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Razão e Sensibilidade - dois opostos que se atraem, intimamente necessários para uma equilibrada vida com o equilíbrio das próprias escolh...

Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility) - 1995


Razão e Sensibilidade - dois opostos que se atraem, intimamente necessários para uma equilibrada vida com o equilíbrio das próprias escolhas humanas, tão dependentes destes dois antagonismos que, ora se incluem, ora se excluem, mas cuja conciliatória dinâmica é ainda esperança para alcançar a felicidade e o amor plenos. Sob este ângulo, meus sentimentos de devoção cinéfila têm um carinho muito especial pelo drama Razão e Sensibilidade, dirigido por Ang Lee(em marcante e rara clássica direção) e baseado no romance de costumes da escritora inglesa Jane Austen. O filme relata a história das irmãs Dashwood (Emma Thompson como Elinor e Kate Winslet como Marianne) que, após a morte do pai, são acometidas pela decadência financeira, vítimas do egoísmo do irmão John Dashwood e da cunhada Fanny Dashwood . Sendo mulheres pobres e sem dotes para o casamento, Elinor e Marianne sofrem as agruras do preconceito da sociedade da época enquanto seus corações são tomados pelo amor, vivenciados de acordo com suas personalidades, respectivamente, razão e emoção.




Adaptações de Jane Austen para o cinema têm o previsível tema dos costumes da época que tanto traumatizaram a escritora em sua própria autobiografia, a tal ponto que seus livros têm aquela recorrente sensação de "dejá vu" que fatiga os intolerantes à sua obra. Jane Austen sempre será clássica , feminista e sutilmente libertária à seu estilo, em tom literário exato para o formalismo da sociedade britânica criticando a nobreza vazia que valoriza o casamento como uma escada de ascensão social e, em contraposição, a escritora exaltará as verdadeiras heroínas de Austen que amam verdadeiramente lidando com as consequências de seus próprios sentimentos de amor e renúncia. Para o deleite dos mais sensíveis como eu, a escritora tem o romantismo da poesia, evidente nas tentativas de expressividade dos sentimentos mais afetivos mediante a impossibilidade do amor e o preconceito da hipócrita e "vendável' sociedade. Então, as mulheres desprovidas de dotes amam homens financiados por familiares e que, ainda que as amem, podem ser deserdados de suas heranças ao aceitarem se casar com elas. Elas são emoção. Eles são razão. Esta tensão dos sentimentos, aflorada em uma bela fotografia de época, a sutil bem humorada caricatura da sociedade tola e perversa e heroínas Austenianas que amam e mantêm suas nobrezas de coração tornam estas produções cinematográficas uma experiência memorável para os que acreditam no amor, independente do desfecho final.





Razão e Sensibilidade foi um filme bem cotado e recebeu várias indicações ao Oscar, dando à Emma Thompson os bem merecidos Oscar de melhor roteiro adaptado e Globo de Ouro de Melhor Roteiro e contando com excelentes performances de Kate Winslet (ainda em início de carreira e já se mostrando uma promissora atriz) e Alan Rickman (como o inesquecível gentleman apaixonado, Coronel Christopher Brandon). A magnífica adaptação para as telas tem seu destaque no justo reconhecimento do roteiro, porque Emma Thompson (razão) e Kate Winslet (sensibilidade) são dois opostos que se encontram apaixonadas por homens praticamente inacessíveis em diferentes momentos do enredo, respectivamente interpretados por Hugh Grant (Edward Ferrars) e Greg Wise(Willoughby), pelo menos, o amor não é tão fácil, não é plenamente vivenciado, é silenciado ao máximo e, como unidas irmãs, elas são importantes uma à outra, afinal ambas são consideradas excluídas por não serem um "target" para o enobrecimento via casamento. Além disso, para a obra, a presença do Coronel Brandon é formidável porque, além de ser um homem experiente que tem uma história de sofrimento advindo da própria intolerância da sociedade, ele é praticamente o herói macho de Razão e Sensibilidade que aceita a amizade da família Dashwood sem qualquer preconceito, tendo imenso respeito e carinho por elas e, ainda que se mostre um homem mais sério e sofrido, é um perfeito cavalheiro que não cedeu à amargura e a solidão de sua triste história de vida. Ele está aberto à razão e à sensibilidade, ele ama Marianne Dashwood, ele tolera vê-la com outro homem, ele a espera.





