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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira de Cinema, e specialista em Comunicação   Não se ignora o coração de uma mulher, mesmo q...

Lady Macbeth


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira de Cinema, especialista em Comunicação 



Não se ignora o coração de uma mulher, mesmo que não a ame.  Este é um prólogo que se ajusta bem a Lady Macbeth, primeiro longa-metragem de William Oldroyd. Como a anunciação de uma tragédia que evoca a paixão, a obsessão e a independência de uma mulher,  o filme baseado no romance Lady of Macbeth de Mtsensk District, de Nikolai  Leskov, apresenta a jovem Katherine (Florence Pugh) em um casamento fadado ao fracasso. Em uma região rural da Inglaterra do século XIX, Katherine é a esposa de Boris Macbeth (Paul Hilton), um ríspido senhor bem mais velho que ela e que a trata como uma mercadoria. Para agravar a hostilidade que tenta fraquejar Katherine em variadas situações do cotidiano, o seu sogro Boris (Christopher Fairbank) reforça o assédio moral.





Em um nítido matrimônio de fachada, Katherine é constantemente ignorada, humilhada. As primeiras cenas já antecipam ao espectador que ela é uma mulher solitária que, em pleno frescor da juventude e seus desejos, tem um marido que não a satisfaz afetiva e sexualmente. A experiência de William Oldroyd como diretor de teatro vem a agregar um peso à narrativa como uma ópera que abre e fecha quadros de profunda dramaticidade da condição da mulher da época. A abordagem teatral na decupagem, fotografia e composição dos planos é convertida em uma misè en scene austera, de beleza irretocável, com enquadramentos que são como pinturas milimetricamente intercaladas e direcionam mais o olhar para o drama feminino. Resta ao espectador contemplar a brutalidade dessas relações humanas e ser a testemunha da violenta ruptura de uma mulher enclausurada que deseja viver suas paixões.




Lady Macbeth é uma provocante narrativa sobre a libertação de uma mulher. Sua pungente simbologia como romance e ópera filmada é sua capacidade de romper o desejo reprimido, tão sintomático nas expressões e ações de Katherine. Com a plausível atuação da competente Florence Pugh, envolta em mistério, sedução e audácia, a personagem não coloca limites para sua independência. Age com comando para não perder o controle, mas também está febril pela paixão. Sua turbulenta performance em cena é um chocante rompante, bastante impulsivo, mas que, como estratégia da conversão da repressão em liberdade, a violência é precisa, bem conduzida pelo diretor. Assim, este belo filme transita bem entre o rigor de um lar que cala a voz da mulher e vai em direção à uma explosão do desejo, do sexo e da crueldade. Ninguém estará livre dos violentos impulsos de Katherine, nem mesmo uma outra mulher, a empregada Anna (Naomi Ackie), igualmente uma personagem trágica, presa à submissão e com um desfecho desolador. A notável interpretação de Naomi Ackie contribui para o clima de temor e desconfiança nessa estranha casa e dá uma excelente tensão e suspeita no relacionamento dela com Katherine.





As cenas ardentes entre Katherine e Sebastian (Cosmo Jarvis) são essenciais para o desabrochar da rebeldia e da sexualidade contra essa tradição higienista nas relações afetivas. Katherine entrega seu corpo e coração a um empregado negro, bruto e irresistível. Ela encontra o orgasmo nos braços de um homem negro e pobre. Ela se deixa ser devorada pelas delícias da paixão em uma entrega realista, pulsante, sem preconceitos. Essa química entre eles é muito significativa na crítica social do filme, visualmente perceptível. O cineasta trabalha até mesmo a mudança de Katherine que antes se vestia com espartilhos apertados que sufocavam seu corpo e a deixavam de mau humor. Depois, ela se apresenta com os cabelos soltos, mostrando o corpo nu ou partes dele e fora das formalidades de senhora. Totalmente entregue à luxúria e aos perigos da traição, ela impressiona pelo jogo sedutor e sem freios. Toda combinação inter-racial e seus efeitos tão carnais e envolventes amplificam a relevância e magnitude da obra  em um contexto social que, por tradição, branquea o amor. 




É um relacionamento que é quase inexistente no Cinema Americano, mas o espectador poderá ver em filmes independentes como Lady Macbeth. Geralmente, o Cinema comercial não mostra um homem negro transando com uma mulher branca.  Ele pode sugerir, mas não enquadra a relação sexual em cena. É mais comum ver mulheres negras transando com homens brancos, fato que reforça as tradições colonialistas do senhor do engenho e da escrava. Felizmente, o roteiro de Lady Macbeth intensifica essa libido entre os amantes e não trata Sebastian como um mero objeto sexual, como os negros eram tratados antigamente e ainda o são. Em uma das cenas mais românticas, a natureza literária dos amores impossíveis é visível: Katherine está perdidamente apaixonada. Então, a relação não é apenas sobre prazeres sexuais.




Finalmente, o filme tem muito mais luz do que trevas e é esperado que possa iluminar algumas mentes ultrapassadas. Muitos acham que uma mulher apenas se liberta quando enlouquece. Esse pensamento, quando associado a descrédito e preconceitos machistas, é bastante equivocado e desprezível. Em um olhar mais superficial, Katherine parece tresloucada, mas não é. Para acentuar a força dramatúrgica, ela vai ao limite, assim, é uma mulher passional, inteligente e corajosa ainda que o drama retrate seu ímpeto cruel das paixões. O Cinema, o Teatro e a Literatura costumam utilizar comportamentos insanos como representações para reforçar a independência das mulheres, porém, a ferocidade feminina é eficaz nas Artes à medida que ela rebate a violência imposta por muitos homens às mulheres. É como metaforicamente "dar o troco na mesma moeda"


Violar a autoestima e o valor de uma mulher é uma das maiores violências e loucuras do mundo. A mesma mulher que ama, gera e cuida do ser humano é a mesma que continua sofrendo abusos e não é respeitada; portanto, se Lady Macbeth é uma obra que representa uma sociedade em 1865, depois de 152 anos, o romance continua contemporâneo e medular. Muitos ainda não aprenderam que a mulher é livre e dona do próprio desejo e afetos. 



Ficha técnica do filme IMDB Lady Macbeth

Fotos, uma cortesia California filmes


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