Inquestionavelmente, Forest Whitaker está imperdível e mereceu o Oscar, no entanto, estando eu do outro lado da tela, minha experiência com O Último Rei da Escócia foi bastante moldada em avaliar a trajetória de Dr. Garrigan e a situação sem saída pela qual ele se deixou envolver a qual, sem dúvidas, prendeu muito minha atenção dado os rumos dramáticos do pobre médico, primeiramente, por conta de sua postura "oba-oba", ou seja, a escolha pueril e irresponsável por morar e trabalhar em Uganda (ele selecionou o país girando um globo terrestre na escrivaninha de seu quarto e aguardando surgir o primeiro país interessante como próximo destino, desistiu do Canadá e foi para Uganda, assim jogando sua sorte e sua carreira como uma aventura) acrescido o fato de que ele queria vivenciar sua experiência em Uganda com "emoção". Pois é, ele conseguiu, uma emoção que ninguém gostaria de passar: uma viagem ao inferno e ao coração de um ditador; além disso, Dr. Garrigan tem um personagem que julgo interessante porque ele faz escolhas pautadas em um individualismo que está acima dos ideais humanitários de médicos em regiões pobres da África e que, por um azar de seu destino, se misturaram a uma esfera coletiva para a qual ele próprio se cegou, ou seja, ele só descobre que Amin é um canalha quando já é tarde demais e só descobre a brutalidade do ditador após se divertir e se vestir muito bem às custas de sua excelente posição de "médico presidencial". Infelizmente na ocasião da descoberta ele já havia virado um verdadeiro "prisioneiro"de Amin. Triste trajetória, mas o melhor do enredo na minha humilde opinião.
Neste enredo, os movimentos baseados no discurso de um ditador são bem modulados pela competência de Forest Whitaker que é um presidente que sorri e fala mansamente mesmo quando se exalta, finge e destrói vidas quando é necessário, ou seja, um legítimo psicopata governamental que transmite aquela pseudo-confiança da qual os cidadãos são vítimas e, em algumas cenas, parece um garoto brincando de ser poderoso o que o torna doentio. A mim , Forest sempre me pareceu um ator com uma cara que transmite uma vulnerabilidade que me aproxima dele. Ele tem um rosto que é expressivo mas também é dócil, por isso ele funcionou muito bem no papel de Amin: o homem simpático que veio do povo e discursa como um homem do povo mas que, por debaixo da sordidez ditatorial, mata civis inocentes e discursa por uma Uganda que se mantém enferma em vários âmbitos (tanto que há uma rápida menção que sinaliza aquela velha história de que não é interessante para o governo africano aprovar acordos com a indústria farmacêutica para salvar as pessoas e as recorrentes cenas de pobreza, exclusão social, saúde deficitária e genocídio de oposição e demais inocentes).
No decorrer do filme a faceta má de Amin fica evidente, no entanto seu evocativo e influente discurso ressalta bem mais seu carisma no início e meio do filme, o que faz todo o sentido para a veracidade de um sistema ditatorial que se fortalece na inflada performance carismática de um líder, afinal quando o povo é desprovido de conhecimento e carente de melhores condições sociais, ele tende a se apegar a um discurso embutido pela personalidade, acessibilidade e simplicidade do ditador que os enche de esperança, paz e perspectivas de crescimento econômico e desenvolvimento social. Engraçado é perceber que o ignorante desprovido de conhecimento contextual sobre quem é Amin é exatamente um suposto homem culto, ou seja, um médico que teria todas as condições financeiras e aparato intelectual para saber com quem está se aliando e onde está pisando, sem dúvidas, este é um dos pontos fortes de "O Último Rei da Escócia".
Esta suposta simpatia inicial de Amin cativa Dr. Garrigan que se rende à triste história do ditador de infância pobre e juventude solitária, que cresceu junto ao descaso do Exército Britânico. Após clinicar duas vezes o ditador, inclusive lhe "salvando a vida" em uma situação bem cômica, Dr. Garrigan cai nas graças de Amin que é um apaixonado pela Escócia, fato que também os aproxima inicialmente. Dr. Garrigan acaba aceitando o convite para ser o médico pessoal de Amin, abrindo mão de ajudar uma comunidade de pessoas muito mais necessitada do que um abastado presidente, alcançando aí o cúmulo da falta de integridade e do bom senso com relação às suas próprias prioridades médicas. Neste ponto, Dr. Garrigan se vende facilmente e considero isso, embora lamentável, totalmente necessário para a continuidade do filme e a importância dos comportamentos do médico mesclando as esferas individuais e coletivas de seu próprio egoísmo que precisam ser verossímeis com suas escolhas, tão alheias ao contexto sócio-econômico e político reforçando que ele só está interessado em sua própria diversão, afinal ele ganhou mulheres, roupas, moradia, carro e a confiança do ditador, inclusive participando de forma VIP das festinhas privativas dos presidente regadas a sexo e bebidas e, até mesmo, perigosamente se envolvendo com uma das esposas de Amin, Kay, intepretada pela atriz Kerry Washington.