Marianne Dashwood é expansiva, passional, sensível, autêntica e impulsiva. É uma romântica inveterada que lê sonetos de Shakespeare e toca músicas impregnadas de uma carga emotiva triste no piano. Ao conhecer o sedutor e covarde Willoughby que mais tarde a decepcionaria profundamente, ela se doa por inteiro ao amor até mesmo idealizado porque ele nunca confessara que a amava, ainda que ele sentisse isso de uma forma não suficiente, logo ela é a sensibilidade tão heróica e aflorada na anti-heróica sociedade inglesa. Ela é a contra-mão mais exata desta sociedade fútil, na qual as relações afetivas se dão por status e por dinheiro, esvaziadas de verdade, atadas por conveniência e mais deveres do que direitos.E, na minha interpretação, a beleza desta personagem para o filme reside em dois aspectos: ela precisa se desiludir amorosamente e sofrer quase à morte para equilibrar-se na razão e ser feliz. Ela sobrevive nesta sociedade como se desse "um tapa na cara dos mais tolos", ela sobrevive sem se deixar levar pelo seu extremo romântico e idealista e se casa com um homem, maduro, apaixonado e íntegro (Col Brandon) disposta a aprender a amá-lo, mostrando que há a possibilidade para o verdadeiro amor e que, como mulher, ela tem um valor inestimável que não pode ser comprado, assim ela não está à venda como o fraco Willoughby.





Por outro lado, Elinor tem um papel tão bem desenhado, tão rico e genuíno e tão difícil para sua interpretação que eu absolutamente amo Emma Thompson nesta sublime performance. Elinor Dashwood é racional, prudente, responsável e ponderada. Ela é a filha mais velha que já perdeu o viço da juventude e até mesmo o tempo "ideal" para o casamento, com esta característica em uma sociedade preconceituosa, além de ser pobre, ela carrega a humilhação extra de sua própria solteirice. Mesmo assim, ela não se perde em um revolto inconformismo à flor da pele mesmo se mostrando uma mulher triste; ela continua sendo extremamente contida, amiga e paciente, virtudes ressaltadas na performance de Emma Thompson, principalmente quando Elinor descobre que seu amado Edward Ferrars já estava noivo há 5 anos de Lucy Steel, um relacionamento prematuro que começou quando ele estudava em Plymouth, Elinor ainda tem que lidar com a insuportável Lucy confidenciando detalhes deste noivado e ocultar sua amorosa afeição por Edward. Logo, Elinor é basicamente a mulher que se cala perante a emoção e fala durante a razão, o que ficou mais ainda evidente quando ela, abrindo mão de confessar o seu amor, serviu de "porta-voz" do Col Brandon oferecendo a Edward Ferrars um trabalho na paróquia após ele ser deserdado da família, que acabou descobrindo seu oculto noivado com Lucy Steel, desta forma, Edward poderia ter condições de manter seu compromisso de casamento e sustentar a futura esposa.







