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  Imperdíveis dicas Streaming  MaDame Lumière  Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação N...

O Preço da Verdade (Dark Waters, 2019)

 



Imperdíveis dicas Streaming MaDame Lumière 


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


No contexto empresarial, fala-se muito em responsabilidade sócio-ambiental e uma pauta de governança corporativa que esteja alinhada à sustentabilidade dos negócios, respeitando o meio-ambiente, entretanto, essa questão politicamente correta é controversa. De uma forma ou de outra, na relação entre  produção, consumo e sociedade, a natureza está sendo continuamente prejudicada, o que exige que cada cidadão desenvolva uma consciência de corresponsabilidade e cooperação para defender os recursos ambientais. "O Preço da Verdade" (Dark Waters, 2019), recente filme de Todd Haynes, resgata a importância de assumir uma postura ativista em defesa do meio-ambiente e conta com o protagonismo de Mark Ruffalo no papel de Rob Bilott, um advogado ambientalista corporativo que conduz um processo contra uma grande multinacional.






O roteiro adaptado partiu de um artigo publicado na revista "The New York Times" intitulado "O advogado que se tornou o pesadelo da Dupont" (The Lawyer who became Dupont's worst nightmare). Em 1998, um pequeno fazendeiro de West Virginia (USA), Sr. Wilbur Tennant (Bill Camp) estava à procura de ajuda jurídica em virtude de mananciais contaminados próximo à sua fazenda e o adoecimento de seu gado. Por uma familiaridade com a avô de Rob Bilott, Sr. Tennant conseguiu contato com o advogado que, embora tivesse experiência com clientes empresariais, assumiu esse processo de longa duração contra a Dupont, uma das principais corporações químicas no mundo.


Nesse polêmico caso, a empresa é acusada de poluição química na cidade, ocultando informações sobre os efeitos colaterais nocivos de uma de suas maiores inovações no mercado: o teflon. Na composição dessa substância formada por uma cadeia de moléculas polimerizadas está o politetrafluoretileno (PTFE) que, conforme as investigações, pode provocar vários tipos de câncer.  À medida que Rob Bilott identifica provas em uma linha do tempo, tanto nas dimensões privadas das pessoas que tiveram contato com o PTFE como também na dimensão histórica dos negócios da Dupont e sua produção, o longa deixa claro que a empresa sabia dos malefícios do teflon.






A narrativa é construída de forma a percorrer muito mais a perspectiva do advogado, sua relação e interações com a comunidade de Parkersburg, com o escritório de advocacia e seu chefe e mentor Tom Terp (Tim Robbins). A cinematografia, direção e edição foram bem desenvolvidas criando uma boa atmosfera de "eco-thriller dramático"; apresentando a influência da Dupont na tradição e desenvolvimento da cidade, mas também as dimensões familiares com pessoas adoecidas pela poluição química, desconforto e conflitos dos moradores, e os impactos do processo estressante na vida de Rob Bilott, Sr.Tennant e alguns outros personagens como a esposa de Bilott, Sarah (Anne Hathaway), leal companheira do marido.


É notável a interpretação consistente de Mark Ruffalo, um excelente ator, absolutamente profissional em tudo que se empenha. Ruffalo consegue equilibrar a determinação, a responsabilidade e o compromisso do personagem em longos anos de processo, e demonstra o cansaço, a exposição e a vulnerabilidade do advogado. Juntamente a esse equilíbrio na atuação, o ator "leva o filme nas costas", considerando que o antagonista não necessariamente está ativo em cena. A Dupont surge como uma empresa que silenciou um mal, sendo assim, esse antagonismo está presente na narrativa através do adoecimento da população, do suspense nos desdobramentos do caso e da opressão das grandes corporações no cidadão comum. O antagonismo não é muito evocado em um ou outro personagem específico da corporação, portanto, Mark Ruffalo sustenta substancialmente a narrativa.


Com relação à direção, Todd Haynes tem uma característica virtuosa em dramas: dá o benefício da observação ao espectador. Com isso, podemos analisar um pouco da cultura Americana e seu estilo de vida. Ele já tinha realizado esse tipo de percurso narrativo cuidadoso em melodramas como "Carol", "Longe do Paraíso" e na minissérie "Mildred Pierce", nos quais sua câmera nos apresenta múltiplas realidades e dramas sociais. Assim, ele orquestra muito bem as cenas da cidade e as dos ambientes mais específicos como as casas da família Tennant e da família Bilott. Em uma das mais belas sequências, Bilott dirige seu carro e, embalado pela nostálgica música "Take Home" de John Denver, o espectador observa a comunidade, suas casas, fábrica, estrada, entre outros, e como a Dupont está presente no cotidiano de Parkersburg. 






Outra questão interessante é a iniciativa do cineasta em realizar outro tipo de filme: uma combinação de suspense e drama, com temática de meio-ambiente, contexto empresarial e meio jurídico. Normalmente, Todd Haynes é um excelente diretor de melodramas marcantes, seara na qual dirigiu consagradas atrizes como Julianne Moore, Kate Winslet e Cate Blanchet. Exercitar o seu olhar para a direção de um longa com diversos personagens masculinos em um meio que normalmente é mais masculino, e em uma pequena cidade americana industrial, não deixa de agregar valor à sua cinematografia e à experiência do público. A única lacuna dessa direção foi não apresentar bons desdobramentos do conflito na inter-relação dos eventos narrativos. É como se faltasse um bom opositor em cena para  "bater de frente" com o personagem de Mark Ruffalo. Ainda assim, estamos diante de um bom filme que se estabelece em uma cotação entre 3,5 e 4, considerando uma escala de 1 a 5.


"O Preço da Verdade", encontrado em algumas traduções como "Verdade envenenada", reafirma uma militância pró-ambiente, especialmente porque denuncia uma grande corporação e aponta, a quem ainda não sabia do caso, que há essa mancha na história e reputação da empresa. Assumir uma postura ativista é preciso se uma empresa atinge a segurança e saúde da população e coloca em risco o meio-ambiente, portanto, o filme é inspiracional e engajado com uma agenda de defesa da natureza e sociedade. 


É importante que as pessoas aprendam a não temer processar grandes empresas, contanto que tenham provas claras amparadas pela legislação. Essa história nos ensina que se trata de uma ação individual que ganhou a adesão de outras pessoas e reforçou a importância do coletivo, da garantia de direitos e da transparência e responsabilidade das empresas. Não é um filme apaixonante, mas é corajoso, ético e sonhador. É sonhador, principalmente, porque sabemos bem que nem sempre as empresas são responsabilizadas pelos seus atos e muito menos devolvem em bem o próprio lucro que retiram do meio-ambiente. Também sabemos que, na prática, muitos cidadãos acabam temendo o poder das empresas.




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