Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Animação de Annecy, O Nariz ou a Conspiração dos Dissidentes (The Nose or the conspiracy of Mavericks, 2020) é uma animação Russa bem criativa que utiliza variados recursos narrativos, mesclando o gênero com imagens documentais, fragmentos de Arte, Música e Literatura, entre outras escolhas que evocam o absurdo, a denúncia e sátira política.
Essa miscelânea intensamente dinâmica, abstrata e visual é cheia de representações históricas, sócio-políticas, literárias, artísticas, e foi adaptada do clássico cômico O Nariz , escrito por Nikolai Gógol em 1836. Na história, um oficial Russo perde o nariz que acaba por ser independente e ter vida própria, transitando em vários espaços sociais e coletivos. O diretor Andrey Khrzhanovsky orquestra uma verdadeira ópera em animação, utilizando a música clássica. Realiza uma crítica ao governo aterrorizante de Josef Stalin. Acima de tudo, é uma animação para o público adulto para criticar o totalitarismo.
A presença da relação entre Música, Cinema, Literatura, Sociologia e Política é o principal alicerce de toda a obra, criando também tensões e complexidades entre as diferentes linguagens e temas e a recepção. Desse modo, é possível contemplar tanto o espírito criativo dos absurdos na animação como os desdobramentos caóticos na experiência visual, resultando em altos e baixos na compreensão da obra. Como o cineasta traz muitas referências do contexto sócio-político Russo, assim como da Literatura e Arte, assistir à essa Animação não é uma experiência fácil e relaxante. Mesmo diante do absurdo, ela leva a uma curiosidade natural pela história do país e o entendimento das referências.
Com uma liberdade criativa bem intensa, partindo de construir um complexo simbólico que extravase a realidade dos absurdos do autoritarismo Russo que, aliás, ocorre até hoje na figura de Vladimir Putin, o cineasta e sua competente equipe realizam aparições através de imagens de arquivo, que mostram suas atuações no desenvolvimento da animação. Eles introduzem como uma meta-narrativa, a adaptação literária de Gógol, em todo o processo criativo. Também há uma bela utilização de técnicas de colagem em um trabalho minucioso de construção de personagens, espaços e objetos.
É um caos animado que apresenta certa estruturação quando a Literatura é contada, partindo da ideia de que, o oficial perde o nariz, com isso, tem que interagir consigo mesmo e com essa parte do seu corpo. O Nariz começa a se meter em vários lugares e situações, cooperando para a construção da crítica social e política, ao se confrontar com o totalitarismo.
De maneira muito peculiar e interessante, a Animação permite uma dupla experiência com a música e a diegese. A ópera datada nos anos 20, com a musicalidade da trilha de Dmitri Shostakovitch, pode ser suave e intensa, assim como a sequência de animação serve-se de uma fluidez mais estruturada e compreensível em alguns momentos e, em outros, tende a ser mais intensa, caótica, confusa. Pode-se dizer que, assim com as teorias de conspiração, esse filme tem uma boa dose de maluquice.
Certamente não é uma Animação que agradará a todos(as), porém sua virtude é demonstrar que não há limites para a liberdade criativa e a expressão das críticas ao sistema. Ela deixa o público pensar o que deseja e meter o "nariz" no meio, desse modo, possibilita releituras, aprofundamentos e reflexões sobre esse contexto Russo e como ele se replica em outras nações.
Fotos: uma cortesia Reprodução Mostra SP, via assessoria do evento.
0 comentários:
Caro (a) leitor(a)
Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.
Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.
No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.
Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.
Saudações cinéfilas,
Cristiane Costa, MaDame Lumière