Acreditem! Dr. Garrigan é o garanhão mais individualista e suicida que eu já vi no cinema (pelo menos, neste momento, é o único que consigo me lembrar) e, embora eu aprecie homens espontaneamente vivazes e abertos às aventuras "saudáveis" da vida, há horas que o acho perfeitamente ingênuo e, infelizmente, um adorável idiota que só se deu conta do perigo quando já estava preso a ele, quando viu que "não podia brincar de homem branco pois eles ( Amin e seus mortais capangas) eram reais", uma das afirmações fatais do insano ditador . Para a infelicidade do médico, ele se mantém cego até perceber que Amin é um totalitário nato, um controlador impiedoso e tratará o médico como uma verdadeira propriedade a ponto de tirar-lhe até mesmo sua liberdade de voltar à Escócia, impedindo-o a deixar o país e enviando-lhe um passaporte ugandense em substituição ao escocês (risos). Não lhes falei que o filme deveria se chamar "O último médico Escocês "sem saída" na Uganda"?
Gostei bastante do filme e principalmente deste registro que não deixa à parte um homem jovem, um perfeito "garotão adulto cheio de vida" que vai se deixando enrolar na teia de um ditador venenoso, hediondo assassino e implacavelmente sedutor e ambicioso. Piamente acredito que, sem Dr. Garrigan, o filme deixa de ser interessante porque ele é um médico em decadência que afunda juntamente com o sistema ditatorial de Amin e que faz com que as múltiplas caras do ditador sejam despertadas. Sua beleza em "O último Rei da Escócia" está em não ter qualquer vínculo de engajamento social nem mesmo como um estrangeiro em um país que, teoricamente, deveria saber bem onde pisa e com quem anda, logo Dr. Garrigan é entorpecido pela própria situação que o aprisionou, cedendo às regalias de um ditador e, ingenuamente, achando que poderia sair de fininho, sem qualquer preço a pagar. Como diz Amin na cena que Dr. Garrigan pede para voltar à Escócia: " Só está aqui para transar e saquear (como todos os britânicos)?", "Por que razão eu confiaria minha família a você?", "Você é como se fosse meu filho", "Não seja um rapaz idiota", "Seu lar é aqui(em Uganda)", exemplos reveladores de que Amin "adotou" Dr. Garrigan tomando-o para si como um cidadão ugandense no qual ele tem o direito de exercer um poder. Por isso, considerando o foco de minha resenha, o filme se resume em uma única frase: O último Rei da Escócia é o Ugandense Amin que acaba por reger a vida de um cidadão escocês, acaba por governar totalitariamente Dr. Garrigan, mas ainda que tardem, regimes ditatoriais sucumbem, liberdades individuais nunca.
Título original: The Last King of Scotland
Origem: Inglaterra
Gênero: Drama
Duração: 121 min
Diretor(a): Kevin MacDonald
Roteirista(s): Peter Morgan, Jeremy Brock, Giles Foden
Caro Madame Lumière,
ResponderExcluirOs Óscares de Marketing Cinematográfico, iniciativa que pretende nomear o melhor que se fez em publicidade de Cinema no ano de 2009, estão de regresso ao Keyzer Soze’s Place.
Assim, convido o autor deste blog a expressar a sua opinião em http://sozekeyser.blogspot.com/2010/01/oscares-de-marketing-cinematografico-2.html.
Desde já, apresento o meu profundo agradecimento na sua disponibilidade para participar nesta iniciativa.
Cumprimentos cinéfilos!
Olá Sam,
ResponderExcluirObrigada pelo convite e pela visita! Irei visitá-lo e será um prazer participar da votação e conhecer o seu blog.
Um abraço,
Madame Lumière
Acho este um filme que merecia melhor atenção dos prêmios. Concordo que a grande atuação de Forest Whitaker possa ter um efeito ofuscante, mas o filme é bem mais profundo e insidioso ( como sua critica demonstra) do que um rápido olhar e a admiração pelo desempenho de Whitaker podem permitir. Quanto a sua pergunta do garanhão individualista e suicida do cinema, convém lembrar que James Bond (em sua encarnação pré-Daniel Graig) é assim. Sempre se põe em perigo por um rabo de saia. E Bond é extremamente egocêntrico. É o modelo, sem deixar de ser o arquétipo, do homem no cinema.
ResponderExcluirBjs madame
Oi Monsieur Glioche, mais uma vez um adorável comentário. Thanks! Sabe que eu estava ansiosa pela sua presença aqui, comentando deste filme porque eu precisava conversar com alguém bem fundamentado nesta análise holística do filme e um justo crítico. Assumo que O Último Rei da Escócia foi uma descoberta tardia porque ele me dava a impressão de ser profundo demais o que exigiria um "estado de espírito" mais engajado no contexto do filme. Eu absolutamente adoro questões diplomáticas conflituosas em suspenses de caratér político, logo sou fã de filmes como o Jardineiro Fiel, Diamantes de Sangue, Hotel Ruanda, etc. Tendo assistido este filme, gostei demais do aprisonamento ditatorial a partir da vida de um homem que está à parte daquela civilização, afinal ele é um estrangeiro, mas poderia ser um nativo. Achei fascinante pensar da forma que resenhei e lamento que o filme não ganho mais prêmios. Achei o personagem de McAvoy bem mais interessante até mesmo para ressaltar a maldade aberrante de Amin.
