Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020 23 de setembro a 04 de outubro -  www.etudoverdade.com.br  Por  Crist...

A Cordilheira dos Sonhos (La Cordillera de los Sueños | La Cordillère des Songes, 2019)




Disponível na programação Festival Internacional de Documentários 2020

23 de setembro a 04 de outubro - www.etudoverdade.com.br 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Por força de um período brutal e obscuro na História do Chile, durante ditadura do governo Pinochet (1973-1990), o documentarista Chileno Patrício Guzmán teve que desistir de um sonho e viver em exílio. O distanciamento geográfico da pátria não o afastou dos afetos pelo país. Guzmán ama sua pátria e evoca a memória do Chile, apesar de ter uma madura consciência política, histórica e social que, da forma que a nação está, este não é o Chile que ele sonhou para si, seus compatriotas e o mundo.




Em "A Cordilheira dos sonhos" (La Cordillera de los Sueños | La Cordillère des Songes, 2019), uma co-produção Chile e França, ele avança na trilogia composta por outros dois filmes excepcionais "Nostalgia da luz" e "O Botão de Pérola", desta vez, o cineasta relaciona a natureza da Cordilheira dos Andes, a memória e o Chile contemporâneo.


As imagens iniciais enfocadas na sublime beleza da Cordilheira, e intercaladas com depoimentos de especialistas em Artes e Arqueologia, entre eles, os escultores Francisco Gazitúa e Vicente Gajardo, apresentam a grandiosidade dessa geografia e as expressões poéticas e realistas que ela desperta. Uma Cordilheira que, ao  mesmo tempo, isola e acolhe o país, mas também continua testemunhando a violência e os reflexos do passado Chileno e o atual contexto que atende aos interesses neoliberais e de um grupo limitado de ricos privilegiados.



"O filme lida com o duelo entre homens, cosmos e natureza. Mas esta gigante montanha, que é o coração do projeto, tem se tornado para mim a metáfora do imutável, do que nós deixamos, o que permanece entre nós, quando nós pensamentos que tudo foi perdido. Mergulhar na Cordilheira  me faz mergulhar nas minhas memórias (...), eu começo uma viagem introspectiva que pode revelar parcialmente  os segredos da minha alma Chilena." (Patrício Guzmán, pressbook, reprodução
)


O espectador é apresentado à memória afetiva que a Cordilheira dos sonhos representa para os Chilenos; o pertencimento à essa paisagem materna e que, encontra-se abandonada e apropriada por milionários com áreas privadas. Essa memória é evocativa da relação natureza e sociedade, assim como bastante dolorosa em virtude do autoritarismo estabelecido na nação e praticado ao longo dos anos.


É impossível não se emocionar com certa "quebra" visual na narrativa: o belo e o feio. A Cordilheira mãe e o opressor.  A liberdade e a ditadura. Diferente de "O botão de pérola" que apresentava uma narrativa visual mais poética embalada pelo elemento água e registros históricos menos brutais, em "A Cordilheira dos Sonhos", logo mais, a não ficção cede espaço para imagens da repressão dos ditadores. Por mais  que Patrício Guzmán, com sua voz calma e sincera, traga intimismo e cumplicidade à narrativa, não é fácil passar da beleza da Cordilheira para os registros de violência militar e miséria social.


Em comparação ao documentário antecessor, o doc. perde bastante na expressão poética imagética e desenvolve mais sua faceta de filme-denúncia sobre os horrores da ditadura de Pinochet. Isso se dá em função como Patrício Guzmán roteirizou e orquestrou sua narrativa com o material documental de Pablo Salas


Pode-se dizer que o doc. é mais cruel nas imagens realistas estabelecendo-se como  uma construção cinematográfica híbrida entre o passado e  o presente, a história violenta e a imagem "sofisticada" de prédios comerciais e prosperidade para poucos,  o silenciamento de vozes na ditadura e o sentimento de abandono e desesperança, a feiúra do ato humano brutal e a magnífica beleza da Cordilheira. São essas nuances narrativas antitéticas que possibilitam refletir sobre como Patrício Guzmán ama o Chile, preocupa-se com sua terra e não perdeu a fé, mas também revive o exílio ao ver que, mesmo quando retorna ao país, a opressão continua.



Parafraseando Pablo Salas, cineasta Chileno: "aqui é meu país, não posso abandoná-lo".


A montagem do documentário mescla narração de voz do próprio diretor, estabelecendo essa intimidade dele com o país e a observação dessa história, além de imagens muito exclusivas da violência e totalitarismo durante o governo Pinochet. A contribuição dos registros do cineasta Pablo Salas, e do depoimento do escritor Jorge Baradit são essenciais e agregam bastante informação e reflexão crítica ao longa em virtude dos desdobramentos da ditadura para o país. As vozes deles podem ser as vozes de outros Chilenos, então, a relevante dimensão de ouvir todos esses relatos com atenção.


Salas é o cineasta documentarista que tem muitos registros da violência ditatorial e os guarda como um museu de resistência e luta. Sua participação tem algo de fundamental e de trágico, pois ele não deseja sair do Chile e transmite  o sentimento do artista que foi abandonado pelo próprio governo. Salas é o reflexo do abandono da cultura do país, algo semelhante ao que está acontecendo no Brasil. Já Baradit é um estudioso da história e da ficção e estabelece uma leitura crítica de como os Chilenos se sentem. Ainda que a opinião dele não seja a de todos, ele representa muitos dos sentimentos e opiniões da esquerda.




De certa forma, não é fácil acompanhar o longa depois de algum avanço da projeção considerando que, sob a perspectiva de uma análise racional da História dos países latino americanos que vivenciaram ditaduras, infelizmente, a sociedade não evoluiu como deveria. Há um retrocesso atual nas lideranças políticas, colocando a democracia da América Latina em risco.


Assim,  a História de opressão, autoritarismo  e interesse econômicos de um grupo específico de poderosos permanece, e muitos sonhos de cidadãos são frustrados como se a Cordilheira dos sonhos tivesse sido abandonada junto com eles, inclusive, aquela sensação de exílio mesmo morando no próprio país. Entretanto, para o bem, Patrício Guzmán recupera a memória do Chile e as forças através da Cordilheira. Ela é realmente a metáfora de que nem tudo está perdido. É preciso abraçar a esperança.





Fotos e citação do diretor, uma cortesia da assessoria do Festival para imprensa. Divulgação permitida.

0 comentários:

Caro (a) leitor(a)

Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.

Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.

No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.

Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.

Saudações cinéfilas,

Cristiane Costa, MaDame Lumière