Imperdíveis dicas streaming MaDame Lumière
Em boa parte das ficções e documentários realizados pelo Cinema Latino-Americano, a questão da memória tem sido utilizada na narrativa para retratar a influência da História no presente, tanto na dimensão social como na dimensão individual. Dentro desta temática no Cinema Chileno, é comum encontrar diretores(as) que resgatam e filmam as presenças, ausências, violências, silêncios gerados pela ditadura. Patrício Guzmán ("A batalha do Chile", "Salvador Allende"), Carmen Luz Parot ("Estádio Nacional") , Pablo Larraín ("No", "Neruda") e Marcela Said ("I love Pinochet" e o mais recente "Cachorros") estão entre os cineastas que revelam dramas sobre este genocida momento da História do Chile, quando Pinochet instarou seu autoritarismo no início da década de 70.
Assim como ocorrido no Brasil, famílias foram impactadas por terem seus amigos, filhos e demais familiares mortos, torturados e/ou desaparecidos durante a ditadura. A injustiça e impunidade trouxeram (e ainda trazem) males dilacerantes à nação. Neste sentido, o filme "Cachorros"(Los perros, 2017) tem uma tônica diferente e interessante ao trazer uma perspectiva feminina e contemporânea sobre como a ditadura, direta ou indiretamente, ainda afeta o presente, inclusive influenciando como alguns indivíduos reagem ao rememorar este passado opressor e violento.
A diretora trabalhou com dois excelentes atores Chilenos, Alfredo Castro ("O Clube", "De longe te observo") e Antonia Zegers ("O Clube"). Ele interpreta Juan, um ex-coronel e atual professor de equitação. Ela interpreta Mariana, a filha de um empresário local, além de representar uma mulher na faixa dos 40 a 45 anos, uma geração que nasceu próximo ao golpe de Estado de Pinochet. Casada com o arrogante Pedro (Rafael Spregelburd), Mariana não é uma pessoa rígida e autoritária, pelo contrário, tem bom humor, descontração e leveza, fazendo total contraponto aos comportamentos rudes e machistas dos homens em cena.
A relação entre Juan e Mariana é nebulosa, um misto de profissionalismo, amizade e sexo. Ela aprende a andar de cavalo com ele, fica atraída por esse homem discreto e misterioso, depois o "relacionamento" evolui para uma necessidade de Mariana conhecê-lo melhor. Ela começa a buscar respostas: "Será que Juan violou direitos humanos?".
Juan é cheio de segredos e traumas, cala-se diante de perguntas, desconversa friamente, pode ser preso a qualquer momento em função de crimes cometidos, provavelmente mortes e torturas na ditadura. Tudo indica que ele foi um instrumento repressor e coercitivo da ditadura, com um histórico de brutalidades e violação de Direitos Humanos, porém em nenhum momento isso é abertamente dito e dialogado entre eles. A narrativa vai se servindo destes silêncios e pontos de interrogação. À medida que eles se envolvem, Juan não se sente à vontade para contar seu passado e está ciente de seu passado monstruoso. Mariana não tem uma postura política, de resistência, está à parte de tudo isso, age de forma espontânea, imprevisível, amável.
Tanto Alfredo Castro como Antonia Zegers são atores experientes e tem uma ótima química, logo os olhares e palavras não ditas funcionam bem no desenvolvimento da narrativa. Porém, o filme não se aproveita tanto da vantagem de ter estes dois excelentes atores. Há uma lacuna mais de roteiro do que propriamente de direção. Falta um texto melhor que potencializa a temática e o trabalho dos atores. Faltam diálogos e conflitos mais densos. Talvez um posicionamento político mais assertivo seria bem-vindo no drama.
Em determinado avanço da história, essa relação entre eles não é tão explorada e a personagem de Antonia Zegers trabalha muito mais sozinha. Com isso, a atriz é a melhor parte do filme. Mariana é casada com um Argentino bem estúpido e está fazendo tratamento de fertilização, sendo assim, na maioria das cenas, ela é silenciada, mal-tratada. Ela não é levada a sério nem no próprio casamento e nem pelo pai, logo, tudo isso mostra o autoritarismo dos homens, tanto o escancarado como o enviesado.
Refletindo melhor sobre os personagens, é compreensível verificar porque Mariana é uma personagem que não tem nada a ver com esse ambiente bruto e machista. Lamentavelmente, ela vai perdendo o brilho, aprendendo a socializar neste contexto duro. Por mais que ela tenha vivacidade e não quer viver de passado, ela encontra um marido bruto, um pai que ri e não tem arrependimento por ter patrocinado a ditadura e um novo amor que tem um passado obscuro e violento.
Marcela Said não quis transformar o seu filme em um debate político impregnado de mágoas da História; isso fica bem evidente na narrativa. É através das entrelinhas que a cineasta vai tecendo uma personagem feminina que não é bem tratada pelos homens da história e, portanto, uma mulher filha da elite que também é vítima e silenciada nos diálogos.
