"O Calor da Batalha é um vício frequente, potente e letal.
Na guerra, é uma droga." (Chris Hedge)
A Guerra é uma droga.
Por que a Guerra é uma droga? Boa pergunta, embora a resposta mais imediata seja: Ela é uma droga porque ela mata cruelmente e incontrolavelmente domina vidas, não importa de qual lado se está, ela é um fato controlador na mais autodestrutiva das manifestações da humanidade. A guerra e seus desdobramentos envenenam seres humanos transformando homens bomba em armas, soldados em exterminadores. A troco do que se faz uma guerra? Nada de bom, a não ser ver suas incuráveis sequelas, na maioria, homens sobreviventes com o psíquico violentado! No entanto, uma resposta mais elaborada exige reflexão. Por que a Guerra é uma droga? Depende da perspectiva de quem ordena a guerra, de quem é obrigado ou não a matar em campos minados, de quem sobrevive a ela e de quem a assiste na trágica posição de não poder fazer nada para sucumbí-la. De todas as formas e em diversos graus de seriedade, no final de todas as reflexões possíveis, a guerra sempre terá o seu perigoso teor drogatício. Definitivamente, a guerra sempre será uma droga letal e os efeitos colaterais são diversos, um deles a adrenalina e as ingratas contradições dos comportamentos e dos sentimentos de quem a experimenta, de quem sobrevive no meio do caos, morrendo mais um pouco ainda que esteja respirando.
Guerra ao Terror , o elogiado e premiado filme de Kathryn Bigelow com competente roteiro de Mark Boal, infelizmente teve seu título mal traduzido para distribuição no Brasil. Traduzido na mais tupiniquim e tola das traduções. O longa-metragem não tem qualquer relação com o termo empregado pelo governo Bush após os atentados terroristas de 11 de Setembro como devolutiva de guerra ao terrorismo. A nova produção sobre a Guerra é imparcial no mais inteligente bom senso e tem um roteiro atípico do apresentado em grandes produções do Cinema Guerra, desta forma, oferecendo um filme com um recorte bem específico sobre uma faceta da guerra no Iraque (e que poder ser uma guerra em qualquer lugar), que dá conta de um realismo fora de série sobre o que é a Guerra na mais evocativa pressão psicológica, dramaticamente bem dirigida e, o que sente quem está no campo de combate da morte, prestes a ser explodido ou fuzilado a qualquer momento. Guerra ao Terror apresenta em uma narrativa de planos aleatórios o cotidiano de uma equipe de soldados que desarmam bombas no Bagdá, sob a liderança do destemido Sargento William James (Jeremy Renner, em excepcional performance) que é o homem de frente, exposto à responsabilidade técnica do desarmamento de bombas. Com ele, estão Sargento Sanborn (Anthony Mackie, também em ótima atuação) e Owen Eldrige (Brian Geraghty) que expressam as motivações, as angústias, o medo, a desconfiança e toda a sorte de contraditórios sentimentos de quem está na posição deles, ou seja, lidando com o imprevísivel comportamento de um líder movido à adrenalina e com a responsabilidade de sobreviver no inferno. O filme também conta com pequenas participações de Guy Pearce, Ralph Fiennes e David Morse.
Guerra ao Terror tem várias virtudes como obra cinematográfica começando pelo roteiro realístico que mantém o enquadramento do recorte nesta equipe de Guerra, do começo ao fim, portanto não há thrillers políticos e ações bélicas pautadas em clichês genocidas; isso possibilita vivenciar um novo filme, ser íntima(o) de Guerra ao Terror e de seus combatentes, entrar em suas emoções, suas tensas ações. O espectador é envolvido pela força emocional e psicológica de cada momento, precisamente aflorando o mais tenso clima de suspense a cada missão que pode ser a final da vida de cada um dos soldados. O principal protagonista, William James tem uma personalidade tão peculiar como líder que ele chega a ser um sargento alucinado, quase um meninão suicida, como se viver ou morrer para ele não fizesse a mínima diferença perante um arsenal de bombas e a pressão por desarmá-las; como se o mais importante fosse a viciante ação do desarmamento, consequentemente, gerando no espectador até mesmo a ligeira curiosidade do que se passa na cabeça de William, ou seja, ele é motivado também por patriotismo? Ou por uma satisfação de seu ego "adrenalítico"? Ou, será que William tem uma dedicação mais humanitária, independente de bandeiras? De fato, Guerra ao Terror não julga as motivações de quem está na guerra, acima de tudo, eles são um grupo militar de elite realizando um ofício e, é exatamente nesta habilidade do filme que está seu poder como relevante obra cinematográfica . O longa-metragem ilustra este vício letal que destrói sonhos e destinos, que massacra não só os compatriotas do país em guerra mas famílias do lado americano que foram deixadas para trás, levemente destacando filhos sem pais (através do Sargento William James) e pais sem filhos (através do Sargento Sanborn).