ResponderExcluirBeijos da Madame!
PS: Sim, Bond é o rei do egocentrismo e da pegação. Até o estilo bem vestido de Bond McAvoy incorporou na trama. Confesso que McAvoy está altamente pegável neste filme rsrs...
Grande crítica, e muito inteligente por concentrar-se no que era o foco do filme, originalmente, antes que Forest Whitaker começasse a ganhar todos os prêmios, ofuscando (lamentavelmente) a história do médico Garrigan e a ótima atuação do fantástico James McAvoy - ele é o personagem principal do filme, não Amin, é sua história que nos guia, ele é quem nos representa naquele momento particular da história.
ResponderExcluirÉ cruel a maneira como McAvoy foi ignorado, em alguns cartazes e capas de DVD ele nem mesmo teve o direito de ver seu personagem representado! Por isso, ótima escolha do cartaz para ilustrar sua crítica...
Espero que esse talentoso ator seja reconhecido um dia, mas suas atuações sutis e tão integradas à história, tão distantes da representação "over" e "olhem-para-mim-sou-uma-estrela" podem demorar muito a receberem todos os prêmios e elogios que merecem.
Olá Cristine,
ResponderExcluirPrazer em conhecê-la e obrigada pela visita! Concordo que McAvoy foi deixado de lado injustamente porque, por mais que a idéia era contar sobre o ditador Amin que é a figura "totalitária" que deixou as cicatrizes na História dos Regimes Ditatorias da África e no mundo, a voz era muito mais do médico Garrigan, como inicialmente tinha que sê-lo até mesmo para ressaltar o quão mal e doentio pode ser um homem controlador como Amin e como ele contribuiu para a decarrota do próprio Garrigan.
O irônico da situação é que, no filme, eu me concentro totalmente em McAvoy o que me faz pensar que o que aconteceu com ele poderia ter acontecido com qualquer um de nós, afinal, como se livrar de um Amin estando dentro das fronteiras Dele?
Embora assuma a excelente maestria do trabalho Forest Whitaker, igualmente relevante para a sinérgica composição entre ambos, eu me sensibilizo com comandado, tendo seu entusiasmo e força de jovem e bonito médico sugados pouco a pouco por um insano governante.
Obrigada e beijo da Madame!
Para continuar o papo sobre O último rei da escócia e James McAvoy. O personagem do ator é de fato o fio condutor da história e o protagonista e entrega uma grande atuação.Apesar do oscar e de quase todos os prÊmios terem ido para Whitaker ( um ator já conhecido e subestimado desde os tempos de Bird de Clint Eastwood), o filme fez mais pela carreira de McAvoy do que pela de Whitaker. Veja só, enquanto Whitaker continuou com papéis coadjuvantes em produções discutíveis como O rei da rua e Ponto de vista. McAvoy atuou em grandes filmes como Desejo e reparação, um dos candidatos a chegar ao Oscar da temporada, The last Station e conseguiu ser protagonista d efilme de ação (O procurado). Como se preocupou a Cristine, McAvoy já está sendo reconhecido, quanto aos prêmios, virão. Ele ainda precisa amadurecer seus dotes interpretativos. É um ator de muita energia e empatia, mas ainda tem algumas deficiências.
ResponderExcluirSó para ver como ele tá bem na fita, retomando o nosso papo sobre Bond, madame, ele está cotado para viver Ian Flemming, o criador do personagem, em uma biografia que está sendo preparada. Como vc disse, pegável... rsrs
Bjs
Bom dia grande amigo, perfeita contribuição, como sempre! Muito obrigada pela sua lealdade cinéfila também para com a Madame aqui!
ResponderExcluirConcordo que Whitaker era subestimado em demasiado, uns dos atores negros que faziam papéis truculentos e sem expressividade que, no meu senso de justiça e diversidade, odiava pois eu o queria ver como Jamie Foxx e Denzel Washington, em grandes papéis e interpretações exaltando mais o talento de atores/atrizes negras.
Quanto a McAvoy,eu sabia que, em algum momento, você comentaria sobre The Last Station, que é um filme que quero assistir por conta da simpatia que tenho com James e saber que ele está crescendo na carreira, este deve ser um filme especial e fundamental. Ele é jovem e tem o seu charme, tem se esforçado e agora estou lembrando dele, além de Desejo e Reparação, também em Amor e Inocência (com Anne Hathaway) já em 2007 ele já estava dando continuidade aos seus trabalhos e já fazendo dupla com uma atriz jovem e que também está emergente como Anne, assim como com Keira e participando de adaptações baseadas em literatos como Jane Austen e o grande romance de Ian McEwan, Atornment. Nada como o tempo para consolidar a trajetória de jovens talentos.
Glamourous kiss da Madame!