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  Imperdíveis dicas  Streaming    #RepresentatividadePreta  por   MaDame Lumière Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cine...

Se a rua Beale falasse (If Beale street could talk, 2018)

 



Imperdíveis dicas Streaming  

#RepresentatividadePreta 

por MaDame Lumière


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Romance lançado em 1974, "Se a rua Beale falasse" (If Beale street could talk, de James Baldwin) foi adaptado em 2018 para os Cinemas sob a direção de Barry Jenkins, elogiado pelo sensível "Moonlight: sob a luz do luar". O filme homônimo concorreu a três categorias do Oscar, entre elas: melhor atriz coadjuvante (a vencedora Regina King), melhor roteiro adaptado e melhor trilha sonora original. Ao lado de cineastas como  Ava DuVernay, Jordan Peele, Spike Lee e Steve McQueen, Barry Jenkins tem sido um dos cineastas contemporâneos que se destacam por um cinema profundo e poético de forte visibilidade preta sobre a memória, herança cultural, racismo e crítica social.


"Se a rua Beale falasse" é como um poema narrado através das linguagens poética e audiovisual. É belo e doloroso em diversos aspectos, e em especial, trata-se de uma história de amor e de enfrentamento social em uma sociedade Americana conservadora e racista. 







Na história ambientada na década de 70, Tish Rivers (Kiki Layne), uma jovem ingênua e dócil apaixona-se pelo seu amigo de infância, Alonzo "Fonny" Hunt (Stephan James). Ele é preso e acusado injustamente por estupro. Nessa dramática jornada, ela se esforça para provar a inocência do seu amado e conta com o apoio de sua mãe Sharon Rivers (Regina King), irmã Ernestine Rivers (Teyonah Parris), pai Joseph Rivers (Colman Domingo). Por parte da família do noivo, Tish somente tem a empatia do pai de "Fonny", Frank Hunt (Michael Beach).


No início do longa, o público é apresentado a essa Rua de New Orleans que significa a memória preta onde entrecruzam história, violência, luta, resistência, jazz e afetos. "Todo negro nascido nos EUA nasceu na Rua Beale... A Rua Beale é nosso legado. Esse romance lida com a impossibilidade e com a possibilidade, a absoluta necessidade de dar expressão a este legado. Cabe ao leitor dar sentido a essa batida". 





James Baldwin (acima) e o Barry Jenkins: representatividade preta na Literatura e Cinema


Com uma introdução tão sincera e evocativa logo na sequência acompanhada pela delicada trilha sonora de Nicholas Brittel e a expressiva cinematografia de James Laxton, pode-se dizer que o começo  coloca o espectador em uma atmosfera romântica e, ao mesmo tempo, melancólica e duramente realista. É um convite ao leitor apropriar-se dessa batida do jazz, a voz do povo preto na história Afro-americana, e conhecer a história de Tish e Fonny que foi atravessada pelo racismo estrutural e injustiça. Embora o filme não seja um musical sobre jazz, é a representação da realidade da Rua Street como espaço de memória, cultura e resistência que se faz presente na obra. A belíssima trilha sonora contribui para uma maior sensibilidade da narrativa, trazendo o repertório musical aderente à epoca e uma homenagem à herança cultural negra.


Na sequência inicial, Tish está visitando "Fonny" em uma prisão, e aos poucos, a narrativa é contada com flashbacks mesclados com planos de temporalidade presente, e uso frequente de voz over, com o registro sonoro de Tish como uma contadora da história. Essa narração de Tish aproxima o público a um ponto de vista de uma mulher preta, uma jovem que, apesar da pouca idade, já sente na pele o preconceito racial que atinge sua vida em muitos aspectos.  Na edição, o diretor continua com técnicas experimentais de uma narrativa que corrobora sua poesia em imagens que contribui para uma imersão do espectador. A linguagem poética e sua capacidade de expor e transcender os reais dramas humanos é um dos maiores prazeres dos últimos filmes do diretor.


Barry Jenkins tem sua própria marca no Cinema e demonstra ser um excelente diretor de atores, dando bastante liberdade para seu elenco simplesmente brilhar e voltar-se à dramática jornada das condições psicológicas e sociais dos personagens.  É uma direção que apresenta uma constante intimidade com os corpos negros, desde mostrar como eles são hiper sexualizados pela história e cultura, até a questão da cor da pele dentro e fora da comunidade negra, na relação com a violência policial, a elite branca e o sexo. Em uma das cenas mais tensas e tristes, por assim dizer, a mãe e irmã de "Fonny" (também negras e com pele mais clara) tratam Tish com muita hostilidade, como se fossem seres superiores. Dessa forma, a história de amor é atravessada por várias manifestações que vão contra essa união, seja na dimensão macro, a coletiva-social, seja no microcosmo do ambiente familiar.






Ainda no seio familiar, as dificuldades econômicas são denunciadas considerando os desafios de conseguir um bom advogado para "Fonny", o racismo cotidiano enfrentando pelos homens negros e os trabalhos ilegais e de subemprego pelos quais a família deve submeter-se, assim como esforços conjuntos da Sra Sharon (Regina King) que dá um peso dramatúrgico mais maduro ao filme. A participação de King, uma das melhores atrizes negras do mundo e uma das poucas que já ganharam uma estatueta de Oscar, é tão necessário quanto cirúrgica. Por Tish ser uma jovem inexperiente, apaixonada e sofrida pela ausência do amado, a mãe é seu porto seguro e sua força, acredita na inocência de "Fonny" e celebra esse amor com esperança. 


A direção de arte e fotografia valorizam muito a narrativa do longa e são bem articuladas com a montagem. As escolhas relacionadas a registros documentais sobre as injustiças e desigualdades sociais na América e os relatos sobre racismo quebram um pouco da poética do cineasta, mas permitem uma hibridização imagética do longa que incorpora bem a realidade e crítica sociais e, como se deu a construção de uma nação através da violência étnico-racial.


Apesar da boa aceitação do filme por parte da crítica e do público, ainda sob o aspecto técnico, o desenvolvimento da narrativa é bem marcada por escolhas de direção que podem ser visualmente cansativas a alguns espectadores. Barry Jenkins usa bastante os close-ups, mostrando até um certo vício por esse recurso em momentos que não fariam tanta diferença assim. Os close-ups, como exercício de linguagem, possibilitam poetizar aqui alguns enquadramentos nos corpos e rostos negros.






Na experiência em geral, não há como não se emocionar com a história de amor e os momentos afetuosos e reveladores do afeto e da cumplicidade entre Tish  e "Fonny". Por outro lado, a narrativa consegue ser denunciatória, registrando críticas ao sistema prisional Americano (algo que costuma ser denunciado nos filmes de Ava DuVernay). O espectador tem o privilégio de absorver essas nuances dramáticas que são tão intrínsecas à realidade do negro, mas que também o aproximam de sentimentos universais da condição humana em um mundo que tem se mostrado sem amor e sem respeito pela existência.






O longa é uma obra maravilhosa e apresenta uma poesia pouco vista nos últimos filmes que representam a realidade presente e histórica dos negros, sendo assim, um de seus diferenciais é, ao mesmo tempo, ser delicado e duro, unindo essas duas pontas tão contraditórias e presentes na História, afinal "O riso e o amor vem do mesmo lugar, mas pouca gente vai lá". De fato, pouca gente conhece a Rua Beale, pouca gente conhece as tantas ruas Beales que há no mundo, pouca gente conhece o que é ser preto (a). É preciso sentir essa batida com amor e aceitação!









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