Apesar de eu não apreciar exagerada racionalidade em mulheres, Elinor é exatamente um ótimo arquétipo da mulher que se racionaliza perante o medo de expor o sentimento do amor e, nisto reside uma de suas mais belas verossimilhanças com o universo feminino, porque quantas mulheres já sofreram caladas a impossibilidade de um amor que nem confessado foi? Quantas mulheres já amaram platonicamente achando que não era possível serem correspondidas? Quantas mulheres já amaram esperando que seus amados confirmassem o interesse por elas? Quantas já amaram homens aparentemente impossíveis aguardando um lance de sorte de seus destinos? Elinor consegue ser tão atual e, ainda que seja aparentemente forte, ela é extremamente frágil com sua racionalidade que é passível de desmoronar em profundos e grandes momentos, faceta que é magnificamente exposta quando ela está prestes a perder a irmã Marianne, doente de amor após ser contagiada por uma febre infecciosa e a maravilhosa cena em que ela descobre que Edward Ferrars não se casou com Lucy Steel, momentos que chegam a ser visualmente poéticos com a maravilhosa interpretação de Emma Thompson expondo a sensibilidade aprisionada, porém sublimamente existente de Elinor Dashwood. Logo, também na minha análise, a beleza desta personagem reside exatamente em revelar que ela tem sensibilidade, ainda que esta esteja impregnada na sua própria racionalidade, fato que julgo belamente e muito bem construído porque se Elinor não fosse sensível ela não seria tão apoiadora da família e dos amigos, ela simplesmente não se sensibilizaria com o Outro, abrindo mão até mesmo de seus próprios sentimentos. Este tênue detalhe é digno de louvor na construção desta personagem e fica muito mais aparente quando vimos a completude da união destas duas irmãs ainda que diferentes, elas se encaixam e precisam uma da outra para dar coesão ao filme. Por tudo isso e, voltando ao início da resenha,
Razão e Sensibilidade são dois opostos que se atraem e são tão necessários um ao outro assim como o Amor à Vida.


Avaliação Madame Lumière



Não haja impedimento à união
de almas fiéis; amor não é amor
se se altera ao ver alteração
ou curvar a qualquer pôr e dispor.
Ah, não, é um padrão sempre constante
que enfrenta as tempestades com bravura;
é estrela a qualquer barco navegante,
de ignoto poder, mas dada altura.
(Soneto 116, Shakespeare)



Título original: Sense and Sensibility
Origem:
EUA, Inglaterra
Gênero:
Romance, Drama
Duração: 136 min
Diretor(a):
Ang Lee
Roteirista(s): Emma Thompson, baseada na obra de Jane Austen
Elenco:James Fleet, Tom Wilkinson, Harriet Walter, Kate Winslet, Emma Thompson, Gemma Jones, Hugh Grant, Emilie François, Elizabeth Spriggs, Robert Hardy, Ian Brimble, Isabelle Amyes, Alan Rickman, Greg Wise, Alexander John


6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Bela critica madame. Taí outro belo filme do Ang Lee. Hoje para mim, perto dos exemplares mais recentes do cineasta, esse filme perdeu um pouco do encanto, mas continua sendo muito charmoso.
    Bjs

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  3. Olá Patrícia,

    Que bom que nos encontramos rsrs... adorei sue comentário divertido, mas cheio de ternura ao qual muito aprecio. É tão bom quando encontramos cinéfilos apaixonados, almas que se atraem em postagens francas de evocação à sétima Arte e ao que sentimos, por isso trouxe o Madame Lumière, para compartilhar com cada um de vocês o que penso e sinto sobre os filmes.

    Vou aparecer na sua Nave especial para irmos ao planeta cinema.

    Beijo da Madame !

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  4. Oi Reinaldo,
    Já gostava de Razão e Sensibilidade antes mesmo de me dar conta que era Ang Lee nos meus iniciais anos de apreciação à Arte. Concordo que ele evoluiu bastante e que seus filmes atuais são muito melhor trabalhados, mas o charme também é saber que Ang Lee é um oriental que incorpora facilmente este universo worldwide que nos é tão universal.
    Beijo da madame!

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  5. Opa ótima crítica, estava com vontade de ver....
    Agora então.... =)

    Dá uma olhada no blog que eu criei :p

    www.cinemmaster.blogspot.com

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  6. Olá Filipe, obrigada pelo comentário e visita. Boa sorte com seu novo blog. Te visitarei sim.

    Saudações cinéfilas,

    Madame

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