É relevante reforçar que a precisão da direção de Kathryn Bigelow alinhada à fotografia de Barry Ackroyd dá muita força ao filme, juntamente com o roteiro e a ótima perfomance de Jeremy Renner e
Anthony Mackie. Kathryn cria espaço aos focos e aos des(focos) dos diversos planos, em sua maioria, no ingrediente humano da fita, ou seja, os rostos dos soldados e de homens bomba, na agitação do momento de desarmamento das bombas e na latente desconfiança dos soldados cujos inimigos podem ser qualquer um e estar em qualquer lugar. Kathryn também ressalta planos mais intensamente tensionados pelo clima de suspense e dramaticidade das ações e, com isso ela injeta adrenalina pura no espectador a cada missão do grupo, projetando os espectadores, quer queiram ou não, a vivenciar a adrenalina deste esquadrão, em especial, a de William James que não segue um protocolo formal no seu papel e se doa a este "calor da batalha", arriscando até mesmo sua segurança e a dos colegas. Também há uma composição fotográfica com uma bela mesclagem de tons mais desérticos, entre o verde sujo do uniforme dos soldados e o realismo de cores frias dos escombros de um país destruído. A plasticidade realista é tão positiva ao filme como uma referência a trabalhos experimental e jornalístico, mostrando o cru dia a dia do esquadrão anti-bombas.
Guerra ao Terror tem a vantagem de uma perspectiva mais reflexiva sobre a guerra, menos influenciável e verdadeiramente mais genuína, afinal, quando se está no inferno que é a guerra, qual é a salvação? Qual é a expectativa diária? Quais são os novos valores? Quais são os analgésicos? Não seria uma droga "saudável" o instinto de sobrevivência e de ser tecnicamente útil impedindo homens bomba de explodirem um quarteirão? Depende da perspectiva de quem vive no caos, logo William James não pode ser julgado por seu alto nível de adrenalina. A guerra mudou a perspectiva dele até mesmo com relação ao que se ama quando se envelhece, por isso Guerra ao Terror é um filme preciso, ele não julga ninguém, ele expõe o realismo de uma guerra a partir de soldados cujo ofício, aparentemente é o mais "nobre e imparcial" possível. Antes de atirarem nos inimigos como defesa(se necessário for), eles desarmam bombas e este é o escopo de suas funções. Há uma certa isenção em seus próprios papéis militares, por isso é interessante este recorte até mesmo nos protagonistas, chamando o espectador para esta realidade que não envolve jogos políticos de poderes e discursos humanitários. A guerra não tem fim, estando distante ou próximo às nossas casas, ela atravessa muros e oceanos, ela traz o questionamento sobre coisas que deixam de ser importantes após dolorosos momentos, por isso Guerra ao Terror deixa ao espectador o privilégio de sentir o realismo de suas cenas dramáticas, de sentir o efeito colateral da Guerra - a pior droga do mundo.
Avaliação Madame Lumière
Título original: The Hurt Locker
Origem: EUA
Gênero: Drama, Ação, Guerra
Duração: 131 min
Diretor(a): Kathryn Bigelow
Roteirista(s): Mark Boal
Elenco: Jeremy Renner, Anthony Mackie, Brian Geraghty, Guy Pearce, Ralph Fiennes, David Morse, Evangeline Lilly, Christian Camargo, Suhail Al-Dabbach, Christopher Sayegh, Nabil Koni, Sam Spruell, Sam Redford, Feisal Sadoun, Barrie Rice
A grande cena desse filme é quando James, de volta para casa, fica imóvel, hesitante diante de uma gigante pratileira de cereais. A guerra fez com que uma decisão tão simples, banal e cotidiana se tornasse um everest. Ele não se sentia mais apto a tomar aquela decisão. A segunda melhor cena do filme é o diálogo travado entre o personagem de David Morse e Renner. "Tell me what´s the best way to unlock a bomb?" "The way you don´t die sir"
ResponderExcluirSublime. Diz tudo!
Assim como sua critica madame.
Guerra ao terro é um filme muito bom. no entanto, seguramente não é o melhor do ano, nem mesmo sobre o tema que cobre. Nascido para matar de Kubrick e o próprio Soldado anônimo de Sam Mendes já se incubiam, com mais ressonância na minha opinião, dos efeitos paliativos e devastadores da guerra no ser humano.
Mas pelo menos é melhor que Avatar...
Bjs
Oi Reinaldo, Realmente esta cena é maravilhosa e sabiamente bem lembrada por você. Obrigada!
