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De 21 de Outubro a 03 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
As violências doméstica e de gênero são percebidas nos ambientes familiares através de outros tipos de violências que compõem este cenário disfuncional como as de ordem psicológica, patrimonial, moral, sexual, entre outras. Neste sentido, nas sociedades e culturas em geral, como teorizado pelo sociólogo Francês Pierre Bourdieu, há violência simbólica que não é manifestada apenas com coação física, mas com outras violências construídas na base da dominância e do poder que têm efeitos danosos nos indivíduos.
Levando em conta o difícil processo de amadurecimento e desumanização diante de um contexto familiar hostil para mulheres, a Romena Alina Grigore estreia na direção de longas-metragens com Lua Azul (Blue Moon| Crai Noi, 2021). Exibido no Festival de San Sebastian, a história acompanha a jovem Irina (Ioana Chitu) que vive com seus familiares em uma região provinciana da Romênia onde se dedicam a gerenciar um hotel, realizar os afazeres domésticos e do negócio e receber os turistas. Irina tem como propósito escapar da violência familiar e cursar uma universidade em outra cidade, porém encontra resistências como a de seu agressivo primo Liviu (Mircea Postelnicu).
Irina é uma personagem em libertação que percorre um processo de autoconhecimento no qual os afetos familiares se misturam com violências e culpa. Na verdade, como uma jovem de pais separados e que foi acolhida pelos tios e primos desde criança, é doloroso sair de um ambiente familiar, sua única referência de trabalho, experiências e valores, ainda que ele seja bastante tenso e violento. Diante destas sutilezas e contradições, a diretora assina um roteiro humanizado que também preserva as falhas e tentativas de acerto da protagonista. Assim, Irina busca um distanciamento familiar sem ser radical.
As relações familiares em cena são insustentáveis, carregadas de palavras agressivas e gestos brutos e imprevisíveis. Eles não conseguem nenhum tipo de diálogo saudável e tudo termina em confusão até na mesa do almoço. Sob a perspectiva de uma dramaturgia crível, a única personagem que tem desenvolvimento dramático é Irina, que sustenta o interesse pela obra. Todos os demais são demasiado arrogantes ou enfurecidos, fato que dificulta qualquer aproximação. A excelente atuação de Ioana Chitu dá o tom na narrativa, dividida entre as responsabilidades, os conflitos e a experiência sexual.
A violência doméstica e de gênero permeia toda a narrativa, mais fortemente por Liviu, um personagem difícil de aturar devido às suas limitações como homem. É o tipo que chantageia, grita, agride, controla, ou seja, pior que um selvagem. Suas cenas com Irina são baseadas na agressão gratuita e ele não tem qualquer inteligência emocional para lidar com qualquer conflito ou discordância, já que pensa que as primas são posses. Apesar da boa atuação de Mircea Postelnicu no que o roteiro propõe, Liviu é um personagem desequilibrado que afeta a profundidade da narrativa ao agir constantemente de forma similar. Seu padrão comportamental é limitado.
Lua Azul percorre um processo de desumanização que não se afasta inteiramente do lar e da ancestralidade. Neste aspecto, o longa mantém a tradição Romena através das belas cinematografia de Adrian Paduretu e trilha sonora de Subcarpati. Ainda que Irina não tenha referências femininas na narrativa e viva ao lado da irmã como duas prisioneiras, a história é sobre uma mulher e sua libertação, logo, a força feminina que vem da terra, das origens, da Romênia é mais complexa do que simplesmente abandonar o lar.
Por fim, escapar de uma família disfuncional não é apenas afastá-la fisicamente. Ela continuará afetando-lhe negativamente mesmo à distância. Com isso, o filme acerta em não dar respostas prontas. Irina não acerta em tudo porque desconhece o mundo exterior àquela realidade familiar. Ela enfrenta suas próprias contradições e, com elas, os desdobramentos de suas escolhas. No fim dos créditos do filme, o único desejo é que Irina encontre o seu caminho e que possa levar algo de bom da Romênia.
(3,5)
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