momento, batem de frente ou são engolidos por essa comunidade. Certamente, o que eles não imaginavam é que estavam em um pseudo lugar de paz.



Na sua diegese peculiar e ricamente simbólica, Midsommar possibilita sentir a experiência com a história de maneira ampla, aberta e perceptiva. Filmado durante o dia, indo a uma direção contrária ao horror noturno, ele é bastante sensorial. Tudo é visualmente visto às claras a ponto da luminosidade incomodar e provocar ainda mais estranhamento. Também o desenvolvimento narrativo é bem mais lento em virtude da direção perfeccionista de Ari Aster, permitindo uma melhor imersão em cada detalhe. 



Em uma análise da sua evolução narrativa, o filme perde um pouco mais no terceiro ato em comparação aos anteriores, ainda assim, no gênero horror, é de alto nível e capta essa sinestesia das relações humanas. Na constituição da narrativa, essa sensorialidade do outro também é sentida como uma máscara ou um fingimento já que nem todos os habitantes da comuna são confiáveis e nem todos os visitantes permanecem confortáveis. 






Vale dizer que uma das dimensões mais estranhas e incomodas é perceber como os habitantes de Hårga criam uma ética local e coletiva, e isso é influenciado pela cultura. O filme testa esses limites, tanto com os personagens como com o público. É como se os nativos tivessem sob o efeito de drogas, cegos por uma seita real e predatória. Ironicamente, é nessa seita que Dani encontra um pouco de amor e compreensão.



Independente da recepção de cada um com relação ao seu efeito perturbador, Midsommar é uma experiência diferenciada e recomendada, principalmente para os que precisam superar uma separação a partir de uma representação simbólica no Cinema. Midsommar é um lugar de catarse. 





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