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" É uma das cidades mais bonitas do mundo.  Olhe bem para ela, antes que ela acabe de ser destruída”.  ( Morango e Chocolat...

Últimos dias em Havana




"É uma das cidades mais bonitas do mundo. 
Olhe bem para ela, antes que ela acabe de ser destruída”. 

(Morango e Chocolate, de Tomás Gutiérrez Alea (Titón) e Juan Carlos Tabío)


Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação.



Diego (Jorge Martínez) está em uma cama, moribundo e dependente dos cuidados do amigo Miguel (Patricio Wood). Em uma fase quase terminal da AIDS, com dificuldades para comer e respirar, Jorge representa bem um fragmento das palavras de Che Guevara : "é preciso endurecer mas sem perder a ternura jamais". Em uma Cuba cada vez mais abandonada, dura e entregue à decadência, é ele que traz a alegria, a imaginação e o acolhimento a um lar em ruínas, um minúsculo apartamento em um cortiço de Havana. É ele que, mesmo à beira da morte, mostra que é preciso manter a esperança em uma vida precária. A revolução Cubana não resolveu os problemas de desigualdades, então depende de cada um  resolver os problemas diários com otimismo.





Dirigido por Fernando Pérez (de "Suite Habana"), Últimos dias em Havana é uma homenagem ao clássico cubano "Morango e Chocolate" (Fresa y chocolate, 1993), de Titón e Tabío. É centrado na amizade que supera as diferenças e os desencantos da vida. Se Jorge é otimista, Miguel é o anti-herói mal humorado e decepcionado com seu cotidiano. Ainda que cuide do amigo, ação que expressa sua generosidade e lealdade, é um personagem misterioso que não vê prazer em nada. Em algum momento de seu passado, ele se frustrou muito. A precisa atuação de Patricio Wood mostra um homem morto-vivo, mais esvaído que Jorge. Miguel apenas se mobiliza para conseguir o visto para emigrar aos Estados Unidos. Cuba não é mais seu presente e nem seu futuro. Sua racionalidade evidencia que os resquícios da revolução Cubana ficou no plano das aspirações idealistas. Ter dificuldades para colocar comida e ter água em casa não faz de Havana um lugar minimamente honrado para viver.






Ao espectador é dado o privilégio de ter esperanças, independente se for um adepto do Neoliberalismo ou um saudosista do Socialismo, considerando que o mundo é um lugar instável em muitas sociedades e todos são afetados ou serão afetados, direta ou indiretamente, por esse caos sócio-econômico e político. O idealismo, seja ele de qualquer natureza, é um motor que continuamente precisa funcionar para aliviar o cotidiano bruto, por outro lado, ele  carrega também um imaginário que nem sempre acontecerá na realidade. Acima de tudo, o filme é sobre amizade e a tolerância que torna a vida mais leve e significativa. Também, é um filme sobre a decadência da sociedade Cubana. O declínio em cena torna mais vívida a amizade e vice-versa, pois, é exatamente nesse cenário de empobrecimento que os personagens se apoiam e fica mais perceptível que uma das poucas riquezas humanas ainda está no campo das relações de afeto e humor.





Embora não tenha o propósito de intensificar as diferenças políticas de Morango e Chocolate, no qual Diego (Jorge Perugorría) é um artista homossexual libertário e contra o sistema, e David (Vladimir Cruz), um estudante fiel à ideologia comunista, a narrativa ainda consegue expressar uma ligeira melancolia com um sistema socialista que não deu muito certo. Esse é o lado mais depressivo, o de observar que, das construções sujas e em ruínas aos rostos de um povo em nítido sofrimento, a frase do filme de Titón em 1993, tornou-se realidade: "Olhe bem para ela (Havana), antes que ela acabe de ser destruída". Vinte e quatro anos depois, Cuba é retratada com uma economia estagnada e os personagens sobrevivem com muitas dificuldades financeiras e atividades ilícitas e/ou periféricas. Dessa forma, com êxito, Fernando Pérez desenvolve uma boa direção a partir das entrelinhas atitudinais dos personagens e toda a pobreza que circula em Havana. Nelas eles tentam sobreviver em uma miserável cidade, se necessário, tirando proveito das situações mesmo que não sejam pessoas ruins, como a jovem Yusisleydis (Gabriela Ramos) e um garoto de programa imigrante.  O diretor acerta em não julgar esses sobreviventes. 




Últimos dias em Havana não é extraordinário, todavia, é dirigido com sensibilidade e bom humor por um dos mais importantes diretores cubanos da atualidade. O filme estreiou na Berlinale Special, ganhou prêmios em Málaga e na recente edição do Cine Ceará. É uma bela dramédia por causa das atuações de Jorge Martínez, Patricio Wood e Gabriela Ramos. Mantém a poesia na sua dramaturgia, mas também é um claro retrato da decadência social em Cuba sob a mira de um diretor que não esconde seu desconforto. 


Com maior mérito está Patricio Wood e as várias camadas de seu personagem totalmente insatisfeito com essa vida deplorável.  É angustiante ver os conflitos de Miguel que o próprio não consegue superar e nem expressar verbalmente. De poucas palavras, seu rosto esconde aflições e o constante comportamento de um estranho no país que prefere permanecer em silêncio. Mesmo sem saber seus segredos mais íntimos, é possível imaginar que um deles seja a frustração por Cuba, por ver tanta miséria e ter o desejo de ir viver como um imigrante nos Estados Unidos. Observar sua dificuldade em ler poucas linhas em inglês  dá uma breve ideia das dificuldades que ele, ainda teria que enfrentar, ao ser um imigrante de meia idade em um sistema selvagem como o Americano. Um sistema que sofre o risco de colapso internacional e que ele seria apenas mais um número na máquina de resultados e lucros.





O desejo de partir de Havana é um descontentamento que reflete o desespero de ver o lar em ruínas, passa por uma decepção para a qual parece não haver mais cura. Quantos Brasileiros atualmente também estão insatisfeitos com o Brasil? Muitos. E isso aqui nem é Cuba! Em verdade, ninguém gosta de partir do lar, porque o fracasso não é apenas do país, desistir da Pátria é frustrante, desesperador, uma decisão extrema. Na maioria das vezes, são a família e os amigos que dão a esperança pela permanência. Não valemos nada sem esse afeto.




Ficha técnica do filme IMDB Últimos dias de Havana 

Fotos, uma cortesia Esfera filmes assessoria

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