Trata-se de um filme que demonstra como é difícil domar esse passado traumático, como é desafiador seguir em frente em um contexto narrativo no qual os homens são brutais e ainda carregam e naturalizam preconceitos, autoritarismo, culpa e vergonha. Inserir uma personagem feminina burguesa, de espírito livre e descontraída, torna-se um bom chamariz para o longa. Mariana ajuda a revelar que nem tudo mudou. As violências da História ainda ecoam no presente, e ecoam principalmente nos ambientes familiares.
Assim como ocorrido no Brasil, famílias foram impactadas por terem seus amigos, filhos e demais familiares mortos, torturados e/ou desaparecidos durante a ditadura. A injustiça e impunidade trouxeram (e ainda trazem) males dilacerantes à nação. Neste sentido, o filme "Cachorros"(Los perros, 2017) tem uma tônica diferente e interessante ao trazer uma perspectiva feminina e contemporânea sobre como a ditadura, direta ou indiretamente, ainda afeta o presente, inclusive influenciando como alguns indivíduos reagem ao rememorar este passado opressor e violento.
A diretora trabalhou com dois excelentes atores Chilenos, Alfredo Castro ("O Clube", "De longe te observo") e Antonia Zegers ("O Clube"). Ele interpreta Juan, um ex-coronel e atual professor de equitação. Ela interpreta Mariana, a filha de um empresário local, além de representar uma mulher na faixa dos 40 a 45 anos, uma geração que nasceu próximo ao golpe de Estado de Pinochet. Casada com o arrogante Pedro (Rafael Spregelburd), Mariana não é uma pessoa rígida e autoritária, pelo contrário, tem bom humor, descontração e leveza, fazendo total contraponto aos comportamentos rudes e machistas dos homens em cena.
A relação entre Juan e Mariana é nebulosa, um misto de profissionalismo, amizade e sexo. Ela aprende a andar de cavalo com ele, fica atraída por esse homem discreto e misterioso, depois o "relacionamento" evolui para uma necessidade de Mariana conhecê-lo melhor. Ela começa a buscar respostas: "Será que Juan violou direitos humanos?".
Juan é cheio de segredos e traumas, cala-se diante de perguntas, desconversa friamente, pode ser preso a qualquer momento em função de crimes cometidos, provavelmente mortes e torturas na ditadura. Tudo indica que ele foi um instrumento repressor e coercitivo da ditadura, com um histórico de brutalidades e violação de Direitos Humanos, porém em nenhum momento isso é abertamente dito e dialogado entre eles. A narrativa vai se servindo destes silêncios e pontos de interrogação. À medida que eles se envolvem, Juan não se sente à vontade para contar seu passado e está ciente de seu passado monstruoso. Mariana não tem uma postura política, de resistência, está à parte de tudo isso, age de forma espontânea, imprevisível, amável.
Tanto Alfredo Castro como Antonia Zegers são atores experientes e tem uma ótima química, logo os olhares e palavras não ditas funcionam bem no desenvolvimento da narrativa. Porém, o filme não se aproveita tanto da vantagem de ter estes dois excelentes atores. Há uma lacuna mais de roteiro do que propriamente de direção. Falta um texto melhor que potencializa a temática e o trabalho dos atores. Faltam diálogos e conflitos mais densos. Talvez um posicionamento político mais assertivo seria bem-vindo no drama.
Em determinado avanço da história, essa relação entre eles não é tão explorada e a personagem de Antonia Zegers trabalha muito mais sozinha. Com isso, a atriz é a melhor parte do filme. Mariana é casada com um Argentino bem estúpido e está fazendo tratamento de fertilização, sendo assim, na maioria das cenas, ela é silenciada, mal-tratada. Ela não é levada a sério nem no próprio casamento e nem pelo pai, logo, tudo isso mostra o autoritarismo dos homens, tanto o escancarado como o enviesado.
Refletindo melhor sobre os personagens, é compreensível verificar porque Mariana é uma personagem que não tem nada a ver com esse ambiente bruto e machista. Lamentavelmente, ela vai perdendo o brilho, aprendendo a socializar neste contexto duro. Por mais que ela tenha vivacidade e não quer viver de passado, ela encontra um marido bruto, um pai que ri e não tem arrependimento por ter patrocinado a ditadura e um novo amor que tem um passado obscuro e violento.
Marcela Said não quis transformar o seu filme em um debate político impregnado de mágoas da História; isso fica bem evidente na narrativa. É através das entrelinhas que a cineasta vai tecendo uma personagem feminina que não é bem tratada pelos homens da história e, portanto, uma mulher filha da elite que também é vítima e silenciada nos diálogos.
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Cristiane Costa, MaDame Lumière