Imperdível e perturbador!
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
É normal ouvir no cotidiano que há pessoas que têm aversão a receber visitas em suas casas, entretanto, também não é confortável ser uma visita nos dias atuais. Adentrar a casa de alguém pode ser muito agradável como um jantar com vinho entre amigos, mas também, nunca sabemos exatamente as intenções das pessoas, ainda mais as que acabamos de conhecer e/ou temos colegas em comum. O lamentável é que, com os desequilíbrios sociais da vida contemporânea, a socialização tem sido desafiadora e perturbadora.
Considerando as dificuldades da socialização, o ser humano tem atravessado uma série de incômodos naturais como a desconfiança e o medo de lidar com o outro. Com somos seres biopsicossociais, é esperado que haja interação em nossas vidas cotidianas mesmo que isso provoque certa preguiça em conviver com pessoas aborrecedoras. Mas, quais são os riscos de se permitir uma maior intimidade com o outro? Até qual nível de abertura podemos confiar nas pessoas?
Tendo em vista a perspectiva acima, o terror social tem sido uma excelente estratégia do horror psicológico que, quando bem trabalhado em um filme, nos faz refletir sobre os riscos e limites da socialização. Ainda que levado a um patamar severo de periculosidade na ação dos sujeitos, esse tipo de abordagem traz elementos que mesclam o suspense, o horror e o humor, uma combinação assustadora que tira o público de um lugar mais fantasioso e fundamenta uma relação essencial com nossos piores medos e ansiedades. E no geral, o maior medo que deveríamos ter é lidar com o outro, já que pessoas são imprevisíveis.
Em Não Fale o Mal (Speak no Evil, 2024), remake Americano com roteiro e direção de James Watkins e protagonizado pelo talentoso James McAvoy, temos à frente um filme assustador que extrapola a manipulação social de um casal anfitrião e tudo de mal que eles têm de oculto, colocando um casal Americano e sua filha em uma espiral de perigo, medo e morte.
Após se conhecerem em uma viagem de férias, Paddy e Ciara (James McAvoy e Aisling Franciosi) acompanhados com o filho Ant (Dan Hough) convidam Louise e Ben (Mackenzie Davis e Scoot McNairy) e sua filha Agnes (Alix West Lefler) para uma temporada em uma casa de campo nas montanhas. Como a maioria das primeiras interações em uma bela viagem, todos estavam abertos a conhecer o novo, lugares e pessoas, situação favorável para que Paddy, mais expansivo e sedutor, causasse uma impressão de simpatia, mesmo sendo exagerado. Logo mais, como Louise e Ben estavam atravessando uma crise conjugal e entediados com seu dia a dia, decidiram aceitar o convite.
É interessante notar a apresentação do personagem de James McAvoy pois antecipa que, a maioria dos sociopatas, são bastante comunicativos e atraentes, a famosa "ter lábia e mel" para atrair suas vítimas. Como dono da família, somado ao fato do ator ter muito talento e experiência com personagens complexos, disfuncionais e perturbadores, ele vai demonstrando nuances comportamentais tóxicas que transitam entre o exagero, o mistério e a inconveniência, o que dá indícios de que não é confiável e transformará a vida das visitas em um traumatizante pesadelo.
O filme ganha bastante qualidade nas situações inconvenientes que deixam os hóspedes muito desconfortáveis, considerando que os tiram de uma zona de conforto do que é politicamente aceitável em interações sociais. Mesmo que cada pessoa tenha sua moralidade, no caso de Paddy, ele tem duas funções importantes no roteiro: atração e repulsa. Ao mesmo tempo que, Ben, por exemplo, se sente atraído pelo estilo vívido e audacioso de Paddy, por outro lado, Louise apresenta maior rejeição ao comportamento do anfitrião. Dessa forma, McAvoy tem um papel chave que sustenta e qualifica toda a narrativa.
Como surpresas boas acontecem em um excelente horror psicológico, principalmente quando teve investimento da Blumhouse, produtora expert em filmes desse gênero e com olho clínico para ter um elenco de primeira grandeza; a presença de Mackenzie Davis agrega muita qualidade dramatúrgica ao convívio entre casais e para criar tensões nos conflitos. Além de ela ter papel essencial nas cenas de ação violenta, em um papel de superação da mãe que faz de tudo para defender a família, Louise tem uma liderança natural na história, fazendo o contraponto com Paddy. Ainda que tomada pelo medo em diversas circunstâncias, é a personagem que ressalta o mal estar em permanecer ali e que enfrenta Paddy mais abertamente.
Com isso, ao lado de James McAvoy e Mackenzie Davis, o mal estar é um dos principais personagens de Não Fale o Mal. Ele surge em diversas cenas e, de maneira muito interessante, pode ser interpretado como algo que gera silenciamento e/ou dificuldades em como se expressar diante de uma situação incômoda. Assim, como superar o mal estar ao lidar e enfrentar o outro violento? Calar-se? Tentar o diálogo? Agir com a mesma violência? Nas cenas de finalização, entendemos melhor isso por meio da ação de Ant, uma criança ferida e traumatizada pela violência.
De fato, para nós, como seres sociais, como reagir diante da violência, seja ela física, psicológica, social, traz um mal estar seguido de um instinto de sobrevivência, afinal, somos seres naturalmente violentos mas não queremos interagir com o Mal porque ele mostra o pior espelho da humanidade.
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