Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Contar uma história que reúne infância, amadurecimento e luto é uma das possibilidades mais sensíveis de realizar um drama no Cinema, principalmente sob a perspectiva feminina e com uma mulher na direção. Essa foi a proposta da jovem diretora Argentina Sol Berruezo Pichon-Rivière em Mamãe, Mamãe, Mamãe ( título em inglês, Mum, mum, mum), longa-metragem de estreia, que recebeu apoio do Instituto Argentino de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA) e nominações nos Festivais de Berlim e San Sebastián.
Mergulhada em uma atmosfera familiar silenciosa e melancólica, entrecortada por flashbacks, Cleo (Agustina Milstein) se vê solitária e em luto em seu lar. Qualquer tentativa de comunicação com sua mãe não ocorre. Silêncio e frustração, de novo. Observando a mãe reclusa no quarto, em depressão, Cleo sofre pela partida da irmã, morta em decorrência de afogamento na piscina da casa.
Mesmo que solidão e opressão estejam presentes no estado psíquico da menina e permeiam a narrativa, muito em função do isolamento da mãe e a falta de comunicação, Cleo tem a presença da tia, e o companheirismo de suas primas Leoncia, Manuela e Nerina. É como um sopro refrescante de sororidade em uma temporada de verão. A união das primas traz à experiência de luto uma fase de amadurecimento, desenvolvida como uma curta passagem de tempo, uma transição realmente episódica em detrimento da morte. Desse modo, esse roteiro amarra vivências da infância e da puberdade.
Com apenas 24 anos, a cineasta realizou um equilibrado trabalho de junção entre as impressões intimistas de Cleo e a relação com o cotidiano realista, dessa forma, abrindo espaço para a atuação do elenco e a importância da rede de apoio feminina. Por mais que sejam cenas reais como a curiosidade sobre o primeiro beijo, o medo da menstruação, a tristeza pela depressão da mãe e a ausência da irmã, a diretora articula um cinema de sutis impressões, porém poderosas no contexto de luto.
Nesse sentido, o longa se revela com uma direção muito pessoal e consciente dos rituais femininos, como oferecer apoio quando outra precisa, conversar sobre curiosidades, inseguranças e desejos, compreender o silêncio que vem da dor da outra. Assim, o filme também é uma homenagem às mulheres à medida que tem elenco feminino, realizado tecnicamente por mulheres e em uma narrativa que traz elementos como perdas e sofrimento de mulheres.
A beleza de Mamãe, mamãe, mamãe é concebida por gentilezas, cercadas pela inocência, desabrochar do amadurecimento e superação do luto. Nesse aspecto, a presença de planos nos quais as meninas compartilham e verbalizam seus fluxos de pensamentos são essenciais para a qualidade narrativa. Elas atuam muito naturalmente, como se fossem pessoas comuns (não atores), evidência que traz a espontaneidade da infância. Além do mais, na fotografia e composição dos planos, a cineasta orquestra a leveza das sensações e trocas, com isso, realiza um contraponto interessante ao trazer delicadeza visual em um contexto familiar doloroso.
Amadurecer realmente dói e o drama não nega essa dor, porém, não o catalisa para um pólo pessimista e destrutivo. Pelo contrário, ainda que há o luto visível que devasta a mãe, presa em um quarto, ou que leva Cleo aos flashbacks e memórias dolorosas, Cleo e suas primas vivem o tempo da dor, mas também a bela capacidade feminina de estar junto e superá-lo.
Fotos: Cortesia Reprodução Mostra SP via assessoria de imprensa.





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