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Mostra SP 2020| Mar de Dentro (2020)

 




Mostra SP 2020 - 22 de Outubro a 04 de Novembro



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Viva à permanência da Mostra SP em 2020!



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação




A maternidade é um voo solo. Já ouviu essa frase?


Essa poderia ser a tagline de todos as histórias que abordam a maternidade sob um ponto de vista realista, não importa se no romance, na poesia, no teatro, no Cinema, na teledramaturgia. A menção não tem como objetivo ofender a importância do pai, dos avôs, da babá e de outros da rede de apoio, pelo contrário, o objetivo é explicitar que, por mais que haja outras pessoas ao redor, os relatos reais sobre maternidade mostram a não romantização do tema. Ser honesto(a) sobre a maternidade é dizer que há sim a solidão e o aprendizado ao longo do tempo, mas também há o amor e o direito à escolha de ser ou não mãe.





O primeiro-longa metragem de Dainara Toffoli, com Monica Iozzi no papel de Manu, uma mulher classe média, independente e bem sucedida que tem uma gravidez não planejada, é uma história real sobre o drama de ser mãe. Sem a intenção de ser romantizado, o roteiro se firma no propósito de ser humanizado o suficiente para mostrar situações realistas de uma mulher que, do dia para a noite, tem seu cotidiano alterado em função da maternidade. Ao lado de Monica Iozzi, outros bons atores fazem parte dessa jornada, parcial ou integralmente, como Rafael Losso, Gilda Nomacce e Fabiana Gugli.










O contorno da história tem algo de melancólico e poético, mas também uma abordagem pragmática com relação à gravidez, os primeiros dias do bebê Joaquim, o retorno de Manu ao trabalho e situações como perdas  e inquietações narradas nesse cotidiano tão feminino. Manu é daquelas executivas articuladas que estão vivenciando uma ampla possibilidade de projetos, crescimento de carreira e nenhum apego a relacionamentos tradicionais. Ao ter o romance com um colega de trabalho (Rafael Losso), se vê grávida. Toma a decisão de ter o filho, e no meio do percurso, confronta-se com luto e descobertas.



"Em “Mar de Dentro”, quis focar mais nas questões internas da maternidade. Seja uma mãe biológica ou adotiva, uma mulher cis ou trans, uma rainha ou uma mulher comum, a maternidade nos impacta. Impacta por tudo que não sabemos sobre, porque temos uma ilusão, uma ideia de perfeição que nos é vendida por uma indústria lucrativa de produtos.", afirma a diretora




Ainda que esse pragmatismo do roteiro transpareça algumas cenas clichês, não há um grande problema nessa escolha tendo em vista que a maternidade tem muito de clichê na visão da sociedade.  São como estereótipos construídos socialmente em uma sociedade que romantiza a renúncia da mulher e sacraliza a maternidade. Essas cenas recorrentes do papel  e ação materna têm muito a dizer ao público, inclusive o de que ser mãe é ser solitária e sentir as dores da existência, muitas contraditórias.






As situações cotidianas se repetem como sentir-se como em uma prisão, sentir que está perdendo espaço no meio profissional ou pode ser demitida, que  as pessoas dão muitos palpites mas não têm noção da solidão que há no papel de mãe, que há mais desvantagens que vantagens na maternidade, que o corpo feminino não é mais bonito e desejável após uma gravidez. São cenas comuns no cotidiano mas que as pessoas tendem a não dar a importância devida, acabando por naturalizá-las.










Com muita consciência, a diretora dá liberdade para Monica Iozzi interpretar toda essa realidade, um bom exemplo é quando Manu tem algumas horas livres e senta no banco de uma feira, aprecia o ambiente, respira aliviada por alguns minutos sem culpa. Mostrar cenas como essa, assim como o desejo de ela acertar a cuidar do filho são demonstrações de honestidade do longa com o público.  






A mulher tem o espírito de loba para cuidar da própria matilha, sendo assim, mesmo que a maternidade represente muitas responsabilidades, mudanças no humor e no estilo de vida, instinto de sobrevivência, culpa, solidão, inadequação , ela também representa ternura e força.  É um filme que, a cada cena, busca percorrer essa jornada com afeto, equilibrando as pontas  com os desafios do nascimento de um filho.






