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De 21 de Outubro a 03 de Novembro
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A narrativa de memória em uma obra audiovisual biográfica reserva ao público uma dupla contação de história: a narrada pelo personagem e a pelo filme. Essas duas dimensões, ora se aproximam, ora se chocam, pelas diferentes experiências do(a) contador(a) com o passado e o presente e pelas incertezas com o futuro.
Em No Táxi com Jack (Jack's Ride, 2021), a diretora Portuguesa Susana Nobre reconstrói um retrato social que acompanha as vivências nostálgicas de Joaquim (Joaquim Verissimo), ex-emigrante que era taxista em Nova York e, de volta a Portugal, está buscando resgatar seus benefícios sociais, circulando em várias empresas para pedir atestados que comprovem sua busca de emprego e assegurem seus direitos trabalhistas.
O projeto começou quando a diretora conheceu Joaquim em um programa de educação para adultos chamado "Novas Oportunidades". Ele estava vivenciando a mesma situação do filme, ou seja, desempregado e prestes a se aposentar. Ali ela considerou o potencial de sua história para o Cinema, além de Joaquim ser um senhor muito aberto a experiências e ao diálogo.
A cineasta apresenta uma trajetória profissional e autoral relacionada a temas sobre trabalho e desemprego, algo recorrente e urgente em uma Europa que está envelhecendo e que, como parte da crise dos mercados, imigração, subemprego e sucateamento de mão de obra são temáticas sociais críticas. Com um personagem sexagenário, o roteiro evidencia as dificuldades geracionais de procura pelo emprego e de ganho de aposentadoria.
O carismático Jack, bem trajado, com seu corte de cabelo semelhante a Elvis Presley e sua envolvente competência comunicativa, não se deixa vencer. Sua própria maneira de se vestir o aproxima a uma nostalgia que atravessa os tempos e uma personalidade atraente. No contexto atual, não há espaço para fraquezas e ele não perde sua simpatia. Circula na cidade, preenche documentos, conversa com amigos e conhecidos, enfrenta toda a burocracia e cansaço. Ele sustenta a narrativa com uma exímia contação de histórias que o torna um personagem único e com o qual uma prosa é um prazer.
Quando o presente é hostil e deprimente, somente há duas opções: reclamar e cair no desânimo ou usar da experiência e da força interior para continuar a jornada. A historia de Jack é de muitas pessoas que estão envelhecendo (mesmo sendo jovens) e que recordam de um passado que, aparentemente, parecia ser melhor e mais justo. Jack era emigrante mas trabalhava e conhecia outra cultura, interagia com os passageiros e lutava por um futuro melhor. Agora, sabendo que não voltará à ativa, lembra desse passado que deve ser superado de alguma forma. Suas memórias são preservadas na narrativa e se tornam o chamariz que desperta o interesse no personagem.
As diferenças geracionais e a relação com o mercado de trabalho exigem um enfretamento cotidiano. Infelizmente, à medida que os profissionais envelhecem, mais as empresas tendem a ignorar as experiências e excluí-los. Por trás dos discursos corporativos de que "Valorizamos as pessoas", a história é bem diferente. Há muitos Jacks por aí que, certamente, não deveriam estar desempregados e eles merecem ser ouvidos.
Nesse sentido, a escolha de Susana Nobre em reconstruir um retrato pessoal o qual podemos observar e exercer a escuta ativa é incrível. Escutar os outros, suas experiências e percalços, principalmente quando são invisibilizados pelo desemprego é um ato de cidadania, de respeito à vida e a diferentes narrativas.
Diferente dos longas de Ken Loach, defensor da abordagem de filmes sociais como Eu, Daniel Blake (2016) e muito mais ácido na crítica, Susana Nobre se afasta de polemizar seu próprio filme e ainda mantém um certo distanciamento de moldar a narrativa voltada ao presente laboral. Filma 70 minutos, tempo relativamente curto, e não entra em profundas discussões reflexivas sobre economia, política e desemprego, deixando o longa sob maior responsabilidade de Joaquim e da direção de fotografia (Paulo Menezes). Realmente o maior benefício é escutar Joaquim e saber que, no decorrer dos anos, todos enfrentarão a dinâmica burocrática da aposentadoria e algumas lembranças sobre o trabalho.
Como uma pequena joia do Cinema Português, ainda vale a pena conhecer o longa considerando o retrato e performance do protagonista e a composição geográfica dessa jornada. É lindamente colorido e bem fotografado como rolos de memória, com uma competente direção de arte e fotografia. Montado com planos em Nova York e Portugal com as andanças de Jack, em áreas mais provincianas ou urbanas, a pé ou dentro do seu carro, e com uma trilha sonora sutil que tem relação com as afinidades musicais de Joaquim.
No Táxi com Jack é como ser transportado para saudosistas fragmentos da vida do carismático Jack, um senhor que merece toda a felicidade do mundo.
Fotos, uma cortesia 45ª Mostra SP para divulgação do filme.
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