ResponderExcluirEmbora eu prefiri focar a resenha em não revelar alguns detalhes para dar o tom do suspense, quando falo da mudança de valores, tem a ver também com este "retorno para a casa de James" desde esta cena até o diálogo com o filho pequeno. Esta cena do supermercado é algo simples e profundo. Além de algo banal ter se transformado em um Everest, acho que esta cena também reafirma o quanto aquele "America Way of Life formatadinho" já deixa de ter totalmente o sentido após uma guerra. Quer coisa pior do que ver um corredor de cereais cada vez com caixas mais gigantes e de todos os formatos, tipos e sabores? Se tem algo que americano adora é ostentar os big packages dos seus produtos, um incentivo ao consumismo exacerbado.
Sublime mesmo! Também gosto daquela cena entre o Sanborn e o James após um pai de família ir pelos ares. Este lance de relacionar entre as cenas a questão da paternidade e como é que isso fica. Sanborn diz " Estou farto". Eu queria ter um menino.
Certamente estes grandes filmes que citou dissecam mais os devastadores efeitos da guerra, mas acho que Guerra ao Terror projeta uma ótima reflexão no fim do filme. Não há respostas engessadas sobre os efeitos da guerra, no fundo, o que sabemos é que eles mudam e a gente muda, a cada dia, nesta guerra cotidiana.
Beijo
PS: Nem me fale em Avatar ganhar o GGA de melhor drama ao invés de um filme como estes. É muito mercantilismo pra minha tolerância quase zero.
Crítica muito bem feita, Madame!
ResponderExcluirRealmente, o roteiro é diferente, e fico feliz em não ouvir nada como: "O governo dos estados unidos da américa" ou "defender o meu país", como QUALQUER filme desse tipo. O que torna esse filme especial, é justamente o fato de não jogar a política, ou a pátria, no meio da história.
Concordo com vocês sobre as cenas pós "Glory unit". São marcantes e muito bem desenvolvidas. E eu jamais imaginaria que a única coisa que ele amava era justamente aquilo que ele fazia por mais de 800 vezes, e eu paralizei com a cena final: 365 dias para o rodízio na companhia Delta.
É importante comentar sobre a participação de Ralph Fiennes e Evangeline Lilly. Apesar das pequenas cenas, eles conseguiram se destacar!
bela reflexão sobre a guerra...!
ResponderExcluirverei esse filme hoje, provavelmente, dps volto pra comentar mais.
ps: quero mt ver como a evangeline lilly se comporta fora de Lost!
Oi Raphael,
ResponderExcluirJames ama fazer isso, por incrível que pareça. Esta é a loucura do filme! Chega a ter um certo humor negro a empolgação dele para desarmar uma bomba... totalmente desencanado do "como" mas focado no "o que".
Realmente olhar aqueles 365 dias para rodízio foi um baita de um susto... dá um desespero total!
Abraço!
Oi Bruno,
ResponderExcluirAssista-o e não irá se arrepender. Quero muito saber sua opinião.
Serei super honesta e por favor, fãs de Evangeline Lilly, não me apedrejem haha... mas não percebi que ela estava lá. Eu estava tão bitolada naquela adrenalina do James e Sanborn que só me restou olhar para a morenice do Ralph Fiennes. haha... bjs!
Ai Madame, que vergonha... me esqueci que você tinha resenhado Guerra ao Terror!! Só vi hoje, passendo pelo blog e me lmebrei que você tinha me dito!!
ResponderExcluirComo o Reinaldo bem lembrou uma cena que sintetiza tudo do filme é a do cereal mesmo!! Mas eu ainda prefiro, por termos pessoais, a primeira! Quando explode a bomba de longe!!!
Ótima crítica Madame...
Ohh se eu tivesse seu estilo estilístico (é estilistico que se fala????)!! hahhahah Isso que minha mãe é prof de português!!!
Nem devia comentar, porque só piora!! srrsrsrsr
Beijos
Oi Eri, Rs... não se preocupe, nem sempre dá pra gente ver todo o post, não é mesmo? O importante é que estamos conectados, eu e você em nossa paixão cinéfila.
ResponderExcluirGuerra ao Terror não é um primor total, mas estas cenas impactantes acabam aumentando a qualidade e a veracidade do filme.
Rsrs. Você já tem sua estilística, Eri! Estilística não é algo que se aprende muito embora haja técnicas,penso que já nascemos com uma base estilística principalmente quando falamos de uma arte que mexe com as emoções. Aqui sou mais escritora que jornalista e isso faz a diferença pq não me preocupa em passar o conteúdo mais racional do filme, eu quero que as pessoas vivenciem a sensibilidade do filme e, neste aspecto, confesso que minha estilística cai como uma luva.
bjs!