O roteiro também não foge à realidade de outras mães que deixam de ser mães por um período para cuidar dos filhos dos outros, como babás e cuidadoras em geral. Embora, pela idade da criança, ainda não há a presença da educadora infantil em cena, a realidade é que, em algum momento da maternidade e das 24 horas do dia, a educação integral ou parte dela sempre será terceirizada. Nesse sentido, esse aspecto da narrativa pincela bem a importância da rede de apoio e da comunidade. Mesmo com tantos esforços em rede, a mulher continua sozinha em grande parte do tempo, tendo que se desdobrar para dar conta dos seus múltiplos papéis.






A história consegue ser mais realista e sensível por causa de Monica Iozzi como protagonista. Foi uma escolha acertada da diretora. Iozzi tem uma personalidade de carne e osso, ela é verossímil como uma mulher classe média, conectada e liberal. É uma atriz interessante pois não era do meio artístico, assim, como um talento emergente que começou na TV, ela conseguiu demonstrar que é uma atriz crível para Cinema. Há que se dizer que esse papel de Manuela não era para qualquer atriz pois é uma interpretação difícil e tênue que poderia cair no estereótipo, no artificial. Como são situações reais da maternidade que também caem no senso comum por parte da população e, muitas vezes, não são valorizadas à altura,  a escolha da protagonista era uma questão chave.






Diretora em seu primeiro longa de ficção




“Quero filmar com ela: “Ela é inteligente, brilhante, questionadora, cheia de personalidade e força, mas também tem uma doçura e uma generosidade imensa. Além disso, tem a mesma idade da personagem. "A troca com ela é um dos pilares do filme”, comenta a diretora sobre Monica Iozzi.

 



Mar de Dentro é sobre essa força visceral da mulher, sem romantização, apenas situações cotidianas bastante solitárias e reais. É um filme que vem a somar no Cinema Brasileiro que  ainda fala muito pouco sobre maternidade. Ele mostra uma realidade difícil, porém, é preciso lembrar que Manu é daquelas mulheres que ainda têm uma boa formação, emprego, licença maternidade, plano de saúde, apartamento confortável, seguro e bem localizado, babás, colegas de trabalho, ou seja, tem toda uma estrutura que pode ser reorganizada para o bem estar do bebê.






Agora, imagine aquelas mães que não têm a mínima estrutura para criar um filho e, muito menos, rede de apoio e assistência comunitária? Dessa forma, a narrativa mostra um cenário mais elitizado que, se filmado em outra classe social, mostraria situações bem mais vulneráveis, tristes e desumanas, incluindo outras questões reais e transversais como desigualdades étnico-raciais, educacionais e econômicas dentro do mesmo gênero.






Diante de tantas inquietações e constatações, Mar de dentro é um filme para todos: mães, pais, avôs, irmãos, amigos, instituições etc. É sobre humanizar uma questão que é real e dramática: a solidão e o luto da maternidade  e as fronteiras tênues para dar conta de todas as demandas. É também sobre pensar políticas públicas e privadas e redes de apoio para essas mães que simplesmente ficam exaustas e renunciam as próprias vidas para criar os filhos.






Não se trata aqui de defender ou não a maternidade, mas abrir espaço para um espaço de controvérsias já que, também como herança patriarcal, a mulher só é valorizada socialmente quando ela tem filhos e perpetua a especie. Já tentou perguntar a uma mulher por que ela não deseja ser mãe? Ou por que ela não pode ser mãe ? Ou, para aquelas que já são mães, já tem tentou compreender por que elas enfrentam sentimentos divididos entre a autorrealização materna e a culpa e o aprisionamento?  





Em muitos momentos, a sociedade apenas deseja ver mães sorrindo e bebês fofos como em comerciais de fraldas descartáveis, e não se importam em discutir sobre questões de diferenças de gênero: divisão de responsabilidades entre os pais, formação, carreira e mercado de trabalho para mães, amamentação, nutrição e saúde, pressões e exigências laborais, preconceito com o corpo feminino pós gravidez e tantas outras. São diversas dimensões para a discussão desse (ainda) tabu que Mar de Dentro ajuda a abrir espaço para essa reflexão e debate.








Foto: cortesia Reprodução Mostra SP para imprensa credenciada.

Citações da diretora, uma cortesia via Assessoria de imprensa e press book

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